por Céu Neves, in Diário de Notícias
Associação de Apoio à Vítima registou mais crimes em 2009, sobretudo violações. Queixas na PSP também cresceram 7,7%
A denúncia de situações de violência doméstica junto da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) aumentou em 2009, sobretudo as de violações e abusos sexuais. Os maus tratos conjugais representam 90,3% dos crimes registados e que vitimaram mulheres na maioria, mas, também, idosos e crianças, num total de 7791 vítimas, assinala a associação. Também os dados da PSP indicam um maior número de queixas, 18 998, mais 7,7% que no ano anterior.
"O meu marido sempre me bateu, desde o namoro. Há um dia em que a gente não aguenta mais e decide mudar de vida, sair, ter liberdade para ser feliz. Não foi fácil, tive de sair para uma cidade que não conhecia, ter um emprego que não era o meu (trabalho numa pastelaria); e agora já tenho uma casinha que é arrendada (...). A única coisa que lamento é não ter as coisas resolvidas no tribunal."
Testemunhos como o de Gertrudes Maria, 45 anos, são cada vez mais frequentes junto da APAV. Testemunha uma prática continuada de maus tratos, o que acontece com 71% das vítimas de violência doméstica. E muitas são vítimas de dois ou mais crimes, nomeadamente de violação e de abuso sexual, crimes que aumentaram 5,3% e 3,5%, respectivamente, em relação a 2008.
José Félix, técnico da APAV, explica a evolução com uma maior informação por parte da população portuguesa. E uma maior confiança para com a própria associação. "Muitas das situações já existiam, só que não eram reveladas. O que é notório é que as pessoas têm mais informação sobre os seus direitos. Temos vindo a constatar esse maior conhecimento quando provavelmente outros países terão feito este percurso mais cedo", diz.
É, também, aquela a percepção das autoridades policiais. Os primeiros dados da PSP apontam para um maior número de queixas, nove vezes mais do que há cinco anos. Justificam o aumento "em grande medida, resultado da crescente sensibilização, tanto da opinião pública como das forças de segurança para a problemática da violência doméstica, bem como da formação entretanto ministrada nos diversos comandos e subunidades da PSP".
A PSP é a primeira autoridade a que recorrem as vítimas da APAV, o que pode ser justificado pelo facto de ser em Lisboa e no Porto que têm mais utentes, zonas de jurisdição desta força policial. Faro é a terceira cidade com mais queixas.
As vítimas de violência doméstica são mulheres, têm entre 35 e 45 anos, a mesma idade dos agressores, que são homens, em regra os seus companheiros. Existe igualmente uma grande percentagem de envolvidos entre os 25 e 35 anos. E outra semelhança são os níveis de habilitações, o curso superior ou o 9.º ano.
A vítima é casada, portuguesa e tem filhos. E em uma em cada três situações sofre agressões há mais de dois anos. Está empregada em 36% dos casos, sobretudo em trabalhos não qualificados do comércio e serviços.
A APAV abriu 10 132 processos em 2009 e que denunciam 17 628 crimes, 15 904 dizem respeito a crimes de violência doméstica, sobretudo maus tratos (psíquicos, 31,7%, e físicos, 26,4%), seguindo- -se as ameaças/coacção (18,3%) e difamação/injúrias (10,1%).
A associação tem 15 gabinetes de apoio à vítima no País, com duas casas de abrigo e uma Unidade de Apoio à Vítima Imigrante. Os meses de Julho, Março e Setembro registaram uma maior afluência de utentes em 2009.