SÓNIA PERES PINTO, in "Jornal I"
Os consumidores estão cada vez mais sensibilizados e grandes superfícies não ficam alheias a esta questão. Só no ano passado, o Continente distribuiu 1,1 milhões de refeições
Todos os anos são desperdiçados cerca de 1,3 milhões de toneladas de alimentos, com custos na ordem dos 600 milhões de euros, o que dava para alimentar os mais de 925 milhões de pessoas que passam fome. Portugal não fica alheio a esta realidade mas, ainda assim, apresenta valores ligeiramente superiores em relação a outros países no que diz respeito ao combate do desperdício alimentar.
De acordo com os últimos dados disponíveis, o nosso país encontra-se a um nível de desperdício de 17%, abaixo da média mundial, que está fixada nos 35%. E a par dos milhões de euros que são desperdiçados é preciso contar ainda que estas más práticas estão a contribuir para aumentar as emissões de gases de efeito de estufa e para diminuir as reservas de água potável e, consequentemente, a biodiversidade no planeta.
O setor da distribuição não fica alheio a esta tendência e tem vindo a apostar em projetos para contornar esta situação. Incentivar boas práticas na produção dos alimentos é um desses exemplos, mas não fica por aqui. Doações a instituições como Re-Food e DariAcordar – Movimento Zero Desperdício, a reutilização de produtos – salvaguardando a qualidade, higiene e segurança alimentar, com chefes a ensinar a cozinhar com “restos”, venda de fruta feia e áreas em loja com descontos em produtos em final de prazo de validade – e a sensibilização para boas práticas em casa dos portugueses são outras técnicas usadas pelas grandes superfícies.
“Todas estas técnicas já permitiram doar mais 1,1 milhões de refeições no ano passado e contamos com mais de 600 instituições em parceria ”, explica ao i a diretora de relações públicas da Sonae MC, Nádia Reis.
Luta ganha novos contornos De acordo com a responsável, este combate ao desperdício não é novo, apesar de ter ganhado novos contornos nos últimos anos, uma vez que contam atualmente com 250 lojas dispersas em todos o país. “Termos excedentes é natural na nossa atividade e é uma obrigação para empresas deste ramo fazerem acontecer. É importante mudar os hábitos de consumo dos clientes de forma a terem um consumo mais consciente”, salienta.
Nádia Reis lembra que muitos dos produtos doados não estão próprios para venda porque têm, por exemplo, a embalagem estragada, mas apresentam todas as condições para serem consumidos. “A ideia é criar uma série de iniciativas com vista a sensibilizar tanto os produtos como os clientes para esta questão, apostando ao mesmo tempo em ações de formação, já que a grande maioria do desperdício que ainda se verifica é na casa dos portugueses.” Daí a aposta do Continente na apresentação de receitas de chefes para ajudar a aproveitar os alimentos que sobram nas refeições.
A responsável lembra que estas tendências têm vindo a ser implementadas um pouco por todo o mundo e que, nalguns casos, passam pela aposta em supermercados que vendem produtos perto do fim do prazo de validade. A responsável reconhece, no entanto, que em Portugal “a regulamentação nesta matéria ainda é muito apertada”.
Ajuda em crescimento A Re-Food surgiu em março de 2011 pelas mãos do norte-americano Hunter Halder, a viver em Portugal há mais de 20 anos. O projeto surgiu apenas com Halder na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, com a ideia de distribuir comida recolhida em restaurantes por famílias carenciadas. A rede de voluntariado foi crescendo – com a exceção do núcleo duro, que tem de estar mais disponível para se dedicar a este projeto sempre numa lógica microlocal, os restantes elementos trabalham duas horas por semana – e já conta com mais de quatro mil voluntários e 30 núcleos abertos em todo o país. Tem mais outros 30 em desenvolvimento, “mas que estão à espera de arranjar um espaço para poderem arrancar”, salienta ao i Francisca Vermelho, da Re-Food.
Atualmente já são distribuídas mais de 50 mil refeições por mês. Esses alimentos são recolhidos tanto nos restaurantes como nas cantinas e nas grandes superfícies. Mas a ajuda não fica por aqui. Sempre que são identificadas outras necessidades, além das alimentares, as pessoas são reencaminhadas para outras instituições de solidariedade. Além disso, para poderem beneficiar de uma refeição completa, essas pessoas têm de estar integradas num sistema organizado, nomeadamente serem acompanhadas por uma assistente social. E se faltarem mais de três vezes seguidas sem avisarem, há penalizações. “Quem precisa não falta e têm sempre a vantagem de poderem levar as refeições para casa, e não sendo um take-away, há sempre a preocupação de levarem aquilo de que mais gostam, sempre adaptado às suas necessidades”, conclui Francisca Vermelho.