Alexandra Campos, in "Público"
Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados vai ter pela primeira vez unidades de pediatria e 300 camas de saúde mental, ainda este ano.
Quase a completar uma década, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) vai crescer de novo a um ritmo mais rápido, depois de vários anos de evolução arrastada. Agora é de vez: este ano vão avançar os cerca de 300 lugares várias vezes prometidos para cuidados de saúde mental, em apoio domiciliário e em unidades residenciais; e, já em Junho, arrancam as primeiras experiências de cuidados pediátricos. São duas áreas ainda sem resposta nesta rede que tem actualmente capacidade para apoiar mais de 14.400 pessoas em todo o país.
A saúde mental é a área em que tudo está mais adiantado, e estão a ser ultimadas as questões legislativas e a ser seleccionadas as unidades-piloto, dispersas por todo o país, que irão abrir ainda neste ano, explicou esta segunda-feira o coordenador da RNCCI, Manuel Lopes, na cerimónia de apresentação da reforma da rede, que contou com a presença dos ministros da Saúde e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Para tal, foi anunciado um reforço orçamental de entre 60 a 65 milhões de milhões de euros, 40 milhões dos quais da responsabilidade da Segurança Social e o restante da Saúde.
“Na saúde mental, pensamos abrir aproximadamente 300 lugares de apoio domiciliário e de unidades residenciais que dêem resposta a estas situações”, especificou o coordenador da rede, que notou que a abertura de lugares esteve várias vezes prevista e chegou a ser anunciada em cerimónias públicas desde 2011, mas nada aconteceu. “Agora, não vamos fazer mais nenhum anúncio. Vamos convocar, dentro de alguns dias, os responsáveis das unidades-piloto que estão a ser seleccionadas”, disse ao PÚBLICO.
Prioritária é também a aposta no apoio aos chamados cuidadores informais, que prevê novos direitos para familiares que cuidem em casa de idosos dependentes. As estimativas oficiais apontam para a existência de cerca de 48 mil portugueses dependentes em casa. Mas o estatuto de cuidador informal, que já existe em vários países europeus, vai avançar por fases, precisou Manuel Lopes. O que está previsto avançar este ano é a “capacitação” de alguns cuidadores, tarefa a cargo das equipas de saúde.
“As equipas de saúde podem ensinar os cuidadores em casa, por exemplo, a posicionar os idosos para não terem feridas, a dar-lhes de comer, a dar-lhes banho [com determinados cuidados]”, sintetiza.
Quanto às outras formas de apoio que terão “repercussões orçamentais”, essas apenas vão avançar no próximo ano. O que está previsto são benefícios fiscais e flexibilidade de horários laborais, entre outras coisas. “Numa época em que é possível deduzir em IRS as despesas com animais, é ridículo que não se possa fazer o mesmo com as despesas de quem cuida dos seus idosos em casa”, exemplifica o coordenador da rede, que lamenta o facto de o “actual sistema promover a institucionalização”.
Não será nada de inédito: há países, como a Inglaterra, que arrancaram com experiências que passam por dar às famílias, para cuidarem dos seus idosos em casa, direitos idênticos aos que os pais usufruem quando têm filhos, como horários flexíveis, mais dias de assistência à família, trabalho em casa.
O plano de desenvolvimento da rede de cuidados continuados prevê também a criação de outro tipo de condições para que as pessoas possam viver em casa em segurança, os chamados “ambientes de vida assistida”. Na prática, isto significa que se poderá efectuar a “monitorização de sinais remotamente”, ou eliminar alguns obstáculos no espaço físico, como tapetes, e alterar a posição de móveis, de entradas e saídas de banho, tudo para evitar quedas, um dos grandes riscos que correm os idosos, explica o coordenador.
De igual forma, a integração de novas tecnologias será promovida, uma vez que hoje há várias aplicações e processos que permitem monitorizar sinais vitais e, consequentemente, perceber se algo está errado e adequar a toma de medicamentos.
Equipas domiciliárias repensadas
O plano de desenvolvimento da rede agora apresentado prevê que as metas que tinham sido definidas há uma década para 2016 possam ser alcançadas nos próximos três anos. Vai ser necessário recuperar o tempo perdido, acentua Manuel Lopes, que lembra que o ritmo de crescimento da RNCCI, que até 2011 era da ordem dos 20% ao ano, diminuiu a partir dessa altura, passando a oscilar entre 5 a 7% em cada ano. Resultado? “A rede não teve o desenvolvimento que era suposto, em parte por causa da austeridade e também por não haver liderança política", sintetiza.
Actualmente, a rede dispõe de 7759 lugares, um pouco mais de metade dos 13.966 que tinham sido definidos como meta para 2016. Já as equipas de cuidados continuados integrados têm capacidade para apoiar 6712 pessoas no domicílio e o objectivo dos responsáveis é apostar neste tipo de apoio sobretudo nas regiões com menos resposta — a cobertura da rede é assimétrica e agora vai apostar-se sobretudo em novos lugares em Lisboa e no Porto, onde a lista de espera é maior.
Criada em 2006, a rede de cuidados continuados destinava-se a pessoas em situação de dependência, independentemente da idade, mas, uma década depois, percebe-se que 85% dos utentes são idosos. A ideia é que as pessoas sejam, tanto quanto possível, mantidas em casa com bons cuidados. “Tem sido dada pouca atenção às equipas domiciliárias, há equipas com três elementos e equipas com 15 elementos. Está a ser feita uma reconceptualização do que é uma equipa”, frisa Manuel Lopes.
Relativamente às taxas de ocupação, o coordenador reconhece que nalgumas regiões estas são baixas e que há listas de espera para cuidados paliativos. O objectivo é que todos os hospitais venham a ter "equipas intra-hospitalares" e que se multipliquem igualmente as equipas comunitárias.