25.2.10

ANO INTERNACIONAL CONTRA A POBREZA por José Dias da Silva

in Notícias de Vila Real

Paulo VI chamou “um novo poder” aos meios de comunicação social, mas nem ele terá imaginado o poder que este “novo poder” tem. Tornaram-se o “primeiro poder”, pois podem manipular, já que escolhem as notícias que querem publicar, sabendo que um facto só existe publicamente se for noticiado, e porque se consideram acima da lei.
Basta ver o “Sol”: desobedece a uma ordem judicial e faz edições diferentes para Portugal e para Angola. Pior, consideram-se a consciência pública, competentes para decidir o que é o interesse público e o bem comum. E isto é muito preocupante, não porque esteja em causa o Primeiro Ministro, mas porque estamos todos nós em causa. E, sendo assim, não podemos deixar de nos interrogar, como Juvenal, há dois mil anos: “Quem guarda os próprios guardiões?” (Quis custodes ipsos custodiet?). Este não é o tema que escolhi para hoje; apenas o referi para fazer o contraste.

O que dirá um pai de família que não tem pão para dar aos seus filhos ao ver que esta é que é a grande preocupação de quem se deita todos os dias com a barriguinha atestada? Que raiva sentirá por não ter vez nem voz neste grande debate nacional, porque este não é o tema do nosso Forum social. Talvez nem saiba que este ano é dedicado à Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social. E disto muito pouca gente fala? Porque não têm fome e quem tem fome não tem púlpito para falar? Não será o direito a não morrer de fome superior a todos os direitos? E se é, por que não está no centro das nossas prioridades absolutas?

É evidente que não há soluções milagrosas para resolver o problema, pois ele depende da nossa exclusiva vontade. Por isso, Bento XVI fala do “imperativo ético” que é “dar de comer aos famintos”. Além de imperativo moral e portanto vinculador para todos, é também uma possibilidade prática, que torna imoral a nossa omissão, como se dizia num relatório da ONU: “A erradicação global da pobreza é mais que um imperativo moral e um compromisso da solidariedade humana. É uma possibilidade prática. Chegou a altura de erradicar os piores aspectos da pobreza humana dentro de uma ou duas décadas, de criar um mundo mais humano, mais estável, mais justo.

Este compromisso e o sucesso, que muitos países tiveram na redução rápida da pobreza, tornam a inacção imoral” (PNUD, 1997). Muito podemos e devemos fazer, individual e comunitariamente. Temos de contribuir para que todos os cidadãos tomem consciência de uma realidade que por tão visível já perdeu a visibilidade e agora, desapareceu por completo por detrás da fumarada e barulheira das nossas guerras e trapalhadas políticas que marcam o nosso quotidiano. Há aqui um trabalho indispensável que sensibilize, motive e mobilize todos para participarem nesta luta contra uma situação que envolve mais de um quinto dos portugueses e 17% dos europeus.

Um dos princípios orientadores é dar voz às preocupações das pessoas que vivem em pobreza e exclusão social. Mas não é a esses que se dá as primeiras páginas dos (tele)jornais. E esses devem ser prioritários, pelo menos, para os cristãos, se querem ser fiéis ao seu Deus, um Deus que está prioritariamente atento e ama especialmente “o pobre, o estrangeiro, o órfão e a viúva”. Bento XVI recorda que “a parábola do bom Samaritano permanece como critério de medida, impondo a universalidade do amor que se inclina para o necessitado encontrado «por acaso», seja ele quem for” (DCE 25).

E os Bispos, no Sínodo sobre “a Justiça no Mundo” (1971), escreviam: “A nossa acção deve ter como objectivo em primeiro lugar aqueles homens e nações que devido a formas diversas de opressão e por força da índole própria da sociedade actual são vítimas silen¬ciadas da injustiça e, mais ainda, vítimas da injustiça sem direito a voz” (JM 20). É um ano especialmente dedicado a derrubar os estereótipos e a estigmatização da pobreza e da exclusão social, a vivenciar seriamente a solidariedade e a fraternidade, a promover uma sociedade que garanta a qualidade de vida, o bem-estar social e a igualdade de oportunidades para todos e a garantir que cada um possa desempenhar o seu papel, único e irrepetível, na construção da sociedade.

No contexto da actual crise mundial, a prioridade tem de ser a continuação do apoio aos 10% de desempregados e até o seu reforço, mesmo que tenha de ser feito à custa dos que ganhamos para lá do necessário para viver com dignidade. Mesmo o Rendimento de Inserção Social, tão criticado por alguns, tem sido um instrumento que, apesar de limitado, permitiu, com o apoio de organizações eclesiais e outras, recuperar para uma vida digna muitas famílias, incapazes de, por si sós, se libertarem da sua precariedade.
Isto obriga a superar muitos pré-conceitos que temos dentro de nós sobre pobres e pobreza, porque nos colocamos do lado dos que “triunfaram na vida” e não do dos carenciados, dos “vencidos”, das “vítimas da história”. Obriga a olhar de um modo novo a realidade, do lado que eu não quero conhecer e que não sei o que significa porque nunca lá quis estar ou nunca fui obrigado a estar lá. Obriga a convertermo-nos à “vocação” de “aliviar a miséria dos que sofrem, próximos ou distantes, não só com o supérfluo mas também com o necessário” (SRS 31).

Obriga a uma “cultura da pobreza”, não de miséria mas de partilha de bens e dons que dê “espaço ao princípio da gratuidade como expressão da fraternidade” (CV 34): uma vocação “de vinte e quatro sobre vinte e quatro horas” e não de migalhas, pequenas ou grandes, que o Haiti motivou. É que o Haiti é todos os dias.