28.4.16

Abusos sexuais. Novo jogo de tabuleiro ensina tudo às crianças

Mariana Madrinha, in "Jornal I"

Jogo para explicar às crianças entre os seis e os 10 anos o que é o abuso sexual é lançado hoje.

Chama-se As Aventuras do Búzio e da Coral 1 ECOS

Zoom // Prevenção Abusos sexuais.

Por dia, quatro crianças são vítimas de abuso sexual em Portugal. Nos últimos cinco anos, a Polícia Judiciária investigou mais de sete mil casos. E, segundo dados do Conselho da Europa, "uma em cada cinco crianças foi ou vai ser vítima de abuso sexual".

Esta realidade é bem próxima de Rute Agulhas, psicóloga forense do Instituto de Medicina Legal desde 2005. Não há um dia em que Rute não receba uma criança vítima de abusos sexuais. A trabalhar na área há 18 anos - altura em nem sequer se usava o termo "abuso" -, sempre pensou em criar algum tipo de material didático que pudesse ajudar na prevenção. Há dois anos. uma aluna de mestrado em Psicologia Comunitária e Proteção de Menores, Nicole Figueiredo, manifestou o mesmo interesse. Juntaram-se à também psicóloga Joana Alexandre (que, a par de Rute, orientou a tese de Nicole) e o resultado é hoje apresentado ao público: "As Aventuras do Búzio e da Coral".

O jogo de tabuleiro, que estará disponível brevemente nas superfícies comerciais, tem como propósito ensinar às crianças entre os seis e os 10 anos - uma das faixas etárias com maior incidência de abuso - que há bons e maus segredos, que há partes intimas no corpo que pertencem unicamente à criança e que não há problema, em determinadas circunstâncias, em dizer não aos adultos.

Sem usar linguagem sexualmente explícita, a temática do jogo anda à volta do mar, e através de mímica e desenhos, por exemplo, as crianças vão ganhando tesouros. Desenhado para que possam jogar com os cuidadores, não é necessário que o adulto com quem a criança joga tenha formação específica. Ainda assim, há um guia que os adultos podem usar - que dá pelo nome de Bússola - que lhes permite descodificar as respostas da criança e perceber em que casos (e onde) se deve pedir ajuda especializada.

"Este é um material de prevenção primária universal, não é um instrumento de diagnóstico", explicou Rute Agulhas ao i. "No entanto, o jogo não tem como objetivo pôr na criança a responsabilidade de evitar o abuso. Essa responsabilidade será sempre da comunidade.
A ideia é explicar às crianças, de forma tranquila, como noutro assunto qualCorpo No tema corpo/toques, as atividades do jogo remetem para a ideia de que o corpo é da criança e que é errado alguém tocar de qualquer maneira.

Este terna realça também o facto de o corpo ter partes privadas.

Segredos As atividades segmentadas por este tema remetem para a ideia de que existem bons e maus segredos. Ajudam as crianças a distinguir que há segredos que não são sempre para guardar; que há maus segredos e que devem pedir ajuda.

Sim/Não Este terna ajuda as criánças a compreender que há situações em que podem dizer sim ou dizer não. Explica aos miúdos que eles têm o direito de dizer não aos adultos e, dependendo do que o adulto pedir, não têm de obedecer sempre.

Prevenir é o melhor remédio, já ouvimos, dizer sobre ene situações. Para as psicólogas Rute Agulhas, Nicole Figueiredo e Joana Alexandre, a máxima pode e deve ser aplicada ao abuso sexual de menores. Por isso inventaram um jogo didático para crianças entre os seis e os 10 anos que lhes explica, entre outras coisas, que há bons e maus segredos e que não tem mal dizer não aos adultos. As Aventuras do Búzio e da Coral são uma brincadeira criada para aprender limites sérios. O jogo é lançado hoje quer, os limites. Para além disso, serve para lhes dar ferramentas para que se consigam expressar." As psicólogas escolheram uma abordagem lúdica por um motivo. "A literatura mostra - tendo em conta materiais já testados noutros países - que as crianças apreendem melhor os conteúdos quando são participantes ativas e não meras ouvintes." "A ideia é os pais irem jogando com os filhos ao ritmo da própria criança. Preferencialmente, deve ser jogado só com a criança, mas também pode ser em pequenos grupos com um máximo de quatro elementos", diz a psicóloga.

O jogo traz mais-valias não só na prevenção como ajuda a criança a expressar-se caso esteja a ser vitima não só de abuso como, por exemplo,de bullying ou outro tipo de agressões. "Se uma criança estiver a ser vítima de abuso, isto aumenta a probabilidade de revelação porque se cria um contexto, cria-se uma oportunidade, a criança sente que tem ali espaço para falar", considera Rute Agulhas. Este é um tópico importante.
Segundo estudos internacionais, "as crianças fazem, em média, seis tentativas para contar o que se passa, porque ninguém acreditou na sua história, porque têm vergonha, estão confusas ou foram ameaçadas pelo agressor".

Sendo esta abordagem inédita no país, as autoras escolheram os temas a serem abordados no jogo com base na literatura estrangeira (ver temas abaixo). Estes temas foram incluídos em estudos realizados no Canadá, no Reino Unido, em Espanha e nos Estados Unidos, e são os que se mostraram mais eficazes em termos de prevenção. O tabuleiro tem dois níveis de dificuldade: um mais simples, ao qual as autoras chamaram Mar das Conchas, e um mais avançado. "O ideal é que todas as crianças façam algumas atividades de nível 1, sempre duas atividades por cada um dos seis temas. Só depois passam para o Mar Turbulento, ou seja, as atividades de nível 2." Para o ano, as autoras vão desenvolver um jogo para crianças entre os três e os seis anos e uma app de telemóveis destinada a adolescentes. As Aventuras do Búzio e da Coral são oficialmente reco.mendadas por várias entidades, entre elas a Comissão Nacional de Proteção das Crianças e'Jovens em Risco e o Centro de Estudos Judiciários. Por cada jogo vendido, um euro reverterá para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.

Emoções Remete para as emoções positivas e negativas e quais são as emoções que as crianças sentem nas várias situações. Além disso, ajuda-as a sabèr como expressar essas emoções ou pedir ajuda.

Internet As crianças já Usam redes sociais e Internet nesta idade. As atividades deste tema foram pensadas e desenvolvidas em parceria com o departamento de ciberorimes da Polícia Judiciária.
Ajuda O Último tema abordado no jogo é o ato de pedir ajuda. Pretende reforçar as competências desenvolvidas à medida que se vai jogando.