14.7.10

A crise já deixou de ser sentida apenas pelos que perderam o emprego

Por Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Neste ano e no próximo, ao contrário de 2009, Portugal vai ter uma inflação positiva, taxas de juro a subir e uma contenção salarial generalizada


Depois de criar milhares de novos desempregados, a crise está a chegar a quem conseguiu manter os seus empregos. A seguir a um ano de 2009 em que, apesar da forte contracção da economia e do emprego, os salários reais continuaram, em média, a subir e as taxas de juro estiveram em trajectória descendente, os portugueses vão passar, durante este ano e o próximo, por um período de contenção salarial, quebra do rendimento disponível e redução do consumo. A austeridade alarga-se à generalidade das famílias portuguesas e por isso, em 2011, a economia volta a abrandar, podendo mesmo cair de novo em recessão.

O cenário sombrio foi traçado ontem pelo Banco de Portugal no seu boletim económico de Verão. A instituição, agora liderada por Carlos Costa, até reconhece os resultados melhores que o esperado que se registaram no primeiro semestre deste ano, revendo em alta a sua estimativa de crescimento económico para 2010 de 0,4 para 0,9 por cento.

No entanto, afirma logo a seguir que "o dinamismo da procura interna observado na primeira metade de 2010 não se deverá revelar sustentável", concluindo que deverá acontecer "uma forte desaceleração da economia portuguesa já a partir do segundo semestre de 2010 e que se acentuará em 2011". Para o próximo ano, o banco prevê agora um crescimento de apenas 0,2 por cento (contra os 0,8 por cento que antecipava em Março) e afirma que existe uma probabilidade superior a 50 por cento de o país reentrar mesmo em recessão.

O problema está principalmente naquilo que irá acontecer ao rendimento das famílias. É que depois de terem visto, em 2009, o seu rendimento disponível crescer em média, em termos reais, 1,9 por cento, os portugueses vão ter de enfrentar, neste ano e no próximo, uma deterioração clara da sua situação financeira. Não só a inflação vai voltar a valores positivos (com uma ajuda do IVA de 0,4 pontos), como os salários vão crescer muito menos e as taxas de juro vão regressar a uma trajectória ascendente. O rendimento disponível real deverá cair 1,3 por cento em 2010 e 0,8 por cento em 2011. A consequência óbvia é que haverá, mesmo para quem consegue manter o seu emprego, menos dinheiro para gastar. E o impacto no consumo das famílias é quase imediato. Este ano, o consumo privado ainda cresce a uma taxa de 1,3 por cento mas, em 2011, a quebra projectada é de 0,9 por cento.

Se juntarmos a isto o prolongamento da contracção do investimento e o regresso aos cortes no consumo público, torna-se claro que é a procura interna que empurra de novo a economia, em 2011, para um cenário de estagnação, não chegando o crescimento previsto das exportações, acima de três por cento, para assegurar uma aceleração sustentada.

O papel da política de redução acelerada do défice adoptada pelo Governo para responder aos receios dos mercados é também assinalado pelo Banco de Portugal, que diz que as medidas tomadas "tenderão a afectar negativamente o crescimento da economia portuguesa no curto prazo", especialmente por via da diminuição das transferências sociais e por causa do aumento da tributação fiscal.

No entanto, não é por isso que o Banco de Portugal se mostra contrário à política de austeridade adoptada pelo Governo. "Embora envolva custos de ajustamento económico no curto prazo, uma estratégia credível de consolidação orçamental afigura-se essencial para conter o risco de insustentabilidade da situação das finanças públicas", diz o relatório.