Um dos conceitos políticos mais difíceis de avaliar é a estabilidade. Hoje não deve haver uma alma que ache França um país estável. Ao mesmo tempo, os países do Norte da Europa são sempre considerados estáveis, mesmo quando as coligações se desfazem ou partidos de extrema-direita integram o Executivo. Claro que democracias musculadas como Singapura ou autocracias como a China transpiram estabilidade, porque sacrificam ou esmagam direitos fundamentais para qualquer sociedade liberal.
E Portugal? Visto de dentro podemos achar que somos um país a caminho da instabilidade social, económica e política. Mas de fora somos vistos como um país anormalmente estável na Europa do Sul. Não temos os riscos de secessão ou de mudança de regime de Espanha, a violência social de França, os riscos financeiros, orçamentais ou políticos de Itália ou Grécia. E ainda temos, mesmo num cenário extremo, os dois maiores partidos com perto de 60% dos votos.
O sucesso do pacote de habitação mede-se pelo dinamismo do mercado de arrendamento. E isso exige confiança
França, Espanha ou Itália compensam a instabilidade com a dimensão das suas economias. Ser a segunda, terceira ou quarta maior economia da zona euro compensa boa parte das disfuncionalidades políticas ou orçamentais. Portugal não pode usar o argumento da dimensão nem do crescimento potencial. Tem, assim, de valorizar ao máximo a estabilidade e a confiança.
Não foi por acaso que uma das palavras mais repetidas na apresentação do pacote Mais Habitação foi confiança. O Executivo percebeu que o mês e meio de incerteza entre os primeiros anúncios e a sua clarificação provocou desconfiança. Tudo o que o Governo ganhou ao recuperar a iniciativa política e ao pôr em primeiro plano um tema de inegável urgência social perdeu-se numa desnecessária incerteza.
Os três temas que o Governo reconheceu como mais polémicos são radicalmente diferentes e deviam ter sido calibrados antes da primeira apresentação. O fim dos vistos gold é politicamente mais fácil, até porque Bruxelas quer o fim destes programas; as restrições ao alojamento local são claramente populares, mas têm efeitos económicos que devem ser pensados; o arrendamento coercivo corre riscos de ser iníquo e assimétrico (só 35 concelhos é que têm o levantamento de imóveis devolutos feito!).
Mas a medida do sucesso deste pacote está na dinamização do mercado de arrendamento e na alocação de meios públicos à construção e disponibilização de edificado. Para isso, o Governo precisa de envolver milhares de agentes privados. E isso exige sempre confiança e estabilidade. As últimas semanas não ajudaram.