15.7.10

Cavaco Silva. Novos pobres e um Portugal a duas velocidades

por Mariana de Araújo Barbosa, in iInformação

De visita a escolas de Sintra, o Presidente defendeu que a crise não pode conduzir ao abandono do apoio social


No último dia do roteiro presidencial das comunidades locais inovadoras, Cavaco Silva voltou a sublinhar a importância das instituições de solidariedade social em época de crise. De visita aos arredores de Lisboa, o Presidente da República falou na responsabilidade da sociedade e chamou a atenção para um novo tipo de pobreza. "A crise trouxe um agravamento da situação social, um aumento das situações de pobreza e a emergência dos novos pobres", disse Cavaco Silva no discurso de encerramento do roteiro, que terminou ontem à noite no Palácio de Queluz. "Assistimos à emergência dos novos pobres, dos que sofrem em silêncio", alertou, acrescentando que "temos um Portugal a duas velocidades". Apesar do pessimismo, o encerramento do roteiro trouxe um sinal positivo ao Presidente. "É possível, é possível, não há razão para perdermos a esperança", concluiu.

Sublinhando a ideia que marcou o discurso do 25 de Abril - em que falou da importância dos apoios sociais em tempos de crise -, Cavaco Silva disse que é momento de "garantir apoios indispensáveis". "Nesta época de crise é preciso muito cuidado na definição de prioridades", acrescentou.

Escola exemplar À entrada, uma recepção de palmo e meio. Depois, hora e meia de conversa com 30 responsáveis pelos agrupamentos. O concelho de Sintra tem mais de 130 escolas do básico e secundário: Cavaco Silva visitou o agrupamento de Serra das Minas, "exemplo" para a realidade do concelho.

São mais de 85 mil alunos e Cavaco Silva ficou surpreendido com a realidade escolar. "55% dos encarregados de educação são estrangeiros, 13% dos alunos são estrangeiros, 38% são crianças carenciadas e é impressionante o número daqueles que se encontram em situação de carência alimentar. Mas o que mais me surpreendeu foi a chamada da escola a apoiar socialmente as famílias dos alunos. São famílias que vêm pedir que a escola lhes forneça alimentação, vestuário. Isso é pedir demais à escola", referiu o Presidente da República.

O presidente da Câmara de Sintra, Fernando Seara, alertou para uma degradação da situação nos últimos "sete, oito meses", com um aumento do número de pedidos de ajuda. "A escola está a ser pressionada pelas famílias a ajudar, o que significa que estamos perante um duplo apoio: aos alunos e aos pais, que não têm nada para vestir e em alguns casos não têm capacidade para a alimentação mínima", sublinhou. Por isso, mais de 30% do orçamento autárquico para 2010 foi aplicado na área da educação, isto é, 60 milhões de euros.

Na visita, Cavaco Silva sublinhou a importância das instituições locais no apoio aos que mais precisam e apelou à mobilização de esforços. "É preciso que a comunidade como um todo sinta a escola como a sua responsabilidade. Não apenas os professores, mas os pais, os agentes culturais, as empresas, os agentes sociais. Só assim podemos vencer estes problemas: autonomia para as escolas, para que possa existir autoridade", disse. "A câmara municipal está a fazer um trabalho notável de apoio em vários domínios, mas eu sublinho a emergência social."

A autarquia de Sintra tem, desde 2001, um sistema de apoio à comunidade escolar que inclui livros gratuitos para todos os alunos do ensino básico (do 1.º ao 4.º ano) e fornece transporte em carreira pública a mais de 6 mil alunos, num investimento de mais de dois milhões de euros em 2010. "Sintra apoia significativamente as escolas mas há algum tempo que temos outro tipo de problemas. São problemas reais, da emergência social que a área metropolitana de Lisboa começa a suscitar", disse Fernando Seara.

O exemplo foi aplaudido por Cavaco: "Fiquei impressionado com o relato, mas também com a vontade dos directores de darem o seu contributo. Eles fazem milagres, mas os pais não podem entregar a criança de manhã à escola e esperar que a escola resolva o problema. Temos de dar o exemplo àqueles países, a escola é uma responsabilidade de todos", disse.