Andreia Sanches, in Público on-line
Trabalhavam com crianças em risco, mas decidiram alargar o campo de acção. Esta é a história de como uma associação tomou conta da acção social de dois concelhos pertinho da fronteira com Espanha.
Passamos pelo edifício do Centro de Bem Estar e Social de Arronches — creche, lar de idosos, centro de dia... Não é aqui. Depois, paramos à porta do edifício onde funciona a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens e o Gabinete de Inserção Profissional. Não é aqui. Dizem-nos que poucos metros mais à frente encontraremos um outro edifício onde funciona a Segurança Social e depois outro que parece uma escola mas não é uma escola. Já foi uma cantina, depois passou a ser a sede da Confraria Gastronómica do Norte Alentejano e agora a confraria cedeu as instalações à RLIS. É a RLIS, exactamente, o que procuramos.
Arronches é uma vila onde os serviços e instituições sociais estão visivelmente presentes — são, aliás, dos principais empregadores do concelho. Há respostas para idosos, um lar que recebe crianças de todo o país, a santa casa da misericórdia... e há, agora, também a RLIS — sigla para Rede Local de Intervenção Social.
A ideia do anterior Governo era transferir algumas competências da Segurança Social para instituições particulares de solidariedade social (IPSS) — mais concretamente as competências relacionadas com o atendimento e acompanhamento social das famílias mais vulneráveis. No Verão de 2015 foi aberta numa linha de 50 milhões de euros no âmbito do novo ciclo de fundos comunitários Portugal 2020 para quem assumisse funções por até três anos.
“Os serviços distritais da Segurança Social lançaram o desafio a algumas entidades para pensarem se tinham condições para abraçar este tipo de projecto”, começa por contar Maria João Valentim, a presidente da Associação Casa Juvenil Nossa Senhora da Assunção, uma IPSS que gere o lar de infância e juventude de Arronches, denominado “PraCachopos”, o tal que recebe meninos de todo o país, retirados às famílias por se considerar que estavam em risco junto delas.
O lar “estava a correr bem — foi o primeiro especializado em crianças e jovens com problemas de saúde mental”, conta com orgulho. “Vêm pessoas de todo o país visitá-lo”, explica. Mas porque não pensar em novos desafios? “Somos pessoas abertas.” Candidataram-se, pois, a constituir uma RLIS — as regras pré-definidas pelo Governo diziam que quem tomasse conta de Arronches ficava também com Monforte. E assim foi.
Apresentaram a candidatura ao Programa Operacional Inclusão Social e Emprego a 23 de Julho do ano passado. “E a candidatura foi aprovada em Outubro”, diz Maria João. “Como bons alunos que somos, em Novembro começámos a contratar pessoas.”
Carro à porta, a qualquer hora
Contrataram uma psicóloga, uma técnica de reabilitação e inserção social e uma técnica de investigação social aplicada — a lei estabelece que a formação dos técnicos tenha de ser na área social mas não especifica mais do que isso — para actuarem nos dois concelhos. “São três novos postos de trabalho o que pode parecer pouco, mas para aqui é importante”, diz Maria João Valentim. O que é o mesmo que dizer que acha que a RLIS é útil em várias frentes.
“A RLIS veio substituir todo o serviço de acção social que dantes era feito pelas técnicas da Segurança Social [de Portalegre] que vinham cá apenas uma vez por semana”, sublinha, por seu lado, João Crespo que é, simultaneamente, vice-presidente da câmara municipal e da Associação Casa Juvenil.
“Para a ir a casa de uma família, numa situação mais complicada, as funcionárias da Segurança Social têm que requisitar um carro, esperar, etc. Nós temos o carro aqui à porta e, simplesmente, vamos”, acrescenta uma das colaboradoras da RLIS.
“O que esta equipa faz é um trabalho personalizado, de proximidade. Se for preciso, às oito da noite, as técnicas vão a casa das pessoas a ver se têm comida no frigorífico”, prossegue Maria João Valentim. E se não têm, “a RLIS articula com a Cáritas”, por exemplo, para arranjar uma solução, rapidamente.
E depois sim, vê-se com a família o que pode ser feito de mais estrutural, completa Glória Lopes, outra das técnicas da RLIS — que sublinhará várias vezes que a RLIS é muito mais do que ajudar a encontrar um apoio pontual. “Trabalhamos para a autonomia.”
Mais exemplos do que fazem? Se um idoso precisa de um lar, avaliam, vão ver que condições tem em casa, prepararam-lhe o processo, assinalam a eventual urgência, devidamente fundamentada, remetem-no a quem de direito.
“As pessoas que são vítimas de todos os tipos de exclusão precisam de ser acompanhadas de forma muito próxima. É muito mais difícil ir a Portalegre, àquele edifício enorme onde estão os serviços da Segurança Social, onde não sabem com quem vão falar”, diz Maria João.
“Um bocadinho autodidactas”
Da sede de distrito, Portalegre, a Arronches são quase 30 quilómetros de uma paisagem verde-primavera com muitas vacas a pastar.
O concelho tem pouco mais de 300km quadrados, 3000 habitantes, 60% dos quais pensionistas, segundo dados da Pordata. Há 387 idosos por cada 100 jovens — o que é um indicador de envelhecimento elevado, até para os padrões do Alto Alentejo. Há mais famílias com Rendimento Social de Inserção (RSI) do que a média. E uma população pouco escolarizada (a que não tem qualquer escolaridade representa 22,7% do total, ainda segunda a Pordata, duas vezes mais do que no resto do país).
Como todas as outras, a equipa da RLIS de Arronches fez uma formação fornecida pela Segurança Social (por exemplo, “técnicas de atendimento social” e “formação elearning” sobre como aceder à plataforma informática da Segurança Social para obter informações sobre os processos das famílias com que lidam, explica Patrícia Pinto, a coordenadora da RLIS).
Depois, foi preciso “preparar formulários” e manuais, “mapear os serviços que existiam” na zona, “articular” com as várias entidades, das câmaras às escolas, para que estas passassem a encaminhar para a RLIS os casos que caberiam à RLIS. “Fomos um bocadinho autodidactas”, dizem as técnicas com orgulho. Trabalhar na RLIS, acrescentam, não é ter um emprego das nove às cinco.
A 27 de Janeiro apresentaram-se à população. Em Fevereiro, começaram a atender. “Às segundas, terças e sextas estamos em Monforte, às quartas e quintas em Arronches”, em ambos os locais, em instalações cedidas. “O horário do atendimento é das 9h30 às 15h30, sem interrupção para almoço. Das 15h30 às 18h00 fazemos as visitas domiciliárias, por exemplo”, conta Patrícia Pinto. À noite uma fica com a tarefa de levar o telemóvel da RLIS e de atender se ele tocar, “pode ser urgente”.
Comprometeram-se com 50 atendimentos/mês, incluindo telefónicos — o financiamento das RLIS é feito, entre outros, em função dos atendimentos.
Sobreposição de tarefas?
Ali mesmo ao lado da antiga sede da confraria há um Serviço Local de Segurança Social, onde trabalham duas funcionárias da Segurança Social. Mas, garante João Crespo, não há nenhuma sobreposição de funções. “No Serviço Local de Segurança Social fazem o atendimento administrativo, mais burocrático, recebem pagamentos, formulários, etc. É um serviço público que se presta à população e que se deve manter.” A RLIS trabalha com acção social.
Mais estranho parece ser que tendo a RLIS como público alvo as vítimas de exclusão, não possa, contudo, acompanhar quem recebe RSI — uma prestação social destinada, precisamente, a casos mais agudos de pobreza. E porquê? “No distrito de Portalegre há já protocolos da Segurança Social com outra associação para esta acompanhar as famílias RSI”, diz Maria João Valentim. “É a associação Coração Delta [do Grupo Nabeiro], que tem esse protocolo com a Segurança Social e há vários anos que estão no terreno e fazem o acompanhamento das famílias que recebem o RSI em Arronches e Monforte, uns dias cá, outros lá.”
A pergunta que fazemos, de novo, é: mas não é uma duplicação de tarefas, não podia ser só uma equipa a fazer tudo? Quem sabe no futuro se “evolui para outra forma”, responde Maria João.
Almofada a esvaziar
Actualmente, a RLIS de Arronches/Monforte acompanha, de forma continuada, 20 famílias, muitas das quais pessoas desempregadas “que apresentam comprovada carência económica e todo um conjunto de problemas que advêm dessa situação, ao nível de alimentação, de medicação, de formação profissional”, explica Glória Lopes. Trabalham-se ainda “áreas como as competência parentais, ou a gestão eficaz dos orçamentos familiares”.
Para fazer tudo isto, a associação precisa de gastar entre 4500 euros e 5000 euros por mês, sobretudo em salários das técnicas. Era suposto que os fundos do Portugal 2020 pagassem tudo. “Mas a associação está a pagar salários desde Outubro. Comprámos equipamento informático, telemóveis, uma viatura, que custou 15 mil euros e que era mesmo necessária porque precisamos de nos deslocar até Monforte e fazer os atendimentos domiciliários”, diz Maria João. “Mas até agora ainda não houve qualquer apoio do Estado para cobrir despesas. Tem sido tudo por conta da associação.”
A candidatura que fizeram e que foi aprovada garante-lhe para três anos 186 mil euros. Maria João já teve a promessa de que uma parte da verba chegará em breve. E é isso que espera: “A associação tinha alguma almofada financeira, mas a almofada vai-se esvaziando.”
Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Segurança Social confirmou ao PÚBLICO que Arronches, tal como outras 41 RLIS, deverão receber em Maio “o financiamento correspondente ao primeiro adiantamento”. O Governo diz que os atrasos se devem ao sistema informático: “As razões que explicam os atrasos de pagamento que se verificam em alguns dos projectos aprovados radicam genericamente na incapacidade de o sistema de informação que suporta a medida realizar todas as tarefas que precedem à funcionalidade que determina o pagamento.”