22.4.16

O que tem a Bélgica para atrair jovens portugueses?

Ana Maria Henriques, in Público on-line

Melhores condições de trabalho, benefícios sociais e oportunidade de progressão na carreira. São estes os atractivos que os portugueses na Bélgica apontam ao país que os acolheu. Entre 2013 e 2014, o crescimento no número de entradas de portugueses foi de 35%.

Quando terminou o curso de enfermagem, em 2012, Célia Costa não pensou duas vezes. Se queria começar a trabalhar em breve — na área de formação —, tinha que sair do país. Nem sequer equacionou enviar currículos para hospitais e clínicas nacionais — o Reino Unido e a Bélgica foram dois dos países escolhidos para investir na procura de emprego.

O primeiro, destino favorito de muitos enfermeiros portugueses, “apenas estava a contratar para lares”. “Se ia sair de Portugal, preferia investir numa área em que pudesse aprender e progredir”, assume a enfermeira de 26 anos. A Bélgica, com um salário mínimo a rondar os 1500 euros, reunia condições apelativas: perto o suficiente para poder visitar a família com regularidade, variedade de ofertas para enfermeiros sem experiência e benefícios contratuais. Depois de um curso de francês, atirou-se de cabeça aos sites que listavam as vagas em todos os hospitais da capital belga. Em duas semanas, Célia fez uma entrevista por Skype e partiu para Bruxelas.

O caso da jovem da Póvoa de Varzim é apenas um entre milhares. Nos últimos anos, a Bélgica foi subindo nas preferências dos emigrantes portugueses e atingiu o 8.º lugar na lista de destinos mais procurados (o primeiro é ocupado pela França, com 18 mil entradas em 2014). Os dados são do Portuguese Emigration Factbook 2015, recentemente divulgado pelo Observatório da Emigração (OdM), que mostra um crescimento de 35% nas entradas de portugueses na Bélgica, entre 2013 e 2014. A embaixada portuguesa em Bruxelas registou, só em 2014, a entrada de 4227 emigrantes. Nesse mesmo ano residiam na Bélgica 33.388 cidadãos nascidos em Portugal, mais 6847 do que em 2008.

Ao contrário da Noruega, cujo fenómeno de emigração portuguesa é recente e também cresceu significativamente nos últimos anos, a Bélgica foi um importante destino nas décadas de 60 e 70 do século XX. O OdM não adianta mais detalhes sobre o “crescimento gradual desde 2006”, mas sugere como hipótese que “as redes pessoais e familiares podem ter um papel importante, nomeadamente para encontrar um trabalho e uma casa”, quando já existe um “contexto de grande emigração”. O mesmo acontece em França mas não no Reino Unido, por exemplo, “uma vez que o stock de emigrantes nesse país é recente”. A ausência de trabalhos qualitativos sobre o tema impede, segundo o OdM, uma análise mais avançada. O PÚBLICO tentou chegar à fala com o embaixador português em Bruxelas, mas sem sucesso.
Um país “incrível” em benefícios

Aline Santos chegou à Bélgica há pouco mais de dois anos à boleia de uma progressão na carreira — uma das oportunidades do mercado laboral do país mais valorizadas pelos portugueses que o PÚBLICO ouviu. De Budapeste, na Hungria, onde viveu três anos, a coimbrã, de 30, mudou-se primeiro para Leuven, cidade que acolhe a sede da empresa de cervejas na qual trabalha, e depois para Bruxelas, “onde há mais vida e coisas a acontecer”. Dos recursos humanos passou para sales intelligence. “A Bélgica é um país incrível para trabalhar em termos de benefícios”, garante em entrevista por Skype: um salário mais alto, mais dias de férias, carro e prémios de antiguidade foi o que encontrou. O salto que a emigração portuguesa na Bélgica deu, nos últimos anos, surpreendeu-a — ainda que a ideia de que são muitos exista, empiricamente. Só na sua empresa, que tem “um ambiente muito internacional”, serão “sete ou oito”.

Patrícia dava aulas na Universidade de Cabo Verde quando decidiu voltar para a Europa, em 2014. No currículo tinha missões humanitárias em Angola, Moçambique e no Haiti. Recorreu a uma agência de contratação de enfermeiros e desde a resposta a um anúncio até ter viagem marcada passaram duas semanas

Num país com três línguas oficiais — neerlandês, francês e alemão —, a integração pode ser mais lenta. “Sui generis”, dividido entre Norte e Sul e mergulhado em burocracias é como Aline vê o país. Os belgas são “mais fechados” e não tão expansivos nos contactos com desconhecidos como os portugueses. “No elevador, quando chego ao trabalho, digo sempre bom dia. É raro responderem”, adianta. “É mais complicado para eles [belgas] confiarem”, acredita Célia Costa, até porque “muitos não falam francês”.

Bruxelas, onde ambas vivem sozinhas, tem uma vida cultural interessante e boas ligações a outras cidades da Bélgica e da Europa. Aos fins-de-semana, descrevem, há “feiras de velharias, mercados, museus gratuitos”, e nas estações mais quentes não faltam festivais de música ao ar livre. Os muitos dias cinzentos e a chuva não ajudam, porém, a uma vivência mais activa da cidade que Célia identifica como “muito suja”.

Charleroi, 60 quilómetros a Sul de Bruxelas, é a base da Ryanair na Bélgica e onde Luís Carvalho vive há oito anos. “Infelizmente”, faz questão de dizer. É perceptível que o assistente de bordo não gosta de viver nesta antiga cidade mineira que tem uma “comunidade árabe significativa”. “Aprendemos a viver com eles”, diz. Não se sente seguro e sente falta de vida nocturna, de “ter coisas para fazer depois do trabalho” e não apenas “ruas desertas depois das seis da tarde”.
Luís Carvalho, aqui com a namorada, trabalha como assistente de bordo a partir do Aeroporto de Charleroi

A Bélgica não foi uma escolha de Luís, de 33 anos. Foi colocado na base de Charleroi aquando do fim do curso intensivo na companhia aérea, em 2008, e é um entre “quase 100 portugueses” que lá trabalham. Para trás ficou o curso de engenharia alimentar, o gosto por trabalhar com o público prevaleceu — e a vontade de “juntar dinheiro” também, fazendo-se valer dos benefícios laborais e sociais que o país oferece. O chefe de cabina faz todas as rotas da Europa e de Marrocos. No dia em que falou com o PÚBLICO, a partir da casa que partilha com a namorada alemã, também assistente de bordo, Luís voou até Roma. “Nunca trabalho com as mesmas pessoas todos os dias, a minha tripulação muda e os passageiros também”, resume.

Tinha acabado de aterrar em Itália quando soube, por um passageiro, dos atentados ocorridos numa estação de metro e num dos aeroportos que servem Bruxelas, a 22 de Março último. O primeiro pensamento foi para os colegas que trabalhavam, nesse dia, no aeroporto internacional de Zaventem. Hoje sente-se mais seguro. “O aeroporto [de Charleroi] está cheio de militares, nunca o vi com tantos checkpoints como agora”, revela. “Chega a haver filas de duas horas para entrar de carro, não deixam passar quase nenhum sem ser totalmente revistado.” Célia acabou por dormir no hospital, nessa noite, por uma questão de segurança e de dificuldade em regressar a casa.
“Desconfiança permanente”

É possível que Luís já se tenha cruzado, em voo, com Patrícia Moniz, enfermeira de 28 anos no mesmo hospital onde Célia Costa trabalha. No CHU-Brugmann, no bairro de Schaerbeek, em Bruxelas, não faltam portugueses, sobretudo enfermeiros. Não é de estranhar: desde 2009, a Ordem dos Enfermeiros estima que cerca de 12.500 destes profissionais de saúde tenham emigrado. Patrícia, tal como Célia, é enfermeira do bloco operatório e vive, com o marido, a 200 metros da estação de metro de Maelbeek. Grávida, durante uns dias optou pelo autocarro para se deslocar. “Sente-se a insegurança de cada vez que se entra num transporte público, as pessoas olham e voltam a olhar”, conta. É “uma desconfiança permanente”.

Patrícia dava aulas na Universidade de Cabo Verde quando decidiu voltar para a Europa, em 2014. No currículo tinha missões humanitárias em Angola, Moçambique e no Haiti. Recorreu a uma agência de contratação de enfermeiros e desde a resposta a um anúncio até ter viagem marcada passaram duas semanas. No hospital público e universitário onde trabalha desde então sente que existe um “reconhecimento financeiro”, é possível negociar as condições. “Há candidaturas abertas permanentemente às quais ninguém concorre”, admite. Aos enfermeiros portugueses são reconhecidas qualidades e capacidade de trabalho que faltam a muitos profissionais de saúde belgas, não hesita em dizer. O grau de autonomia e, uma vez mais, as oportunidades de progressão na carreira são atractivos.

A comunidade portuguesa em Bruxelas foi o “grande apoio” de Patrícia nos primeiros meses. Os laços de amizade com outros portugueses emigrantes foram surgindo, com naturalidade, em particular com colegas de trabalho. Mas esta enfermeira — que escolheu ter a filha na Bélgica, mantendo a nacionalidade portuguesa — não se inibe de criticar a comunidade no que diz respeito à atitude perante outros estrangeiros. Tal como os próprios belgas, ressalva, também a comunidade portuguesa é “preconceituosa face à população árabe”. “Desde que cá estou fui desconstruindo os meus preconceitos: são pessoas como nós, à procura de uma vida melhor.”

Ao invés de Patrícia, que procurou a ajuda de outros portugueses, Aline tinha “um bocadinho de resistência” neste campo. “Tenho muitos colegas belgas, dou-me bem com eles, mas a verdade é que muitas vezes acabo por combinar jantares e saídas à noite com portugueses”, concede. Para Célia, contudo, “é indiferente a nacionalidade”: “Não somos todos amigos só porque somos portugueses.”

Estes jovens emigrantes não sabem o que é sentir na pele descriminação, ainda que tenham ouvido alguns comentários menos positivos nos primeiros tempos na Bélgica. Preconceitos que rapidamente são desfeitos. Para Luís, os belgas “vêem-nos como um povo trabalhador, alegre e simpático”.

As duas enfermeiras gostam da vida de Bruxelas e não ponderam regressar a Portugal — pelo menos não tão cedo. Aline, todavia, pensa cada vez mais nisso. Com o namorado em Portugal e a acompanhar a vida dos amigos e da família à distância, a situação de emigrante “não é ideal”. Já Luís, cansado de Charleroi, pediu transferência dentro da companhia aérea, a par da namorada. Só lhe resta esperar pela resposta: o Porto é o destino favorito.

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