Ricardo Moreira, in "Esquerda"
Entre 2009 e 2013, os mais pobres perderam um em cada quatro euros que recebiam. Foram quem teve o corte mais brutal, com os indicadores de pobreza e exclusão social a regredirem para o início do século.
Não sei se se lembram, mas em 2014 Passos Coelho, na altura Primeiro Ministro, disse num seminário com as Misericórdias de Portugal que “a crise económica não agravou as desigualdades, houve até uma tendência para corrigir algumas delas”, acabando por concluir que nos anos da troika não tinha sido o mexilhão a lixar-se. http://www.tvi24.iol.pt/economia/governo/crise-quem-se-lixou-nao-foi-o-mexilhao-diz-passos
Já sabíamos que era tudo mentira, que era propaganda do PSD e do CDS-PP, que, de facto, os mais pobres estavam a sofrer muito mais e que a desigualdade estava a ser reduzida precisamente pela compressão dos salários. Ou seja, estávamos todos a ficar mais pobres.
Mas não havia dados ainda para confirmar estatisticamente esta certeza que tínhamos. Agora já há.
A Rede Europeia Anti-Pobreza fez esta segunda-feira o seu encontro nacional e convidou o Professor Carlos Farinha Rodrigues para falar sobre o período da austeridade da troika. Os dados são categóricos, entre 2009 e 2013 os mais pobres perderam um em cada quatro euros que recebiam. Foram quem teve o corte mais brutal, com os indicadores de pobreza e exclusão social a regredirem para o início do século.
Para isso terão contribuído decisivamente as mudanças que aconteceram em 2010 e, com mais intensidade, em 2012 no Rendimento Social de Inserção (RSI). Repare-se, esta é uma prestação social que pretende ser o último recurso na ajuda a famílias com alto risco de pobreza e exclusão social e, por maioria de razão, numa altura de crise económica, em que a crise social se agrava, é o momento em que este tipo de prestações mais seriam necessárias. No entanto, o número de beneficiários reduziu-se de cerca de 400 mil em 2010 para menos de 275 mil em final de 2013, não passando hoje das 150 mil pessoas a serem apoiadas.
As alterações ao RSI - que o ex-ministro do CDS-PP Pedro Mota Soares chamou "separar o trigo do joio" - criaram um sistema desadequado, burocratizado e incapaz de responder à tragédia da pobreza que foram alvo de um relatório por Farinha Rodrigues (ver aqui).
Em apenas 3 anos a intensidade da pobreza aumentou 30% e um em cada três pobres perdeu o acesso ao RSI. Num país em que uma em cada três crianças é pobre, a retirada do RSI às famílias resultou num aumento da intensidade da pobreza das crianças de 44%. Uma hecatombe.
A nova maioria parlamentar tem de saber responder a esta questão e responder ao empobrecimento do governo PSD/CDS-PP com uma afirmação decisiva que ninguém será deixado para trás.
Para isso é necessário que as famílias que precisam de apoio possam ter acesso ao Rendimento Social de Inserção e que este mecanismo possa diminuir a pobreza e a intensidade da pobreza, fazendo com que as pessoas possam viver com dignidade. Este deve ser um desígnio nacional.
Desde o primeiro momento que o Bloco se tem empenhado no seio da maioria parlamentar para começar primeiro pela resposta aos mais desprotegidos, como fizemos com a nova tarifa social de energia que pôs "a EDP a pagar o que deve" (ver aqui).
Agora está na hora de trabalhar a resposta aos mais pobres.