26.4.16

Como nasce a solidariedade

Eduardo Santos, in "Fátima Missionária"

Em Março de 2011 um americano a viver em Lisboa, de nome Hunter Halden, decide avançar para a recuperação de alimentos confeccionados em restaurantes, e não vendidos. Os alimentos são distribuídos a quem mais necessita.

Partiu de um norte-americano, residente em Portugal, a ideia da recuperação de alimentos já confeccionados e que sobejam nos restaurantes, portanto que não são vendidos. No ano de 2011, em plena crise, este americano «montou» na sua bicicleta e começou a visitar os restaurantes da então freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, solicitando as sobras de cada dia. Foi o começo solitário de um trabalho em prol dos mais carentes e que hoje se denomina Re-food, uma organização de actuação micro local, criada com o intuito de reaproveitar excedentes alimentares e realimentar quem mais precisa. O lema de Hunter Halden é simples, mas concreto: «A comida é um bem precioso e não se pode deitar fora».

O mentor do projeto Re-food, criado há cinco anos, avançou para um movimento comunitário independente, inteiramente voluntário, conduzido por cidadãos e integrado numa IPSS, cujo fim consiste na recuperação de comida em boas condições para alimentar pessoas necessitadas. A Re-food está totalmente voltada para a comunidade e trabalha a partir da própria comunidade, sem salários, com custos baixos e alta produtividade, não detendo bens ou investimentos que não sirvam a sua missão, que é a de eliminar o desperdício alimentar e acabar com a fome. Este é um objectivo irmanado por todos os membros da comunidade. A Re-food inspira-se nos valores da igualdade, do respeito, da inclusão, da sustentabilidade e do optimismo.

O movimento solidário criado por este cidadão americano foi unindo ao longo dos anos pessoas voluntárias e parcerias diversas criando «núcleos», onde os produtos são devidamente embalados e distribuídos por voluntários a quem mais precisa. Começou por uma freguesia de Lisboa, estendeu-se a muitas outras da capital e depois expandiu-se por várias cidades, cobrindo quase todo o país, somando agora 31 núcleos.
A organização tem mais de 4.000 voluntários, 900 parceiros de fontes de alimentação, dezenas de parcerias com instituições públicas e privadas e outros parceiros que ajudam a tornar possível o sonho de acabar com a fome ou, pelo menos, tirar muitos do mundo da fome. O movimento distribui mais de 49 mil refeições por mês, servindo acima de 2.500 pessoas (5 ou 6 dias por semana).

É interessante o método como é desenvolvido este trabalho. A recolha é feita por equipas de voluntários que fazem turnos diariamente, laboram cerca de duas horas, uma vez por semana, recolhendo a comida junto dos parceiros. A embalagem dos alimentos recolhidos é feita por outras equipas no Centro de Operações.
E há também equipas que entregam as embalagens às famílias na mesma noite. A maioria dos beneficiários vão aos núcleos, mas para os que vivem mais longe foram criados pontos de distribuição um pouco mais perto de suas casas. Para as pessoas que não têm mobilidade os produtos são entregues diretamente nos seus domicílios. Ou seja, os alimentos recolhidos no dia são entregues àqueles que mais precisam deles e o mais rapidamente possível.

Este movimento da Re-food faz mesmo a diferença, pois só assim é possível entender como tantas instituições e voluntários colaboram e concretizam uma onda de solidariedade viva que se estende a todo o país. Este trabalho a partir de pequenas comunidades locais, e para essas comunidades, é deveras importante pelas pessoas envolvidas, dado o conhecimento real das necessidades existentes. Em concreto tem mais valor um trabalho desta natureza, que o facto de a Assembleia da República ter declarado o ano de 2016 como o ano nacional de combate ao desperdício alimentar em Portugal. Ficou a declaração, mas as obras não se sentem e é pena. Afinal o exemplo é dado pelo povo e não pelo Estado