21.4.16

2015 foi um ano de "declínio profundo" da liberdade de imprensa no mundo

Ana Fonseca Pereira, in Público on-line

Pela primeira vez, América Latina ficou atrás de África no índice dos Repórteres Sem Fronteiras. Organização denúncia "paranóia" de muitos governos contra o jornalismo independente.

Há poucas boas notícias no índice de liberdade de imprensa divulgado nesta quarta-feira pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Por todo o mundo, há jornalistas mortos, presos, acusados, intimidados e pressionados por governos e interesses económicos, cada vez mais apostados em silenciar vozes críticas e assumir o controlo da informação, num retrocesso a que nem a Europa escapa.

“É tristemente claro que muitos dos líderes mundiais estão a desenvolver uma forma de paranóia em relação ao jornalismo legítimo”, receosos do debate que a imprensa livre promove, lamentou Christophe Deloire, secretário-geral da organização, ao dar conta de “um declínio profundo e preocupante” da liberdade de imprensa a nível mundial durante o último ano.

São muitos os maus exemplos na lista de 180 países analisados pela organização no seu relatório anual e que volta a colocar a China (176.º), Síria, Turquemenistão, Coreia do Norte e Eritreia (180.º) nos últimos lugares da classificação – nações “onde exercer jornalismo é sinónimo de bravura.”

Uma constatação que é também cada vez mais verdadeira em boa parte da América, a região que regista a maior queda no índice de liberdade de imprensa e é pela primeira vez ultrapassada por África, apesar das guerras, dos conflitos sectários e das ditaduras que o afligem o continente, que surge em segundo lugar atrás da Europa. De novo, o lugar do fundo volta a ser ocupado pelo Médio Oriente e Norte de África, “a região onde os jornalistas estão mais sujeitos a constrangimentos de todo o tipo”. A Tunísia, único exemplo de sucesso das primaveras árabes, é a grande excepção, subindo 30 posições (96.ª) graças "à consolidação dos efeitos positivos da revolução" de 2011.

O relatório sublinha a acentuada descida de El Salvador (13 posições para o 68.º lugar), um país “carcomido pela violência dos cartéis” e onde o Presidente ataca a imprensa, acusando-a de promover “uma campanha de terror psicológico” contra o seu Governo. Mas lembra também os homicídios de jornalistas no México (149.º), “a violência institucionalizada” na Venezuela (139ª), o crime organizado na Colômbia e na maior parte dos países da América Central, a corrupção no Brasil, os monopólios de imprensa na Argentina e a cibervigilância nos EUA como “os principais obstáculos” à liberdade de informação no continente.

Na lista há “os suspeitos do costume” – de Cuba (171.º) à Rússia (148.º), que sobe quatro posições apenas “devido ao declínio a nível mundial”, uma vez que “as autoridades estão a aumentar a pressão sobre o jornalismo independente”. Há também uma denúncia clara das “crescentes tendências autocráticas” em países como o Egipto, onde o antigo general Abdel Fatah al-Sissi é agora rei e senhor, e da Turquia (151.º), onde em 2015 se assistiu a acentuada deterioração da liberdade de imprensa, com o Governo de Recep Tayyip Erdogan a presidir a um “ataque maciço contra meios de comunicação social” a pretexto da luta contra o terrorismo, que inclui a tomada de jornais e a detenção de jornalistas.

Mas há também dedos apontados a países até há pouco insuspeitos e o exemplo mais claro é a Polónia, onde o governo ultraconservador do Partido Direito e Justiça (PiS) aprovou em 2015 uma lei que lhe dá total controlo sobre a nomeação e afastamento dos directores da rádio e televisão pública – decisão que lhe valeu uma “espectacular queda” de 18 posições, para o 47.º lugar no índice do RSF. Exemplos de um autoritarismo que cresce também na Hungria.

Mas no relatório, os RSF criticam ainda a excessiva concentração da propriedade dos media em alguns países da Europa, caso de França, lembrando que o reforço dos monopólios constitui “uma ameaça para o jornalismo independente” e “ameaça o modelo europeu” de liberdade de informação. “Hoje em dia é cada vez mais fácil a todos os poderes dirigirem-se directamente ao público graças às novas tecnologias”, afirma Deloire, assumindo que nesta “nova era da propaganda” os “jornalistas são cada vez mais vistos como desmancha-prazeres.”