Gonçalo Rosa da Silva, in Expresso on-line
A questão dos refugiados levou o ex-Presidente português a acusar a Europa de estar a atuar "sem visão nem vontade política"
O antigo Presidente da República Jorge Sampaio considerou esta terça-feira que a Europa vive uma situação "absolutamente inimaginável" na questão dos refugiados, "sem visão nem vontade política", estando os Estados Unidos na mesma situação.
As orientações políticas de Donald Trump em termos de política externa "nem nos piores cenários julgámos possível", disse o antigo chefe de Estado num debate no Parlamento sobre o tema "Refugiados e Migrações: a prevenção de conflitos e as soluções duradoiras", uma iniciativa da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação).
Sampaio, o responsável por uma campanha de apoio a estudantes sírios que iniciou há quatro anos, começou por defender que o reforço da cooperação europeia é a melhor resposta para o populismo, e avisou que 2017 parece "anunciar mudanças estruturais", com os Estados Unidos e o Reino Unido à frente no "desmantelamento" do sistema vigente.
Ainda assim, numa nota de otimismo, disse acreditar ("quero acreditar") que os mecanismos de "freios e contrapesos" da democracia norte-americana vão funcionar a médio prazo.
Numa era em que há menos guerras mas na qual elas são mais violentas, falta na ONU um "mecanismo de resposta rápida" na prevenção e mediação de conflitos, uma área na qual Portugal podia também fazer melhor, disse Jorge Sampaio.
E acrescentou que são precisas novas abordagens nas crises humanitárias, explorar novas formas de proteger grupos diferentes, e deu o exemplo dos estudantes na Síria, onde antes da guerra 25% tinha acesso ao ensino superior e que hoje apenas 1% desses jovens refugiados chega à universidade, o que indica que se está a perder toda uma geração de diplomados.
No debate falou também Pedro Coelho, do Alto Comissariado para as Migrações, que começou por lembrar a crise de natalidade na Europa, recordando também que os imigrantes contribuem em Portugal para a segurança social com mais de 300 milhões de euros, e que são eles também quem cria mais empresas.
Portugal recebeu até agora 942 refugiados, todos com acesso à saúde e ao ensino do português, com 25% já com emprego, segundo o responsável. Teresa Tito de Morais, do Conselho Português para os Refugiados, discordou no entanto dos números afirmando: "não digo que todos estão com aulas de português".
Tito de Morais lembrou o grande aumento no mundo de refugiados nas últimas duas décadas, que o milhão que chegou à Europa não é comparável aos números que chegaram a outros países, como o Líbano ou a Turquia, e recordou também as 85 mil pessoas que os Estados Unidos acolheram entre outubro de 2015 e setembro de 2016, entre eles 10 mil sírios.
"As restrições de Donald Trump são muito graves no contexto global de acolhimento de refugiados", disse.
Além de André Jorge, que falou do trabalho da Plataforma de Apoio aos refugiados, os presentes no debate ouviram ainda a história de uma refugiada iraquiana de 48 anos, cabeleireira, que teve de deixar tudo devido ao grupo autodenominado "Estado Islâmico" e que agora vive em Portugal, de que nunca tinha ouvido falar até chegar à Grécia e onde hoje quer viver para sempre.