Patrícia Abreu, in "Negócios"
A gestora da CGD deverá começar a comercializar o primeiro fundo em Portugal que privilegia a aposta em empresas sustentáveis. O objectivo é atingir os 30 milhões de euros de activos sob gestão no final do ano.
Está a chegar ao mercado o primeiro fundo de responsabilidade social português. A Caixagest vai começar a comercializar um fundo com empresas "sustentáveis" do ponto de vista social, ambiental e de governo de sociedade. E a maior gestora portuguesa está confiante de que o produto vai ter uma boa aceitação junto de clientes que num contexto de taxas baixas procuram alternativas mais atractivas.
Aliar retorno e um investimento responsável é o principal objectivo do fundo da gestora do banco público, que realiza esta segunda-feira uma conferência sobre o tema. O fundo irá investir em acções e obrigações europeias que seguem um conjunto de critérios ambientais, de boas práticas de governo e sociais.
"O interessante é apresentar aos clientes um produto que rentabiliza os investimentos e, ao mesmo tempo, está a contribuir para as gerações vindouras, para um planeta mais sustentável e uma vida mais equilibrada quer social, quer economicamente", explicou Filomena Oliveira. A presidente da Caixagest prevê alcançar 30 milhões de activos sob gestão até ao final do ano.
A estratégia de investimento privilegiada pela Caixagest prevê a selecção de títulos de dívida e de acções a partir de dois índices, que incluem apenas companhias consideradas sustentáveis. No universo nacional, há poucas empresas cotadas nestes índices. A EDP é uma das empresas que integra estes "rankings".
De fora ficam, por exemplo, tabaqueiras, empresas que produzem bebidas alcoólicas ou armamento, ou companhias envolvidas em casos mais controversos. A presidente da Caixagest realça que o objectivo desta aposta é "promover a poupança, mas de forma equilibrada, tendo nós a convicção de que a prazo as empresas responsáveis são as que são sustentáveis do ponto de vista da sua própria rentabilidade".
Alternativas com retorno
O lançamento deste novo fundo, que vem preencher um vazio na indústria nacional de gestão de activos , estes fundos são há muito uma realidade no estrangeiro ,, coincide com um período de baixos retornos nas poupanças. E os fundos de investimento podem ser uma alternativa interessante para os aforradores.
Num momento em que se antecipa um período longo de juros muito baixos, Filomena Oliveira argumenta que é necessário "dar alternativas com algum retorno, alternativas aos depósitos, no sentimento de reter a poupança e recompensar o aforro".
Para a mesma responsável, os fundos são uma boa opção de rentabilidade não apenas para os investidores, mas também para o sector financeiro. "A estratégia da CGD aposta fortemente na comercialização dos fundos", remata.
Tome nota
Os três critérios na escolha das empresas
Os fundos de responsabilidade social procuram investir em companhias que cumprem vários critérios de sustentabilidade. Questões ambientais, sociais e de governo são a prioridade.
Companhias ambientalmente sustentáveis
Um dos critérios para medir a sustentabilidade das empresas tem que ver com questões ambientais. Ou seja, é tido em consideração o impacto que a actividade das empresas pode ter em termos ambientais, bem como as práticas implementadas pelas companhias para preservar o ambiente e limitar eventuais efeitos negativos.
Reduzir a emissão de gases poluentes, privilegiar energias limpas e linhas de produção mais sustentáveis são alguns exemplos que podem aumentar o seu "rating".
Boas práticas de governo dão pontos
Boas práticas de governo são outro dos critérios analisados no âmbito da responsabilidade social. São privilegiadas as companhias com boas práticas, que mantêm uma política transparente e que cumprem as regras de mercado.
Políticas de comunicação eficiente, independência ao nível da gestão e a ausência de conflitos de interesse são alguns dos aspectos que integram o código de boas práticas do governo das sociedades. No mercado nacional, o IPCG irá substituir a CMVM na avaliação do governo das sociedades.
Políticas sociais responsáveis na mira
Além das políticas ambientais e das práticas de governo das sociedades, são ainda considerados aspectos sociais para determinar o "rating" de sustentabilidade das companhias.
A forma como as empresas tratam os seus funcionários, se têm projectos no domínio social ou se mantêm políticas de apoio a uma ou mais causas humanitárias são alguns dos aspectos que poderão ser tidos em consideração. Já um processo de despedimentos pode diminuir a avaliação da empresa ou, até, afastá-la mesmo de um índice sustentável.
Retornos sustentáveis nos fundos responsáveis
Empresas do sector farmacêutico, mas também companhias ligadas ao consumo destacam-se entre as principais apostas.
Os fundos com uma estratégia de responsabilidade social são uma novidade entre as gestoras nacionais, mas não no estrangeiro. Há mais de uma dezena de produtos com estas características comercializados no mercado nacional. E, ainda que não escapem às quedas no último ano, os retornos são elevados a médio e longo prazo.
Os fundos que investem em acções de empresas sustentáveis não têm escapado ao mau comportamento dos mercados accionistas, mas apresentam retornos de dois dígitos a cinco anos. O fundo da Candriam, o Equities Sustainable World, regista uma valorização de 9,64%, seguido pelo Pictet-European Sustainable Equities, que rende 9,56%. O índice de sustentabilidade da Ethibel, por seu lado, ganha quase 35%, mais do dobro do MSCI para a Europa.
Estes fundos têm vindo a ganhar maior popularidade junto dos investidores, à medida que aumentam as preocupações em torno da necessidade de políticas responsáveis por parte das empresas. Esta é aliás uma das preocupações da chamada geração Milénio, que está mais atenta a estes factores e coloca muitas vezes estas motivações à frente das suas decisões de investimento.
Entre as principais apostas destes fundos sustentáveis estão sobretudo empresas do sector farmacêutico. Empresas como a Roche, a Novo Nordisk, GlaxoSmithKline, ou AstraZeneca lideram o "top 5" das carteiras. Mas, há mais. Danone, Nestlé, Unilever, ou Allianz são outras das cotadas que se destacam entre as principais participações.
De exemplo, a Volkswagen intoxicou as carteiras
A fabricante automóvel era considerada uma das empresas com melhor avaliação em termos de sustentabilidade.
"Em 2014, a Volkswagen foi novamente avaliada num nível muito elevado nos rankings internacionais mais importantes, obtendo uma posição de liderança no seu sector." Era assim que a fabricante alemã comunicava como era considerada um exemplo nos índices de sustentabilidade.
Mas, tudo ruiu em Setembro de 2015. O escândalo da manipulação de gases tirou a empresa da lista das mais sustentáveis e colocou-a na "lista negra".
Era considerada um exemplo, com as emissões mais baixas de um sector que continua a ser responsável por grandes níveis de poluição. Mas, afinal, as emissões não eram tão baixas como se pensava. Um escândalo que abalou a confiança na companhia e no sector e que ditou a exclusão do grupo de empresas consideradas sustentáveis. Índices de renome, como o Dow Jones ou o Ethibel, excluíram a fabricante devido a não cumprir os critérios de responsabilidade social.
Mas, a Volkswagen não é caso único. Há muitas outras que driblaram os critérios sustentáveis e acabaram por manchar os "rankings" sustentáveis. Outro caso mediático é o da BP. Um exemplo no seu sector, até a explosão de uma plataforma no Golfo do México ter originado um dos maiores desastres ambientais de sempre.
Maus exemplos
E, tal como no estrangeiro, também em Portugal houve vários casos que apanharam os investidores de surpresa. Os escândalos do Grupo BES, que acabaram por ter consequências com implicações muito sérias na Portugal Telecom, são um exemplo de empresas que eram consideradas "exemplares" do ponto de vista social, ambiental e do governo das sociedades e que revelaram práticas bastante contraditórias.
Quer o banco, quer a antiga operadora de telecomunicações integraram o índice de sustentabilidade do Dow Jones, tendo entretanto protagonizado um dos maiores escândalos nacionais. Enquanto o BES teve de ser resgatado pelo Fundo de Resolução, a PT foi obrigada a ceder às exigências da Oi na fusão e deixar cair a sua posição de controlo no negócio.