Por Francisca Gorjão Henriques, in Jornal Público
Os cerca de 300 mil refugiados da minoria rohingya estão a ser perseguidos, espancados, deportados. A Human Rights Watch fala num "padrão de abusos" que já dura há três décadas.
Quem são os rohingyas?
Em Janeiro de 2009, circularam imagens chocantes de barcos carregados com refugiados birmaneses da minoria rohingya, que arriscavam a vida para fugir à violência do seu próprio regime. Um ano depois, haverá ainda poucas populações no mundo tão pouco desejadas e tão dramaticamente perseguidas.
Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) dizem que os rohingya estão a sofrer maus tratos sem precedentes no Bangladesh, onde são perseguidos, espancados pelas autoridades, onde vêem as suas casas reduzidas a cinzas, onde as mulheres são violadas e muitos têm sido deportados. Alguns são obrigados a atirar-se ao rio com ordens para nadar de regresso à Birmânia. A organização alerta ainda para uma grave crise humanitária nos campos de refugiados.
Os MSF têm garantido tratamentos no campo de Kutupalong, no Sudeste do Bangladesh, a ferimentos causados por espancamentos da polícia. "Eles dizem que vivem no Bangladesh há vários anos e que os seus vizinhos se viraram contra eles", comentou o líder dos MSF no país, Paul Critchley, citado pela Reuters. As perseguições começaram a intensificar-se a partir de Outubro, com a chegada de cerca de seis mil refugiados.
Segundo as estimativas, existem actualmente 300 mil rohingyas imigrantes no Bangladesh, mas apenas 25 mil estão registados pela ONU como refugiados. Vivem sobretudo em campos lamacentos, debaixo de tendas ou plásticos, num país de inundações frequentes. Isso significa que não têm acesso a trabalho, ao sistema de saúde nem à educação. E que são alvos fáceis do abuso de poder das autoridades.
O mosaico birmanês
A Birmânia é um mosaico étnico - o maior do Sudeste Asiático. Os birmanes formam a maioria dos 50 milhões de habitantes (68 por cento da população), mas existem largas dezenas de etnias, incluindo os karen (10 por cento), shan (10 por cento), kachin, naga, mon, kokang (cinco ou menos por cento)... É também o país da região que mais refugiados gera: está em 13.º lugar no ranking mundial.
Quem foge, leva muito pouco, já que no seu próprio país os rohingyas, muçulmanos, não estão autorizados a receber cidadania, nem a ser proprietários das suas terras - e não podem viajar nem casar sem uma autorização especial das autoridades.
Também não se consideram bem-vindos nos locais onde, depois de viagens arriscadas em barcos de madeira sobrecarregados, procuram refúgio, como na Malásia, Tailândia ou Índia. Ou como no Bangladesh. Alguns refugiados estão ali há 30 anos, e continuam sem poder considerar aquele país como seu. São estrangeiros onde quer que vivam.
Os que não são repatriados pelas autoridades dificilmente conseguem arranjar trabalho e melhorar as suas condições de vida. Quando conseguem, são acusados pelas populações locais de roubar o emprego que existe; a quase todos é dito que estão a esgotar os recursos que já são escassos.
Um padrão de abusos
Não admira por isso que os campos de refugiados estejam superpovoados. O de Kutupalong viu chegar só em Janeiro mais duas mil pessoas. Os MSF avisam que as condições estão degradadas e os riscos de contrair doenças contagiosas multiplicam-se.
Outras organizações, como a Amnistia Internacional, têm chamado a atenção para o drama das minorias birmanesas. E a Human Rights Watch, através do seu investigador David Mathieson, fala num "padrão de abusos" que já dura há três décadas. "Não é que estes incidentes tenham surgido do nada. Fazem parte de um processo longo, brutal, de tornar a vida tão desconfortável para as pessoas do campo que eles acabam por voltar para a Birmânia", afirmou à Reuters. "Fugiram a violações terríveis aos direitos humanos no seu próprio país. Não admira que tenham demasiado medo de regressar."
O chefe distrital da polícia, Kamrul Ahsan, negou à BBC que a minoria esteja a ser alvo de perseguições ou forçada a regressar à Birmânia. Apenas são detidos os imigrantes ilegais, garante. "O número é muito pequeno, dois ou três por mês."
Desde 1993 que o Governo não permite o registo de novos refugiados nos campos do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR). Sem direitos, também "não estão autorizados a receber distribuição de alimentos", adianta Critchley, responsável dos MSF. "É ilegal trabalharem. Tudo o que podem fazer legalmente no Bangladesh é morrer à fome."