César Cruz, in "Capeia Arraiana"
Num país onde os mais pobres são cada vez mais pobres coube às instituições de solidariedade social uma resposta cabal. Contra tudo e todos teimam em não baixar os braços. Perante o avanço da desigualdade social suscitada pelas anteriores políticas sobram réstias de uma sociedadeEsta semana a Rede Europeia Anti-Pobreza apresentou alguns dados que não sendo novos são profundamente clarificadores dos impactos na sociedade e nas Instituições de solidariedade social provocados pelo Programa de Ajustamento Económico.
Portugal mais pobre e mais desigual
Na análise efetuada entre os 10 porcento mais pobres e os 10 porcento mais ricos verifica-se que os portugueses mais carenciados tiveram uma quebra de rendimento situada nos 24 porcento no período entre 2009 e 2013. Entre os mais ricos, como é expetável, o impacto da crise foi bem inferior, diminuindo o seu rendimento oito porcento. Contrariamente ao que muito se tem propagado, pese o forte recuo nos seus rendimentos, a classe média, comparativamente, não foi a mais penalizada mas sim o grupo dos mais pobres que ficaram desta forma ainda mais pobres. As assimetrias aumentaram, cavando um fosso cada vez maior entre ricos e pobres. A desigualdade social ganhou espaço e instalou-se entre nós. A isto não é estranho o facto de termos tido um governo nos últimos anos de índole neoliberal. Na análise social aos países marcadamente neoliberais, uma das caraterísticas sociais é a assimetria e desigualdade, como é o caso dos EUA e da Inglaterra. Regredimos, em termos de indicadores de pobreza e de exclusão social, para o início do século.
O impacto da crise no Terceiro Sector ou economia social
Quem tem vindo a fazer face a este flagelo é o Terceiro Sector, ou a designada Economia Social. Mais concretamente a Economia Social Solidária, formada essencialmente pelas instituições de solidariedade social. A sua maioria sentiu um decréscimo acentuado no seu rendimento global a ponto de algumas terem de se endividar para subsistir. Esta instabilidade sentida e vivida pelas instituições de solidariedade social resulta do impacto social provocado pelo Programa de Ajustamento Económico e pelas medidas de austeridade. Por um lado os utentes ficaram mais pobres e vulneráveis e por outro foram reduzidos os apoios e subsídios. Apesar da pressão financeira, o número de pessoas apoiadas aumentou. Com a crise social o número de pessoas com necessidade de apoio aumentou. Enquanto o estado e muitos Municípios se demitiam da responsabilidade das funções sociais, as instituições abriam as suas portas, a suas expensas, perigando a sua própria sustentabilidade.
Políticas sociais implementadas sem coerência conduziram a um ponto de quase rutura. Veja-se o caso das cantinas sociais, em que esta medida ficou mais cara do que se tal investimento tivesse sido aplicado em rendimento direto às famílias carenciadas através do Rendimento Social de Inserção (RSI), o abono de família e o complemento solidário para idosos, cujos montantes foram diminuídos substancialmente. O Estado deixou de ser social para passar a patrocinar um estado assistencialista.
Entre 2010 e 2013 houve uma redução de mais de 150 mil pessoas beneficiárias da medida do RSI e uma redução nas prestações de desemprego, enquanto a pobreza e a exclusão social alastravam. Decerto que no horizonte das políticas dos últimos anos não fazia parte um investimento no capital social.
A crise e as correspondentes medidas de austeridade conduziram a um aumento do desemprego e este disseminou a pobreza a sectores que se pensavam imunes. Deu-se assim uma procura crescente de proteção social junto às instituições de solidariedade, numa altura em que elas já viam os seus orçamentos reduzidos por falta de apoios governamentais.
O que aconteceu no país ocorreu no nosso concelho do Sabugal. As instituições de solidariedade fizeram ao longo destes anos o que o governo central e local não quis ou não teve capacidade de resolver. O Terceiro Sector foi deixado só, numa lógica de demissão da responsabilidade estatal. Mas não pensemos que essa lógica é isenta. Enquanto o Estado ou autoridade local se demite da função social entrega-a não às instituições de solidariedade, o que muitos supõem, mas entra numa lógica de privatização lucrativa da ação social.
Privatização da ação social
Com o alto patrocínio de políticas socias criadas nos últimos anos, assiste-se a um contínuo crescimento de entidades lucrativas que prestam serviços sociais. Não tendo espaço no concelho do Sabugal, o certo é que uma em cada três das entidades proprietárias de equipamentos sociais é de natureza privada lucrativa. Ou seja, as empresas ou grupos empresariais com finalidade lucrativa estão a ocupar os espaços das instituições de solidariedade que se encontram a sufocar com a falta de apoio e com o alastrar da crise social.
O risco é de os pobres continuarem mais pobres, ficando excluídos dos equipamentos sociais, ou então confinados a respostas de qualidade inferior. Dá a sensação que queremos castas sociais em Portugal. E pagamos e compactuamos com isso.
E nós por cá?
Depois deste apontamento de análise restará questionar o nosso concelho. Tenho referido factualmente diversas vezes que o Sabugal possui um potencial importantíssimo, constituído pela sua economia social solidária, englobada no Terceiro Sector. Restará questionar quais as políticas que foram seguidas até aqui. Se as políticas sociais são de implementação, incentivo, reforço ou se porventura haverá concorrência, apoio selecionado ou demissão de responsabilidade, por parte dos agentes locais. Não haverá interesse em transformar o solidário em interesse mercantil lucrativo. Se assim for, a nossa população, já bastante condicionada, será fortemente penalizada e excluída. O «saber fazer» que as nossas instituições sociais possuem é uma mais-valia que deverá ser aproveitada como instrumento impulsionador da vida concelhia, onde os mais desprotegidos, os que sentiram mais a crise social, não podem ser prejudicados por falta de capacidade de intervenção. As instituições de solidariedade não podem estar sós no momento de responder a quem lhes bate à porta. Se não forem elas quais as portas é que se abrem? justa e igual para todos.