André Borges Vieira (Texto) e Paulo Pimenta (Fotografia), in Público
Numa ilha do Porto demoliram-se alguns anexos ilegais, mas o entulho continua amontoado no pátio à espera de ser recolhido. É um cenário que está a dias de ser alterado. Porém, ao mesmo tempo, este primeiro avanço – a demolição de parte das construções – alarmou quem ainda mora neste conjunto habitacional de Ramalde, na zona de Pereiró. E esse alarme acabou por se justificar na semana passada, quando foram avisados de que brevemente teriam de abandonar as casas que ocupam.
A partir da próxima segunda-feira, cerca de seis famílias que ali vivem de forma graciosa, com a autorização da proprietária original, que faleceu há pouco tempo, poderão vir a ficar sem tecto. Os herdeiros estabeleceram um prazo para as fracções serem desocupadas. Só que os moradores – na maioria dependentes do Rendimento Social de Inserção (RSI) para sobreviver –, depois de várias tentativas de pedido de habitação camarária, nunca conseguiram resposta favorável. A Câmara do Porto conhece a situação, mas remete para a Segurança Social qualquer resposta mais imediata.
A contar os dias e com receio do que poderá vir a acontecer na próxima semana está Joana Moura. Aos 32 anos, vive sozinha há quatro anos numa das fracções da ilha, que foi mobilando com o indispensável. Está desempregada, tem a ajuda do RSI e “de vez em quando” faz uns trabalhos temporários. O seu rendimento mensal não lhe permite avançar para uma situação de arrendamento de um apartamento, com os preços proibitivos que agora diz serem praticados. Por isso, já vai no terceiro pedido de habitação camarária à Domus Social. Também já o fez ao IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. Foram todos negados. Ainda em apreciação está o último que fez à Domus.
No pátio da ilha, tem na sua mão todos os despachos negativos aos pedidos. “Dizem que não consigo atingir a pontuação mínima para o pedido ser aceite”, afirma. Questiona-se sobre o que será necessário para conseguir luz verde da empresa municipal que gere a habitação camarária. “Vivo sozinha e estou desempregada. Só aqui em Ramalde encontro várias casas vazias em bairros. Porque é que não consigo?”, questiona.
Joana diz que vive há 18 anos na mesma freguesia. Ao PÚBLICO, a Câmara do Porto diz que as outras duas candidaturas “não foram admitidas por não atingirem a pontuação mínima na matriz de classificação que avalia e pondera a situação sócio-habitacional dos agregados familiares”. A dificultar o processo estará a impossibilidade de conseguir provar que tem morada na ilha da Rua Dr. Pedro Sousa, já que nunca teve um contrato de arrendamento e, por isso, não tem qualquer recibo em sua posse.
Na mesma situação estão outras famílias, como a de Conceição Machado ou a de Vera da Luz, e Jorge Silva. Todos dizem ter submetido pedido de habitação social. Ninguém conseguiu resposta positiva.
Jorge seria o único que poderia atestar ter morada no local onde vive porque há mais de 15 anos chegou a pagar renda. Mas quem a pagava era a avó, que já faleceu. Não sabe onde estão os recibos, mas lembra-se que o dinheiro era entregue a uma pessoa intermediária que o fazia chegar à senhoria. “Depois, há uns dez anos, disseram que isto ia ser demolido e deixaram de cobrar”, afirma. Mas a proprietária continuou a deixar que as casas fossem habitadas, na altura e também mais tarde.
Conceição Machado vive com o marido e três filhos. Também diz ter pedido casa à Domus Social. Foi recusado. Mas tem uma forma de confirmar que vive naquela ilha há cinco anos porque os filhos frequentam uma escola da freguesia. Já Vera Luz, que mostra ao PÚBLICO o documento que comprova ter submetido candidatura, ainda está à espera de conhecer o desfecho.
O problema é que na segunda-feira todas as famílias que ocupam a ilha, mais de uma dezena de pessoas, há uns meses sem electricidade, desde que retiraram o único ramal que ali existia, vão ter de abandonar as casas. O aviso foi feito “por boca”, adianta Joana Moura. Só mais tarde, a pedido da própria, é que foi feito “em papel”. O documento que não está assinado nem carimbado, mas tem escrito o nome de uma empresa de demolições, estipula o prazo de saída e adianta os motivos: “Limpeza e demolição de anexos.”
Prazo será para cumprir
Um dos herdeiros da propriedade, Cláudio Moutinho, esclarece que todas as demolições já foram feitas. Em causa, agora, está a limpeza do entulho que sobrou. “Não estão previstas mais demolições, a menos que se confirme existirem mais anexos que não constam da planta topográfica”, diz. O proprietário confirma que quem ali está tinha autorização da sua mãe, que, entretanto, morreu. Mas agora, adianta, terão de sair dali. O prazo para o fazerem termina na segunda-feira. Pergunta-se se o prazo poderá ser prolongado em função da inexistência de uma solução de habitação para as pessoas que ocupam a ilha. Por agora, avança, essa não é uma hipótese que esteja em cima da mesa.
Sobre o indeferimento dos pedidos de habitação realizados por quem ocupa o conjunto habitacional, a autarquia diz existir “um regulamento e uma matriz que têm de ser cumpridos”. Neste caso, a Domus Social entendeu que, por mais do que uma vez, as candidaturas não cumpriam os requisitos.
A propósito da possibilidade de na próxima semana mais de uma dezena de pessoas poderem vir a ficar sem tecto, a Câmara do Porto remete a responsabilidade para outra entidade: “O alojamento em situações de emergência social é da competência da Segurança Social.”
Os moradores afirmam ter sido oferecido alojamento temporário, através da Segurança Social, em quartos de pensões, todas localizadas noutras freguesias e sem as condições de que necessitam, com a agravante de existirem famílias numerosas com crianças.
“O problema não é ter de sair. Compreendo que estamos numa situação ilegal. O problema é não nos arranjarem soluções viáveis”, afirma Joana Moura. Conceição Machado também teme o que acontecerá depois de segunda-feira: “Vamos para debaixo da ponte?”