28.11.19

Aveiro: Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal promove encontro nacional de associados

Agência Ecclesia

Porto, 28 nov 2019 (Ecclesia) – A Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) – Portugal vai promover um encontro de associados, esta sexta-feira, a partir das 09h30, em Aveiro.

“Hoje temos a pobreza em cima da mesa e temos um trabalho em todos os distritos com entidades e autoridade locais onde este problema é analisado, feito diagnóstico”, disse à Agência ECCLESIA o presidente da EAPN-Portugal.
O padre Agostinho Jardim Moreira considera que o trabalho da instituição criou uma “mentalidade para que mudem comportamentos e atitudes”, principalmente através da formação dos agentes, técnicos, e instituições, e se crie uma “nova cultura de olhar o ser humano como ser de pleno direito”, que não pode “viver da esmola e na miséria”.

“A rede conseguiu um trabalho muito importante. Quando começamos em Portugal nem se falava de pobreza, era um destino fatídico para muitos que se tratavam pela caridadezinha”, afirma o sacerdote da Diocese do Porto.
Sediada no Porto, a ação da EAPN Portugal “estende-se a todo o país”, através de 18 Núcleos Distritais; em 2009, por exemplo, criou os Conselhos Locais de Cidadãos que dão a “oportunidade” a um grupo de cidadãos que “vivenciam, ou já vivenciaram, situações de pobreza e/ou exclusão social” pronunciarem-se sobre as “suas realidades, necessidades e prioridades”.

‘28 anos de atuação da EAPN Portugal: repensar os desafios da intervenção social’ é o tema do encontro nacional de associados que a rede promove nas instalações da IPSS ‘Florinhas do Vouga’, na Diocese de Aveiro.
“Não há indivíduos em situação de pobreza, há sempre famílias em situação de pobreza, e o enfoque deve assentar essencialmente nas famílias carenciadas”, realçou o padre Agostinho Jardim Moreira.

A European Anti Poverty Network é a “maior rede europeia de redes nacionais, regionais e locais de organizações não-governamentais, bem como de organizações europeias “ativas na luta contra a pobreza”, atuando em 31 países, e foi fundada em 1990, em Bruxelas; E um ano depois em Portugal.

“Quando chegou a Bruxelas e pediram os números dos pobres e desempregados não tínhamos dados oficiais, parecíamos um paraíso sem problemas”, recordou o presidente da rede, que comentou o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, do Instituto Nacional de Estatística (INE).

A EAPN Portugal foi criada a 17 de dezembro de 1991, é reconhecida como Associação de Solidariedade Social, de âmbito nacional, e obteve o estatuto de Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), em 1995.
CB/OC

Rede Social quer tirar os 17 sem-abrigo identificados nas ruas caldenses

Marlene Sousa, in Jornal das Caldas

O Núcleo Executivo da Rede Social das Caldas da Rainha tem sinalizados 17 casos de pessoas sem-abrigo no concelho e tem vários projetos para os tirar da rua e reintegrá-las na sociedade, disse Maria da Conceição, vereadora da Ação Social da Câmara das Caldas e presidente do Conselho Local de Ação Social das Caldas. O tema dos sem-abrigo está em cima da mesa e foi no passado dia 19, na Biblioteca Municipal, durante uma sessão de trabalho sobre esta problemática, organizada pela Rede Social das Caldas, em parceria com o núcleo de Leiria da Rede Europeia Anti-Pobreza, que a autarca anunciou as propostas futuras para conseguir realojar os sem-abrigo que vivem nas ruas da cidade.

Uma das principais apostas da autarquia é a requalificação de uma casa que é da Câmara, para criar uma habitação de transição, totalmente equipada, onde os sem-abrigo poderão reaprender a viver sob um teto. “Neste caso, o sem-abrigo que vive na rua é desafiado a aceitar viver numa casa e, caso o aceite, há pessoas ou associações que vão acompanhar o seu caso particular e desenvolver com ele um projeto”, explicou a autarca.
A estratégia é tentar “reeducá-los a viver dentro de uma casa com um acompanhamento técnico especializado diário, com tarefas tão simples como escovar os dentes e dormir numa cama”, adiantou.

Em janeiro de 2020 a Santa Casa da Misericórdia das Caldas da Rainha (SCMCR) vai igualmente instalar no antigo edifício do ex-Ramalho Ortigão, onde funciona o Centro de Recursos Comunitários, a valência do projeto Contrato Local de Desenvolvimento Social - CLDS 4G (emprego e formação). “O objetivo é a autarquia apoiar a SCMCR neste programa e adaptar no Centro de Recursos um espaço de lavandaria e um balneário para que os sem-abrigo possam tratar da roupa e fazer a sua higiene pessoal”, adiantou Maria da Conceição. O intuito é que este projeto no futuro funcione nas instalações novas da SCMCR na Rotunda da Rainha, junto ao atual edifício da SCMCR, depois das obras de remodelação.

Outro projeto do Município das Caldas para ajudar os sem-abrigo, que tem a parceria do Dar e Receber do Banco Alimentar do Oeste, é a abertura de uma mercearia social com produtos não alimentares novos. “Cada família de acordo com o seu agregado familiar terá um orçamento mensal simbólico com que poderá adquirir na mereceria social calçado, equipamento escolar, vestuário, produtos de higiene, detergentes, entre outros”, anunciou a vereadora.

“Em Caldas da Rainha há 17 indivíduos em situação de sem-abrigo, de acordo com a mais recente contagem, que vivem sem-teto nas ruas. Os restantes, dado ao tempo se ter agravado, temos a situação de estarem numa pensão paga através do Fundo de Emergência Social da autarquia, mas que, na verdade, não têm casa própria”, salientou Maria da Conceição, acrescentando que também serve “para que nós possamos controlar onde é que essa pessoa está e que aceite ser encaminhada”.

As pessoas que vivem nas ruas das Caldas são sobretudo do sexo masculino, mas existem também algumas mulheres.

A maioria sofre de patologias mentais ou está ligada a consumos de drogas e álcool. Muitos são arrumadores de carros e alguns são pensionistas e beneficiários do Rendimento Social de Inserção. Não é habitual das Caldas verem-se porque pernoitam escondidos, em espaços abandonados, sem quaisquer condições.

A primeira fase do projeto passa por identificar as pessoas sem-abrigo, onde as técnicas da rede social em parceria com a Associação Viagem de Volta e as forças de segurança fazem giros de rua de carácter quinzenal aos parques de estacionamento, prédios e edifícios devolutos ou inacabados. “Depois é-lhes proposto um tipo de intervenção mais adequado de acordo com tipo de problemática com encaminhamento para alimentação, saúde, emprego, formação, institucionalização”, referiu a vereadora.

“Uma grande dificuldade é que a pessoa aceda a ir às consultas e faça exames médicos e depois aceitar o tratamento, porque antes que os sem-abrigo possam ser encaminhados para instituições têm que fazer a desintoxicação”, adiantou a autarca, salientando que o foco são as pessoas, que terão sempre uma palavra em qualquer decisão.

Durante a sessão, a diretora Geral da Associação para o Desenvolvimento local de Base Comunitária de Lisboa, Maria José Domingos, apresentou a Estratégia Nacional para a Integração das pessoas em situação de sem-abrigo.
Na rede social das Caldas, no plano de desenvolvimento 2015/2020 no eixo prioritário da saúde e comportamentos aditivos, existe um grupo de trabalho composto pela Câmara Municipal, Centro Especial Rainha D. Leonor, forças de segurança, Centro Distrital de Leiria, Instituto da Segurança Social, Centro Hospitalar do Oeste, ACES Oeste Norte, Juntas e Uniões de Freguesias e Associação Viagem de Volta

Desemprego sobe para 6,5% em Setembro

Lusa, in Público on-line

Valor representa revisão em baixa de 0,1 pontos percentuais da estimativa provisória divulgada há um mês pelo INE

A taxa de desemprego aumentou para 6,5% em Setembro deste ano, mais 0,1 pontos percentuais do que no mês anterior, e deverá ter-se mantido nesse valor em Outubro, divulgou hoje o Instituto Nacional de Estatística (INE).

Segundo o INE, a estimativa provisória da taxa de desemprego de Outubro é 6,5%, o mesmo valor de Setembro.

A taxa de desemprego de 6,5% em Setembro é superior em 0,1 pontos percentuais ao do mês anterior e inferior em 0,1 pontos percentuais ao de três meses antes e ao do mesmo mês de 2018.
O valor de Setembro representa uma revisão em baixa de 0,1 pontos percentuais da estimativa provisória divulgada há um mês.

Em Setembro de 2019, a população empregada estimada era de 4.871 mil pessoas, tendo aumentado 0,2% (10,4 mil) em relação ao mês anterior.

A taxa de emprego situou-se em 62,7%, tendo-se mantido inalterada em relação ao mês anterior e aumentado 0,3 pontos percentuais (p.p.) em relação a três meses antes e 0,6 p.p. em relação ao período homólogo de 2018.
Em Outubro de 2019, a estimativa provisória da população empregada correspondeu a 4.867 mil pessoas e diminuiu 0,1% (4 mil) em relação ao mês anterior.

Em Setembro de 2019, a população desempregada foi estimada em 340,8 mil pessoas, tendo aumentado 2,8% (9,3 mil) em relação a Agosto de 2019, 0,5% (1,8 mil) em comparação com Junho de 2019 e mantendo-se praticamente inalterada relativamente a Setembro de 2018. Aquele valor representa uma revisão em baixa de 1,2% (4,1 mil) da estimativa provisória divulgada há um mês.

Em Outubro de 2019, a população desempregada – cuja estimativa provisória foi de 340 mil pessoas – manteve-se praticamente inalterada em relação ao mês anterior (Setembro de 2019) e aumentou 1,7% (5,6 mil) face aos três meses anteriores (Julho de 2019). Em relação ao mês homólogo de 2018, diminuiu 0,7% (2,5 mil).

Portugueses são dos menos capazes a pagar contas a tempo. Pior só os gregos

Victor Ferreira, in Público on-line

Estudo anual com 24 países europeus faz retrato preocupante. O bem-estar financeiro em Portugal é dos piores.

Portugal fica no sétimo lugar a contar do fim, numa lista de 24 países europeus, no que toca ao bem-estar financeiro. A lista é liderada pela Alemanha, Áustria e Suécia. No fundo da tabela ficam Grécia, no último lugar, precedida da Lituânia e da Polónia. A tabela baseia-se na resposta de 24 mil consumidores europeus sobre a capacidade de pagarem as contas a tempo, a aquisição de crédito, as poupanças e a literacia financeira. Portugal fica abaixo da média europeia. O retrato nacional é preocupante. E o europeu não é muito melhor, em termos gerais.

Activistas vestiram-se de ratinhos para protestar contra testes em animais
"Apesar das melhorias na economia nacional, os consumidores portugueses continuam a debater-se com dificuldades para saldar contas e 61% dos inquiridos admitem que a preocupação com as contas afecta negativamente o bem-estar financeiro deles. É a segunda taxa mais elevada na Europa, logo após a da Grécia”, aponta o relatório de 2019, divulgado nesta quinta-feira.

O PIB per capita português, em 2018, foi de 19.600 euros, bastante abaixo dos 30 mil euros da média europeia. A taxa de desemprego usada pelos autores do estudo é a do ano passado, 7% em Portugal e 6,8% na UE.

A situação portuguesa no Relatório sobre Pagamentos dos Consumidores Europeus (PDF aqui) feito anualmente pela Intrum AB (uma empresa sueca de gestão recuperação de créditos, ela própria criticada por associações de defesa do consumidor devido aos métodos que utiliza), pode resumir-se numa série de conclusões pouco animadoras: piores que nós a pagar contas a tempo só os gregos; somos dos europeus que menos poupam; dos que mais contraem créditos para pagar contas; e na literacia financeira, ou seja, em termos de dominar os termos básicos das finanças pessoais e de compreender os cálculos, ficamos na média europeia.

Quando se fala de contas, alude-se a responsabilidades com despesas como gás, electricidade e água, ou Internet, comunicações e saúde, bem como rendas de casa, empréstimos bancários (habitação e consumo) e educação dos filhos.

Detalhando a análise, 28% dos inquiridos em Portugal disseram que, nos últimos 12 meses, não conseguiram pagar contas a tempo pelo menos uma vez. Este indicador mede a capacidade de saldar dívida, a proporção do salário que resta após o pagamento das contas mensais e o rendimento bruto disponível per capita nas famílias portuguesas.

Até é uma percentagem baixa no quadro dos 24 países envolvidos no estudo, comparando com os 61% da Grécia, que está na pior situação, ou da Noruega, onde 48% admitiu que falhou pelo menos uma vez o pagamento atempado.

O problema é que Portugal tem uma das taxas mais elevadas de pessoas que dizem que a falha de pagamento é recorrente: 47%. E a razão mais citada para explicar essas falhas é a falta de dinheiro (56%), seguido de esquecimento (35%).

O que significa que no indicador composto, que leva em conta o pagamento, o rendimento disponível e o que sobra do salário depois de se saldar as responsabilidades mensais, Portugal cai para o penúltimo lugar. Pior só a Grécia.

Há também 47% de consumidores que dizem que a preocupação com as contas lhes tira bem-estar financeiro e 44% acredita que as contas aumentam mais rapidamente do que o rendimento.

Em matéria de crédito, 27% dos respondentes declararam que contraíram empréstimo para pagar contas, nos seis meses anteriores, ou que esgotaram o limite do cartão de crédito com esses pagamentos. Fica acima da média europeia (24%) e é a oitava taxa mais elevada, numa lista novamente liderada pela Grécia e pela Polónia e que tem Holanda, França e Alemanha no extremo oposto, como exemplos de países onde menos se paga contas com crédito.

Oitenta e um por cento dos portugueses inquiridos afirmam que conseguem poupar algo todos os meses, o que fica acima da média europeia de 75%, mas 61% está insatisfeito com o que conseguem pôr de lado. Sendo que as razões mais citadas por portugueses para fazer poupanças são “eventos inesperados” e “perda de emprego”. Pelo contrário, as razões de poupança menos citadas são para educação e para compra de habitação.
A família e os amigos tornaram-se as principais fontes de empréstimos para pagar contas no último ano em Portugal, com a banca e as instituições privadas de crédito a perderem peso.

Portugueses são os europeus que mais se queixam da desigualdade de rendimentos
Os portugueses são também os mais pessimistas no que toca à conjuntura internacional: 64% dos inquiridos dizem acreditar que uma União Europeia enfraquecida terá um impacto negativo nas finanças pessoais. Na Grécia, essa proporção é de 63%, em Espanha é de 62% e, em contraste, nos países nórdicos, na Suíça e na República Checa teme-se menos essa influência negativa.

Por fim, na literacia financeira, a educação que se tem em casa é a que mais pesa em Portugal, onde 66% diz que aprende com os pais (na UE a média é 51%) e 51% aponta para a escola (41% na UE). Segue-se a Internet (36%) e só depois a banca, que em Portugal obtém um resultado que merece destaque. É a única fonte de literacia financeira que perde na comparação com a UE. Por outras palavras, todas as fontes de formação e informação são mais importantes para os portugueses do que para a média dos europeus, com excepção da banca, que conta pior em Portugal do que no resto do continente.

Reportagem - Esta escola já não é só para ciganos

Ana Cristina Pereira (texto), Adriano Miranda (fotografia) e Ana Marques Maia (vídeo), in Público on-line

Escola do 1.º ciclo de Paradinha, em Viseu, só tinha crianças ciganas residentes num bairro de má fama. O jardim-de-infância, pelo contrário, era um modelo de inclusão. Um grupo de pais de crianças não ciganas do jardim-de-infância decidiu mantê-las em Paradinha, transformando a escola num lugar para todos e para cada um.

Há mais de dez anos que não se via crianças não ciganas na velha Escola de Paradinha, a três quilómetros do centro de Viseu. Havia-as no jardim-de-infância, a funcionar num edifício à parte, com entrada independente. Chegada a idade escolar, distribuíam-se por outras escolas do concelho.
Agora, no 1.º ano, há quatro crianças ciganas e oito crianças não ciganas, incluindo um menino com trissomia 21 e outro com paralisia cerebral. Agora, estudantes ciganos e não ciganos almoçam juntos no refeitório, correm atrás da bola, aprendem a desenhar letras “bonitas” e muitas outras coisas.

O que aconteceu? Nas palavras do director do agrupamento Infante D. Henrique, João Caiado: “Aqui o fundamental foi os miúdos do grupo maioritário quererem dar seguimento na Escola de Paradinha. Os pais, em boa hora, decidiram mudar a escola. E tiveram apoio para fazer isso.”

Ainda não está tudo como os pais e as crianças imaginaram, mas Emília, uma menina cigana de seis anos, já acha que a escola está “muito fixe”. Luísa, uma menina não cigana de cinco, confessa que gostava de ver alguma cor no tecto. Maria, uma menina não cigana de seis, põe-se logo a imaginar um céu. Há-de ser “a melhor escola de Viseu”, acredita Tomás, um menino não cigano da mesma idade. Poderá inspirar outras comunidades escolares pelo país fora?

Escola-gueto versus escola inclusiva
Para perceber a história que aqui se vai contar convém, desde já, saber que o pré-escolar e o 1.º ciclo não funcionavam apenas em edifícios separados por um gradeamento, só interrompido por um portão quase sempre fechado. Um era uma espécie de gueto e o outro uma espécie de modelo de inclusão.


António e Alfredo frequentam o 4º ano. Ao fim do primeiro mês, Alfredo não tinha nenhuma falta. Havia outros sete alunos na mesma situação
Num lado, está um edifício do Plano dos Centenários, o megaprojecto de construção de escolas desenvolvido pelo Estado Novo. Lá dentro, arrumavam-se 20 alunos — os do 1.º e do 2.º ano numa sala e os do 3.º e do 4.º ano noutra, todos virados para o quadro de ardósia e para o quadro interactivo, sem livros que não os manuais escolares. Lá fora, um simples pátio de gravilha e terra batida.

No outro lado, está um edifício moderno. Lá dentro, 20 crianças circulavam por duas salas e um polivalente, com quadro de presenças, quadro com agenda semanal, quadro de tarefas, quadro de actividades, quadro interactivo, vídeos, livros, jogos, instrumentos musicais. Lá fora, uma casinha de madeira, um baloiço rústico, uma pista com pneus verdadeiros, projectos em curso.

O pré-escolar inspira-se no Movimento da Escola Moderna. Os alunos participam na planificação do dia-a-dia, trabalham (em pares ou pequenos grupos) numa lógica de entreajuda, integram a avaliação. A escola de 1.º ciclo seguia o método tradicional. O que ditava esta diferença? Uma pessoa: a educadora.


Conceição Neto esteve colocada em Lisboa, na educação especial. Andou por Macau, antes de esse território transitar para a China. Regressou a Viseu em 1998. Não lhe pediram que desse apoio em várias escolas, como seria de esperar. Pediram-lhe que ficasse em Paradinha. Receberia crianças com paralisia cerebral e crianças ciganas residentes do bairro social situado a cerca de um quilómetro.

O bairro fora inaugurado no ano anterior. Os três blocos, dispostos em forma de “U”, incluíam 104 apartamentos, 99 dos quais propriedade da câmara. E esses acolhiam muitas famílias ciganas até então a viver nas barracas demolidas para dar lugar à construção dos acessos ao Hospital de São Teotónio. A escola, obrigatória, dizia-lhes pouco. O pré-escolar, não obrigatório, menos ainda.

“Estava de passagem, mas fui ficando”, recorda Conceição Neto, abrindo-se num sorriso. Pôs-se a fazer formação em educação de infância e em novas pedagogias, o que a aproximou da Escola Superior de Educação de Viseu. Atendendo à diversidade funcional e étnica, Paradinha tornou-se um local de estágio. Alguns professores começaram a inscrever as suas crianças ali. Entre eles, Mara Maravilha, que desenvolve trabalho artístico nas áreas de performance, teatro/cenografia e instalação.

Mara tem ali as duas filhas — Maria, de seis anos, e Carlota, de três — e nem sabe dizer quantas vezes ouviu: “Com tantas escolas em Viseu, foste pôr as tuas filhas em Paradinha!” Outros pais relatam experiências semelhantes. Joana Medeiros, por exemplo, fazia questão de dizer que o filho, Bernardo, de seis anos, frequentava o Jardim-de-Infância de Paradinha e amiúde perguntavam-lhe: “Tem muitos ciganos?” Respondia: “Tem, tem! Funciona limpidamente!”


Bernardo começou a ler antes dos quatro anos. “No ensino normal, era um bicho. Um dia, chegou a casa a dizer que não queria mais ir para a escola”, conta a mãe. Ali, recuperou a alegria de aprender. A turma funcionava como uma comunidade democrática e cooperante. Ele podia ler para os outros e os outros podiam ajudá-lo a fazer qualquer coisa que lhe custasse mais.
“Além das boas condições, existe a parte humana que faz a diferença”, corrobora Daniel Lourenço, pai de Diogo, o menino com paralisia cerebral, referindo-se à educadora e às auxiliares. “Os miúdos gostam de estar aqui. Eles adaptam-se. O meu filho evoluiu imenso. A questão da etnia não é factor de conflito — nem entre miúdos nem entre pais, que convivem nas festas.”
Ao aproximar-se a idade de transição para o 1.º ciclo, os pais de seis crianças não ciganas e os pais de uma criança cigana começaram a pensar na mudança de escola. Não encaravam Paradinha como uma opção. Desde 2008 que a Escola de Paradinha só acolhia crianças ciganas residentes no bairro social homónimo. Muitas tinham dificuldade em concentrar-se, em cumprir regras, em respeitar colegas, professores e auxiliares. A indisciplina, o absentismo e o insucesso marcavam o quotidiano.

Em 19 anos duplicou o número de ciganos na escola obrigatória
Mara desanimou-se logo no início das “buscas”: “É tão triste chegar a uma escola e encontrar aquilo que vivi há 30 anos — o ensino em gavetas, as crianças sentadas o dia inteiro, de costas voltadas umas para as outras, em comboio, a absorver a matéria.” Não desejava sujeitar a filha àquilo. Procurava uma escola pequena, que melhor se ajustasse à menina, ainda “em estado de encantamento e de curiosidade pelo mundo”. E ia partilhando as suas angústias com outros pais.
No princípio de Março, Mara foi buscar as filhas ao mesmo tempo que Ângela Fernandes, mãe de um menino chamado Sebastião, de quatro anos. Enquanto as crianças saltitavam até ao portão, elas tratavam de pôr a conversa em dia. “Já sabes onde vais pôr a Maria?”, perguntou Ângela. “Ainda não”, respondeu Mara. “Ontem à noite, eu e o Sebastião estivemos a conversar. Ele disse que queria ficar na Escola de Paradinha, eu disse-lhe que não e ele ficou muito indignado.”

A primeira reacção de Mara foi: “Esquece! Não vamos colocar os nossos filhos nesta escola, conhecendo nós a realidade!” Ao entrar no carro, já ponderava: “O Sebastião tem razão… Por que não podem ele e as outras crianças continuar aqui, com a mesma qualidade que têm no jardim?”

Uma abertura inesperada
Naquela mesma noite, Mara mandou uma mensagem à educadora. Na manhã seguinte, Conceição barafustou: “Não! Nem pensar! Não vamos pôr uma criança [não cigana] sozinha numa escola 100% de etnia [cigana]!” “Sempre defendi que a inclusão se faz pela positiva, não pela negativa”, diz.

Isaque Pinto está no 4.º ano e ganhou agora um novo ânimo com a escola
Enquanto representante dos pais, Mara queria, pelo menos, questionar o director. Imaginou João Caiado a dizer que ela era livre de matricular a filha em Paradinha. Preparou-se para fazer a defesa da escola pública de qualidade, esgrimir argumentos capazes de o fazer entender que aquela escola era imprópria. E ele surpreendeu-a ao sugerir-lhe que se juntasse a outros pais e criasse um projecto educativo.
“Eu tinha ideia de que era com vontade e força que se mudavam as coisas, mas não tinha ideia de que podia ser recebida com uma proposta destas”, admite Mara. Finda a reunião, telefonou à educadora. Assim, de repente, parecia-lhe “uma óptima ideia a possibilidade de falar com outros pais”. No dia seguinte, já não sabia. “Acordei a pensar que, se calhar, não valia a pena.” Só que, entretanto, a educadora já falara com Daniel Lourenço e ele estava empolgado: “Vamos avançar!”

Num instante, outros pais se animaram. Nelson Martins e a mulher, Carla Nines, por exemplo, notavam a ansiedade no filho, David, de seis anos. “Eu gostava que ficássemos juntos”, repetia o menino. E desejavam que ele continuasse com os amigos e com o método de ensino, mas não viam como. “Há uma grande cumplicidade entre eles. Gostam muito de estar uns com os outros”, diz Nelson.

Aliaram-se seis famílias não ciganas. Puseram-se a ler, a discutir, a pensar em modos de quebrar a separação entre o pré-escolar e o 1.º ciclo, reduzir o absentismo e o insucesso, reforçar a capacidade pedagógica, promover “uma resposta de qualidade a todos e a cada um”. No dia 19 de Março, davam por terminada a primeira versão do Projecto Paradinha — Escola e Comunidade.

Convencidos de que a escola, tal como estava, era parte do problema, porque não dava oportunidade para pensar, desenvolver a criatividade, perceber a importância da educação para a vida, e pegando no Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Governo em 2017, delinearam o modo de dar continuidade ao pré-escolar.

Maria Maravilha é a líder do grupo que transitou do jardim-de-infância

A alegria das crianças
A poucos dias das férias de Verão, as crianças soltavam a imaginação sobre o que seria a nova escola de 1.º ciclo. Isso mesmo se podia verificar ao juntá-las num banco corrido do jardim-de-infância.
“Nós queremos fazer um escorrega lá”, dizia Simão, um menino cigano, de seis anos, muito assíduo e pontual. “Tudo igual aqui”, anunciava Bernardo. Igual como? “Pneus. Uma pista. Uma casinha de madeira”, explicou. “Isso já temos aqui. Podem vir brincar aqui”, esclareceu a educadora. O portão passaria a estar sempre aberto. “Baloiços!”, tornou Simão. “Uma escalada”, propôs Maria, clara líder do grupo. “Três baloiços”, tornou Simão. “Uma escalada para crescidos”, continuou Maria. “Um buraco”, voltou Simão. “Se não quisermos ler mais, vamos para o buraco e saímos!”

Até nas escolas “há uma tendência para segregar” os ciganos
Simão estivera para não ser matriculado na Escola de Paradinha. “A mãe da Maria foi lá a casa falar com a minha mãe”, contou ele.

A mulher, de 26 anos, não tardaria a confirmar a versão do filho. “A Escola de Paradinha não tem condições”, enfatizou. “As professoras não se preocupam. Se as crianças souberem, sabem; se não souberam, não sabem. São ciganos, acabou! Não tem de saber ou deixar de saber! Nunca quis isso para os meus filhos.” Já por isso, matriculara a filha, agora com nove anos, na Escola de Jugueiros.

Nadja Soares não pode ir às reuniões de pais. Está em regime de obrigação de permanência na habitação. Está quase sempre confinada ao apartamento, ao qual se acede subindo por umas escadas atravancadas de tralha alheia. Quase só tem autorização para ir ao médico ou para levar as crianças a alguma consulta.

Mara Maravilha foi a casa dela. “Explicou-me que vai haver uma nova vida nesta escola, que vai ser uma melhor vida. Se vir que o meu filho não aprende, retiro logo e ponho onde está a minha filha e acabou”, avisou. “Quero que os meus filhos tenham estudos. Por sermos ciganos, não temos de ser marginais.”

Naquele dia, no jardim-de-infância, estavam a faltar Emília e Débora. No grupo que ia transitar para o 1.º ciclo, tirando Simão, só havia crianças não ciganas. “Há algum problema por Simão ser cigano?”, perguntou a educadora. “Não”, responderam os outros, em coro. “Há algum problema por irem para uma escola com mais meninos ciganos?”, tornou a perguntar. “Não!”

De que se faz o desencontro entre a escola e a população cigana?
Um ar de esperança soprava no Bairro de Paradinha. “Estamos contentes”, admitia Vanessa Torres. Tinha a filha, Iasmin, de sete anos, a frequentar o 1.º ano, e o filho mais velho, José, de nove, a frequentar o 2.º ano. “Gostava que tivessem contacto com outras crianças. É uma emoção que a gente sente ao saber que há pessoas que se importam com as nossas crianças e que não têm o preconceito que muita gente tem.”
A escola, assim, não lhe servia. Já ponderava transferir as suas crianças. Outras mães ameaçavam fazer o mesmo.

“O meu filho tem 11 anos. Andava no 3.º ano com os livros do 2.º”, queixava-se Carla Cabeças, mãe de um rapaz chamado Isaque, que gosta de usar uns óculos enormes e sem lentes, só pelo estilo. “Um dia mais tarde quer tirar uma carta de condução e não consegue.” Carina Pinto repetia a queixa, mostrando o caderno do filho, Isaías, também ele no 3.º ano com livros do 2.º: “Só faz desenhos!” Por ele, já não ia à escola. “Anteontem, quando acordei o meu filho para ir para a escola, ele disse: ‘Ó mãe, o que faço lá? Fico cansado. Não faço nada. Só brinco!’”

O único Estudo Nacional Sobre as Comunidades Ciganas — feito por Manuela Mendes, Olga Magano e Pedro Candeias, em 2014, a pedido do Alto-Comissariado para as Migrações — destapa percursos escolares curtíssimos. Os investigadores encontraram uma taxa de analfabetismo de 15,5%; cerca de 30% não tinham completado o 1.º ciclo; 39% tinham concluído apenas o ensino básico, maioritariamente o 1.º ciclo; só 6% terminaram o 3.º ciclo; 2,5%, o secundário.

O percurso daquelas três mães reflectia essa realidade. Vanessa saiu da escola aos 12 anos. Carina também saiu com essa idade. Carla saiu aos 13. E essa era a história da maior parte das ciganas portuguesas que têm hoje à volta de 30 anos. Já não é o percurso da maior parte das crianças da idade das suas.

Em 20 anos, mais do que duplicou o número de crianças ciganas a frequentar o ensino obrigatório. O Perfil Escolar da Comunidade Cigana, que caracteriza os alunos matriculados nas escolas públicas do continente no ano lectivo 2016/2017, mostra que o pré-escolar amedronta cada vez menos, que o 1.º ciclo está praticamente garantido, que há uma quebra do 1.º para o 2.º ciclo, outra do 2.º para o 3.º, que é nesta última etapa do ensino básico que há mais abandono, que poucos frequentam o secundário, embora haja cada vez mais gente a fazê-lo (alguns até tiram cursos superiores).

Nem Vanessa, nem Carla, nem Carina teorizaram sobre a história de exclusão e a defesa da cultura cigana. Não se puseram a falar na importância da virgindade das meninas, nas quais a tradição deposita a honra das famílias. Tão-pouco sobre a centralidade do casamento, que tende a celebrar-se em idade precoce. Focaram, sim, a fraca qualidade do ensino e o pouco que se espera de crianças como as suas.
As duas professoras, Célia Oliveira e Luísa Sousa, por sua vez, invocavam a desvalorização da escola, a fraca motivação para trabalhar, a dificuldade em ficar num espaço fechado, a relutância em cumprir regras, o fortíssimo absentismo. O interesse dos pais também lhes parecia, de um modo geral, reduzido. “Pede-se que venham buscar a avaliação e não vêm”, exemplificavam.

As mulheres ciganas estão a fazer a sua pequena revolução
Era extenso o registo de faltas (justificadas e injustificadas). O ano ainda não tinha terminado e na turma do 1.º ano já havia uma criança com 114 faltas, outra com 59, outra com 36, outra com 37. No 2.º ano, havia uma criança com 102 faltas, outra com 73, outra com 69, outra com 53. Os colegas tinham menos, mas não poucas: 43, 37, 31, 23, 11. Os cinco alunos do 3.º ano também somavam dezenas de faltas: 58, 54, 31, 27, 20. No 4.º ano, só um aluno tinha 44 faltas e o outro 22.

O exemplo de Maria Elisa, de 38 anos, seria paradigmático. Também se queixava do pouco que aprendera a neta que está a criar, Lucinda, de oito anos. “Ela está no 2.º ano e ainda não sabe as letras todas, só sabe algumas!” Só que não a obrigava a ir à escola. “Batiam-lhe e ela não queria ir!”

“O meu filho só não vai à escola se tiver alguma dor ou se for ao dentista”, apressava-se a afirmar Carla. “O meu também não falta”, assegurava Carina. O problema, para elas, era a escola e as professoras. “Elas não se esforçam porque é tudo cigano”, acusava Carina.

Estavam com fé naquilo a que chamavam “o projecto da Mara”. Ao fazer o projecto, Mara e os outros pais tinham ouvido os seus anseios. “Os miúdos vão querer ir à escola”, acreditava Daniel. “E vão levar para casa essa alegria. Porque é o que acontece com os nossos filhos aqui.”

Professoras escolhidas a dedo
O perfil da equipa educativa sempre pareceu fulcral aos pais que se juntaram para mudar a escola. Não queriam professores colocados por uma lista de ordenação. Isso não garantiria estabilidade, nem formação na pedagogia da Escola Moderna, nem motivação para trabalhar com turmas com diversidade cultural.

A escola pode ser um lugar onde as crianças ciganas se sentem protegidas
Escreveram ao ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, e à secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, que teve uma criança no Jardim-de-Infância de Paradinha. “Entendam, por favor, este nosso apelo como um grito de esperança e mudança no que consideramos ser a última oportunidade para transformar este espaço novamente numa escola”, lê-se no documento, datado de 16 de Abril. “Vemos nesta escola um problema grave para resolver, sim, mas também uma oportunidade única, e com sentido, de fazer dela uma ESCOLA de qualidade para TODOS.”

“Dentro do agrupamento, não apareceu nem um professor interessado”, revelou João Caiado. Desconfia que não foi por não terem a formação necessária (ou hipótese de a fazer). “Acho que se assustam com a ideia de trabalhar em Paradinha. Há muito que esta escola é evitada.”
O bairro quase só é notícia por más razões. Há dois anos, fez manchete o julgamento de 55 pessoas acusadas de tráfico de droga. Até Janeiro de 2014, haveria três pessoas a vender. Depois, houve detenções do Bairro da Balsa. A partir daí, e até Março de 2015, terá passado a haver uma lista de famílias que se revezavam. O Tribunal de Viseu condenou 46 pessoas, 30 das quais com pena suspensa.
No ano passado, o presidente da câmara, Almeida Henriques, pediu ao Governo um reforço de segurança naquela zona. “Não desejamos nem aceitamos que se alastre o sentimento de insegurança que é típico do modo de vida de bairros problemáticos de grandes cidades, mesmo que tal se confine a focos pontuais”, declarou então, segundo o site da Emissora das Beiras.

O lixo amontoa-se nas ruas. Limpam-no moradores que, por receberem rendimento social de inserção, são forçados a fazer trabalho socialmente útil. Quase não há iluminação pública. As lâmpadas foram destruídas com espingardas de pressão de ar. O carteiro só lá vai duas vezes por semana e com escolta policial. A escolta começou há uma década na sequência de uma agressão.

Para haver qualidade de ensino e igualdade de oportunidades para as crianças em desvantagem — o diagnóstico aponta para défice de estímulo cognitivo, de domínio da língua, de conhecimentos gerais sobre o mundo, de apoio da família, de saber estar —, os pais queriam quatro professores e não dois. E identificaram quatro, que o Ministério da Educação só teria de colocar. Previram também quatro assistentes operacionais no 1.º ciclo. Outras duas ficariam no jardim-de-infância, com uma nova educadora — Conceição Neto assumiria a coordenação da escola, cargo que não existia. Impunha-se ainda recuperar e readaptar o espaço escolar, o que convocava a câmara.

Atrasos nas obras e boatos no bairro

Aproximava-se o final de Agosto, os pais estavam muito preocupados: as obras ainda não tinham começado. E havia muito que fazer. Não bastava intervir nas salas. Todo o espaço escolar seria de aprendizagem. Nas traseiras, por exemplo, nasceria uma oficina de artes e um espaço de brincadeira. Para aumentar a área disponível, as crianças passariam todas a almoçar no jardim-de-infância.
Os trâmites legais não explicavam o atraso por inteiro. “No Verão, há muita gente de férias”, justificou a vereadora da Educação, Cristina Brasete, de visita à obra. “Tiveram dificuldade em ter os materiais. Começaram as obras e ficaram meio parados.” Por dentro, ficaria tudo feito. Por fora, ainda não.


Fez o elogio do projecto-piloto que, funcionado, poderá ser replicado, com reajustes. “Este projecto não vai acontecer só porque se quer”, enfatizou. “Tem de haver muita paciência. Estas crianças estão aqui há muito tempo.” Estava confiante, ainda assim. “Acho que vai fazer com que isto funcione é a conjugação de vontades.”
Adiou-se o arranque das aulas para o dia 24 de Setembro. Entretanto, um boato difundiu-se pelo Bairro de Paradinha.
Mário Pinto, que já foi mediador cultural e que tem duas crianças no 1.º ciclo, o Mário, de oito anos, no 2.º ano, e a Jordana, de 11 anos, no 4.º, desconfiava do benefício do projecto. “Vou ver quais as condições que lá vão pôr.” Havia 1.º e 2.º numa sala, 3.º e 4.º noutra. “Agora querem pôr 1.º ano só numa sala e 2.º, 3.º e 4.º noutra sala. Se for esse o caso, tiro os meus filhos! O que adianta? O resto do pessoal que é todo cigano vai ficar todo na mesma sala! Estão a fazer alguma regalia?”

Na rua principal do bairro, exaltavam-se os ânimos. “Corre que até os recreios vão ser separados”, comentava Carla Cabeças. Carina Pinto também ouvira: “Acho mal. O recreio é para toda a criança!” Mário previa o pior: “Se já havia confusões, mais confusões vai haver!"

Os pais não ciganos estavam abismados. Tanta receptividade antes do Verão! Algumas mães ciganas até tinham ajudado a definir as necessidades mais urgentes. Agora, acreditavam que eles queriam pôr meninos ciganos num lado e não ciganos noutro? “Há um mal-entendido muito grande”, lamentava Mara. “Se tivéssemos preconceitos, os nossos filhos não andavam naquele jardim-de-infância.”

Para sossegar os ânimos, João Caiado convocou uma reunião. Sim, o projecto começaria com 12 crianças do 1.º ano numa sala e 19 dos outros anos noutra. Tinham-se matriculado mais duas crianças não ciganas, Tomás e Francisco, o menino que tem trissomia 21. E havia mais um menino cigano, Ariel, com nove anos e uma doença genética, própria de populações fechadas, que somara tantas faltas que ficara retido no 1.º ano. “O projecto tem de começar com uma turma de 1.º ano”, salientava Conceição Neto. “Embora estejam numa turma, vão trabalhar com meninos de outra turma.” Quantos alunos do 2.º ano saberiam mesmo ler, por exemplo? “A ideia é trabalhar em grupos por níveis de conhecimento para que todos aprendam.”

A alegria infantil
Uma semana depois do início das aulas, a alegria extravasava os muros da escola. E o mal-estar dissipara-se.

“Aquilo que falavam não era”, admitia Carla. “Estamos a gostar. Os miúdos estão mais acompanhados. Há mais professoras, mais auxiliares, mais regras. Os meninos estão mais motivados”, concordava Carina. “Antes, era sempre a mesma rotina. Agora, fazem mais coisas. Antes, chegavam a casa e diziam que não queriam ir para a escola. Agora, estão com vontade de voltar”, tornava Carla.

Naquele dia, as crianças do 1.º ciclo tinham ido todas ao Festival Outono Quente, no Parque Aquilino Ribeiro, ver o espectáculo Don Afonso Henriques 3 em 1, um herói que salta de um livro para um programa de rádio, dentro de uma peça de teatro. E Alfredo, um menino cigano de 11 anos que frequenta o 4.º ano, dera a mão ao Francisco, o menino com trissomia 21. Estivera atento a visita inteira.

Alfredo estava animado com a mudança. “A escola está mais melhor assim!” Parece-lhe que se porta melhor e tudo. “Eu antes tinha cá o meu irmão e ele fazia disparates, dizia asneiras e isso.” Agrada-lhe ter mais professoras e mais crianças para brincar à bola, à apanhada, ao escondidinho.

Está tudo diferente. As salas não têm cadeiras viradas para o quadro. O quadro é só um recurso para a professora ou para o aluno que queira apresentar alguma ideia. As crianças trabalham em grupo de frente umas para as outras. O dia começa com a turma sentada numa manta estendida num canto, a delinear o plano para o dia. E termina com a turma a discutir o que foi o dia.

Pediu-se à turma de 1.º ano que se sentasse na manta a avaliar tudo. “Gosto muito desta escola. É muito divertida. Tem muitos meninos”, dizia Maria. “Eu gosto desta escola porque tem mais jogos, mais livros, mais professoras, mais amigos”, dizia Bernardo. “Tenho quase tudo o que eu queria.”

Naquele tapete, faltava Simão. Os pais matricularam-no em Paradinha, mas mudaram de ideias quando souberam que Ariel se juntaria à turma. Queriam que fosse para Jugueiros, como a irmã. Só que nessa escola não havia vaga no 1.º ano. Simão haveria de vir para esta escola ao 10.º dia, quando o número de faltas injustificadas já pedisse queixa à Comissão de Protecção.

“Estes já vêm trabalhados do jardim-de-infância. Estes já encaram a etnia com normalidade”, afiançava a professora Sandra Tavares. “Não há essa questão de este é cigano, aquele é não é cigano. Aqui há crianças. A palavra ‘cigano’ não se usa. Eles às vezes é que dizem: ‘Eu sou cigano.’ E eu pergunto. E não tens orgulho? E eles dizem: ‘Sim’.” Os da outra turma iam precisar de mais atenção.

Acreditar no poder transformador da escola
Um mês depois de iniciadas as aulas, Conceição Neto fazia um balanço positivo. As crianças estão a faltar muitíssimo menos. Não havia registo de conflito entre crianças ciganas e não ciganas, apenas entre crianças ciganas de famílias desavindas. Incidentes e divergências passavam da escola para o bairro e do bairro para a escola. “Vamos ter muitos obstáculos — já estamos a ter”, reconhecia. “Temos de esclarecer as famílias, dizendo sempre a verdade, abrindo as portas, mostrando que estamos a dar o nosso melhor, mas principalmente criando nas crianças a vontade de vir à escola.”

As regras apertaram. Quem chega depois das 9h15 já não tem direito a almoçar e quem inicia uma actividade de enriquecimento curricular não pode sair antes do fim. Foi accionada uma vasta rede de parceiros. Um deles é a Caritas Diocesana, que gere um centro comunitário dentro do bairro. O sociólogo António Ramalho está nesse centro a gerir uma equipa que pode bater à porta de quem está a faltar.

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Um dos maiores desafios é fazer acreditar no poder transformador da escola. Ajuda ter bons exemplos para apontar. Ali, no bairro, moram pessoas com diferentes níveis de escolaridade, umas a trabalhar na venda ambulante, outras a trabalhar por conta de outrem, no mercado formal, o que é muitíssimo mais raro. Não pesa só a baixa escolaridade, também o estigma. “Há um processo de exclusão e um processo de auto-exclusão”, nota Ramalho.
Até quando andará o filho de Carina na escola? “Até ele conseguir. Gostaria que tivesse uma vida que a gente não tem. As feiras que dão? Mal é que o cigano não tem trabalho por ser cigano!” E o de Carla? “Gostava que não andasse, como nós, nas feiras, que tivesse uma vida como os outros têm.” E os de Vanessa? “Quero que estudem, que façam aquilo que eu não fiz, que vão para a faculdade.”


Risco de pobreza diminuiu para reformados, mas aumentou para empregados e desempregados

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

Dados do Instituto Nacional de Estatística foram divulgados nesta terça-feira. Em 2018, calculou-se que 17,2% da população estava em risco de pobreza, uma ligeira descida em relação aos 17,3% do ano anterior.

O risco de pobreza diminuiu para os reformados, mas aumentou para empregados e desempregados, revelam os mais recentes dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que acabam de ser divulgados. Dizem respeito a 2018.

Segundo aquele organismo, o risco de pobreza para quem está empregado foi de 10,8% em 2018, mais 1,1 ponto percentual do que no ano anterior. Também entre os desempregados, apesar de o desemprego estar a descer, o risco de pobreza aumentou em quase dois pontos percentuais, de 45,7% para 47,5%.

Para os reformados, porém, diminuiu ligeiramente, em 0,5 pontos percentuais, passando de 15,7% para 15,5%. Também entre jovens com menos de 18 anos se registou uma descida de 19% para 18,5%.

Em geral, o inquérito indica que houve uma diminuição de 0,1 pontos percentuais na taxa da população em risco de pobreza em Portugal, em 2018, passado de 17,3% para 17,2%. E o que significa a taxa de risco de pobreza para o INE? Varia anualmente e em 2018 correspondia à proporção de habitantes com rendimentos líquidos de 501 euros mensais (mais 34 euros que em 2017). Porém, se não existissem as transferências sociais e se contabilizassem apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas essa percentagem subiria para 43,4% em 2018. Assim, segundo o INE, os rendimentos de pensões de reforma e sobrevivência fizeram descer em 20,7 pontos percentuais essa taxa.

“Apesar da redução do risco de pobreza infantil, em 2018 a presença das crianças num agregado familiar continuava a estar associada a um risco de pobreza acrescido, sobretudo no caso dos agregados constituídos por um adulto com pelo menos uma criança dependente (33,9%) e naqueles constituídos por dois adultos com três ou mais crianças dependentes (30,2%)”, refere ainda o INE.

“De acordo com o indicador que conjuga as condições de risco de pobreza [monetária], de privação material severa e de intensidade laboral per capita muito reduzida [a chamada “exclusão social"], 2.215 milhares de pessoas encontram-se em risco de pobreza ou exclusão social em 2019”. A taxa de pobreza ou exclusão social é idêntica à de 2017: 21,6%​.

Menos desigualdade
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado pelo INE, foi pela primeira vez publicado em 2003, ano em que se começou a calcular a proporção de cidadãos que auferiam um rendimento inferior a 60% da mediana nacional. Em 2003 a taxa de pobreza relativa era de 20,4%, percentagem que foi descendo até 2008, quando chegou aos 17,9%. A crise fez disparar estes números, mas em 2017 atingiu-se a taxa mais baixa desde que é feito aquele inquérito, com 17,3%. Voltou agora a baixar.


Outra dado relevante para medir o distanciamento do rendimento mediano de quem é considerado pobre em relação ao limiar de pobreza é a taxa de intensidade da pobreza. Essa diminuiu em 2018: foi de 22,4%, menos 2,1 pontos percentuais do que no ano anterior (24,5%), Ou seja, houve uma “melhoria relativa do rendimento mediano dos mais pobres”, escreve o INE. ​
Quanto à desigualdade medida pelo coeficiente de Gini, houve uma ligeira diminuição de 32,1 para 31,9. O Coeficiente de Gini tem em conta toda a distribuição dos rendimentos e reflecte as diferenças de rendimentos entre todos os grupos populacionais.
Em termos de distribuição geográfica, apenas a Área Metropolitana de Lisboa é que registou uma taxa de risco de pobreza significativamente inferior ao valor nacional: 13,3%, ou seja, menos 3,9 pontos percentuais do que a taxa nacional. Os Açores registaram novamente as taxas de risco de pobreza mais altas, de 31,8%, seguidos da Madeira, com 27,8%.

O risco de pobreza infantil reduziu, mas a presença das crianças num agregado familiar continua a constituir um risco de pobreza acrescido: é de 33,9% num agregado de um adulto com pelo menos uma criança dependente e de 30,2% nos que têm dois adultos com três ou mais crianças dependentes.

40% não podem ter semana de férias
O INE mede também a chamada privação material, desta vez já com dados relativos a 2019. E há melhorias. Este indicador baseia-se em nove itens relacionados com as necessidades económicas e de bens duráveis das famílias. Na taxa geral de privação material, que corresponde às situações em que não existe acesso a pelo menos três dos nove itens considerados (por exemplo, capacidade para manter a casa quente) devido a dificuldades económicas, passou-se de 16,6 para 15,1.

Na taxa de privação material severa, que mede a percentagem da população sem acesso a pelo menos quatro dos nove itens, passou-se de 6% para 5,6%.
Os nove itens considerados pelo INE são: não conseguir pagar uma semana de férias por ano fora de casa; não assegurar o pagamento imediato de uma despesa sem recorrer a empréstimo; não conseguir manter a casa adequadamente aquecida; ter em atraso pagamentos de rendas, encargos ou despesas correntes; não ter automóvel; não ter uma refeição de carne, peixe (ou equivalente vegetariano) pelo menos de dois em dois dias; não ter uma máquina de lavar roupa; não ter telefone ou televisão a cores.

ISV: Bruxelas dá um mês a Portugal para corrigir imposto sobre carros importados
Em 2019, segundo o INE, 40% dos cidadãos vivem em agregados sem capacidade para pagar uma semana de férias por ano fora de casa (valor que desceu 1,3 pontos percentuais em relação a 2018); 33% das pessoas integram agregados onde não há capacidade para assegurar o pagamento imediato, sem recorrer a empréstimo, de uma despesa inesperada de 470 euros ("que corresponde aproximadamente ao valor mensal da linha de pobreza no ano anterior) e 18,9% pertencem a agregados onde não há capacidade para manter a casa adequadamente aquecida.

Já em relação ao pagamento de rendas, 5,8% não conseguem pagá-las a tempo (eram 6,6% em 2018). Por fim, para 2,3% dos portugueses não é possível ter, por razões económicas, uma refeição de carne, peixe ou vegetariana pelo menos de dois em dois dias.

O que mede o INE?
No resumo do inquérito aos rendimentos da população o INE menciona vários indicadores que tem em conta. Os indicadores relativos à pobreza e desigualdade económica foram construídos com base no rendimento monetário anual líquido das famílias em 2018. Excluem-se outras fontes de rendimento, nomeadamente o salário em géneros ou o auto-consumo. Já os dados sobre privação material respeitam ao ano de realização inquérito, ou seja, retratam a situação em 2019. Eis uma explicação breve dos principais indicadores.

O que é a taxa de risco de pobreza?
A taxa de risco de pobreza em 2018 corresponde à proporção de habitantes com “rendimentos monetários líquidos anuais por adulto equivalente” inferiores a 6014 euros (ou seja, 501 euros por mês). Segundo o INE, 17,2% dos portugueses têm rendimentos abaixo desta linha de pobreza de 501 euros mensais.

O que é o rendimento equivalente?
É o resultado obtido pela divisão do rendimento de cada agregado pela sua dimensão em termos de “adultos equivalentes” (uma criança, por exemplo, não “vale” o mesmo nesta conta que um adulto). O "rendimento por adulto equivalente" traduz as diferenças de dimensão e composição das famílias.

O que é a taxa de risco de pobreza ou exclusão social?
É a proporção de indivíduos em risco de pobreza (tal como definido acima) ou que vive em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material severa. São 21,6% da população.

O que é uma “intensidade laboral per capita muito reduzida”?
Consideram-se em intensidade laboral per capita muito reduzida todos os indivíduos com menos de 60 anos que, no período em análise, vivem em agregados familiares em que os adultos entre os 18 e os 59 anos (excluindo estudantes) trabalharam em média menos de 20% do tempo de trabalho possível.

Como se define a taxa de privação material?
É a proporção da população em que se verificam pelo menos três das seguintes nove dificuldades a) Sem capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada próxima do valor mensal da linha de pobreza (sem recorrer a empréstimo); b) Sem capacidade para pagar uma semana de férias, por ano, fora de casa, suportando a despesa de alojamento e viagem para todos os membros do agregado; c) Atraso, motivado por dificuldades económicas, em algum dos pagamentos regulares relativos a rendas, prestações de crédito ou despesas correntes da residência principal, ou outras despesas não relacionadas com a residência principal; d) Sem capacidade financeira para ter uma refeição de carne ou de peixe (ou equivalente vegetariano), pelo menos de 2 em 2 dias; e) Sem capacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida; f) Sem disponibilidade de máquina de lavar roupa por dificuldades económicas; g) Sem disponibilidade de televisão a cores por dificuldades económicas; h) Sem disponibilidade de telefone fixo ou telemóvel, por dificuldades económicas; i) Sem disponibilidade de automóvel (ligeiro de passageiros ou misto) por dificuldades económicas.

E a taxa de privação material severa?
É a proporção da população em que se verificam pelo menos quatro das nove dificuldades descritas na resposta anterior.

Como é feito o inquérito do INE?
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias é realizado anualmente através de entrevistas presenciais assistidas por computador. Em 2019, dirigiu-se a 15.454 famílias, das quais 13.570 com resposta completa (com recolha de dados sobre 33 081 pessoas; 28 783 com 16 e mais anos). A operação de recolha decorre normalmente no 2.º trimestre de cada ano. A.S.

Por que há mais trabalhadores pobres? São precários e mal pagos

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Percentagem da população empregada em situação de pobreza recuou a valores de 2016. Um em cada dez trabalhadores está abaixo do limiar da pobreza, traçado nos 501 euros por mês

A taxa de pobreza relativa manteve a tendência de descida no ano passado, mas não entre quem trabalha. Aí, a população empregada até deu dois passos atrás: recuou ao valor de 2016. O que fez subir o número de trabalhadores pobres? E que pobreza foi essa que diminuiu, afinal?

O balanço resulta do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) esta terça-feira. Concerne a um período de crescimento económico, com taxas de desemprego historicamente baixas (7% em 2018).

Carlos Farinha Rodrigues, um dos grandes estudiosos da pobreza e da desigualdade, começa por apontar uma explicação positiva: o rendimento nacional mediano “cresceu 7,2% em termos nominais e 6,2% em termos reais” entre 2017 e 2018. E isso “tem consequências imediatas no limiar do risco de pobreza”, que corresponde a 60% do rendimento mediano por adulto equivalente.

Na prática, a linha de pobreza era traçada nos 468 euros por mês e passou a sê-lo nos 501 euros. “Uma pessoa que ganha 480 euros não era considerada pobre em 2017, mas em 2018 já é”, exemplifica aquele professor do Instituto Superior de Economia e Gestão. “A linha que separa os pobres dos não pobres subiu. Apesar disso, a taxa de pobreza do conjunto da população diminuiu 0,1%.

Salários muito baixos
Sérgio Aires, sociólogo especializado em pobreza que já foi presidente da EAPN – Rede Europeia Antipobreza e director do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, olha para os cálculos sobre trabalhadores pobres, que foram sendo publicados pelo INE ao longo da última década, e repara nos dois passos atrás: 10,3% (2010) 9,9% (2011) 10,5% (2012) 10,7% (2013), 10,9% (2014) 10,9% (2015) 10,8% (2016) 9,7% (2017) 10,8% (2018).

O fenómeno dos trabalhadores pobres, como diz Renato Miguel do Carmo, professor do Instituto Universitário de Lisboa e director do Observatório das Desigualdades, “é persistente”. E a razão maior não oferece mistério: “Temos salários muito baixos.”

Apesar dos aumentos verificados nos últimos anos, o salário mínimo permanece abaixo da média da União Europeia. A diferença entre o salário médio e o salário mínimo em Portugal é uma das mais baixas do espaço comunitário. E é estreita a diferença entre o salário mínimo e o limiar da pobreza. Em 2018, ficava-se pelos 80 euros.

Para lá do baixo valor dos salários, há a natureza dos vínculos contratuais. “A precariedade aumentou bastante em alguns sectores”, salienta Renato do Carmo. Os relatórios internacionais tendem a realçar a hotelaria, a restauração e a construção, mas o leque é cada vez mais diverso. “Há fenómenos novos que acabaram por reforçar tendências antigas”.

As estatísticas estão aí para o comprovar. No primeiro trimestre deste ano, os trabalhadores com contrato a termo e os trabalhadores noutras situações precárias representam 21,3% do total. Não muito diferente do que se encontra recuando até ao primeiro trimestre de 2011: 21,9%.

Ao mesmo tempo, a taxa de pobreza relativa subiu ainda mais entre a população de desempregados, fortalecendo uma tendência que vinha praticamente desde que o desemprego começou a descer: 36,9 em 2010, 38,3 em 2011, 40,3 em 2012, 40,4 em 2013, 42,0 em 2014, 42,0% em 2015, 44,8 em 2016, 45,7% em 2017, 47,5% em 2018.

É a mais elevada percentagem de desempregados em situação de pobreza desta década que agora termina. “Em cada dois desempregados, um é pobre”, arredonda Carlos Farinha Rodrigues.
Há que entender que o universo de desempregados encolheu, como lembra Renato do Carmo. O número de desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) atingiu em Setembro deste ano o valor mais baixo deste século (301,3 mil). Para encontrar um número mais baixo (297 mil) é preciso retroceder até Dezembro de 1991. “Os desempregados que subsistem são os que têm maior dificuldade em inserir-se no mercado de trabalho”, menciona. Para estes, ainda não chegaram os efeitos da recuperação económica e do crescimento de rendimentos. “É um indicador muito claro de que as políticas públicas devem prestar uma atenção particular a estas pessoas”, avisa Farinha Rodrigues.

Dar a cara pela pobreza. “Tenho deficiência, sou mulata, desempregada, mãe solteira. Querem mais?”
Houve um esforço para aumentar a cobertura das prestações de desemprego. Segundo o Instituto do Emprego e Formação Profissional, a taxa tem vindo a manter-se acima dos 50% desde Maio de 2018. Aumentou nove pontos percentuais desde o início do primeiro governo liderado por António Costa (para 55,7%). Ainda assim, como lembra Sérgio Aires, muitos ficam de fora.

Dois terços dos desempregados sem protecção
Num comunicado que emitiu esta terça-feira, a CGTP-IN salienta que “mais de dois terços dos desempregados não têm prestações de desemprego devido à precariedade ou ao esgotamento das prestações”. E que os que as têm “não ultrapassam os 497 euros em termos médios, um valor inferior ao limiar de pobreza”. Defende não só um aumento de salários, mas também um reforço da “protecção social e da abrangência no montante dos subsídios”. Reclama combate à precariedade e ao desemprego e a promoção de políticas de desenvolvimento.

Taxa de pobreza e exclusão baixou e Portugal alcançou média da União Europeia
“Estar empregado ou não é uma característica individual, mas ser pobre ou não depende muito da família em que se está inserido”, diz Carlos Farinha Rodrigues. As prestações sociais também fazem muita diferença.
Se a pobreza está a aumentar entre empregados e desempregados, onde é que está a diminuir? Nos reformados (15,7% para 15,5%) e nas crianças e jovens com menos de 18 anos (19% para 18,5%). “A pobreza que diminui é a dos ‘colchões’, ou seja, a da parca protecção social”, comenta Sérgio Aires, numa alusão ao abono de família e ao complemento solidário para idosos. “Diminui a que recebe remendos do Estado que podem ser interrompidos a qualquer momento.”


“O violador és tu”: a música de protesto das mulheres do Chile que está a arrepiar o mundo

Sofia Neves, in Público on-line

"É femicídio, impunidade para o meu assassino. É o desaparecimento. É violação. E a culpa não era minha, nem de onde estava, nem do que vestia. O violador és tu".

A "convocatória" chegou através das redes sociais: o colectivo feminista chileno Lastesis chamava todas as mulheres a participarem numa intervenção a ser realizada esta segunda-feira, dia 25 de Novembro, em Santiago do Chile, no Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, que também foi assinalado em Portugal com várias iniciativas. O dress code era fundamental: algo que as mulheres usassem para sair à noite, roupa de festa com glitter ou transparências, e uma venda preta.

O mais importante, porém, era mesmo saber a letra da música e a respectiva coreografia da performance Un Violador en tu Camino. Até foi disponibilizado um vídeo de uma acção anterior para que todos os interessados pudessem aprender a melodia. "Para aqueles que querem acompanhar-nos, mas não intervir, convidamos a participar fazendo um círculo de contenção/campo de força [à volta]", escreveu ainda o colectivo numa publicação na sua página do Instagram.

Como não bastam cartazes, gritos e palavras, as jovens do Latesis decidiram recorrer à música para fazerem passar a sua mensagem. Espalhadas em grupos por vários pontos estratégicos de Santiago do Chile (junto ao Tribunal de Justiça, no campus da Universidade Mayor ou no centro da cidade), centenas de mulheres protestaram contra o femicídio e exigiam medidas mais duras por parte do Governo. E se o objectivo era serem ouvidas pela população e governantes do Chile, esse foi em muito ultrapassado.

Os vídeos filmados por espectadores das várias performances estão desde então a ser partilhados nas redes sociais e vários já contam com mais de 10 mil visualizações — entre eles está este, realizado pelo Colectivo Registro Callejero. O sucesso da música foi tal que as activistas (que se dizem "gratas" pela mensagem ter chegado a tanta gente) já convocou uma nova data para uma intervenção semelhante, desta vez mundial. O Latesis incentiva todas as mulheres a levarem esta acção para a rua no dia 29 de Novembro, para que a mensagem "seja ouvida por todos e em os territórios".

Segundo a Rede Chilena Contra a Violência Sobre as Mulheres, em 2019 registaram-se 58 femicídios no país, refere o jornal espanhol Público. E desde que começaram os protestos contra as desiguldades sociais, têm-se multiplicado denúncias de violência contra mulheres nas manifestações chilenas — o mesmo periódico indica que o Instituto Nacional de Direitos Humanos apresentou 79 queixas por violência sexual.

O aumento do preço do metro foi a faísca que desencadeou as manifestações, ainda em Outubro, mas depois do envio do Exército para as ruas, mais de um milhão de pessoas saíram para as ruas. A contestação levou inclusive o país a cancelar a cimeira do Clima COP25. O Governo tem tentado apaziguar a tensão social que está a mergulhar o país numa crise institucional. Desde que os protestos começaram, já morreram 22 pessoas e mais de duas mil ficaram feridas, mas está instalada sobretudo uma desconfiança aguda da população em relação às instituições.



27.11.19

17,2% das pessoas em risco de pobreza em Portugal

in TVI24

Os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento foi divulgado esta terça-feira pelo INE

O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em relação a 2018 indica que 17,2% das pessoas estavam nesse ano em risco de pobreza, menos 0,1 ponto percentual (p.p.) que em 2017. Mas ainda há cerca de 2,2 milhões de pessoas que estão em risco de pobreza ou exclusão social.

De acordo com os dados divulgados esta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), a redução do risco de pobreza abrangeu em particular os menores de 18 anos, de 19,0% em 2017 para 18,5% em 2018, e a população idosa, de 17,7% para 17,3%.

Correspondia à proporção de habitantes com rendimentos monetários líquidos inferiores a 6.014 euros anuais, o equivalente a 501 euros mensais, mais 34 euros relativamente a 2017.

Apesar da redução do risco de pobreza infantil, em 2018 a presença das crianças num agregado familiar continuava a estar associada a um risco de pobreza acrescido, sobretudo no caso dos agregados constituídos por um adulto com pelo menos uma criança dependente (33,9%) e naqueles constituídos por dois adultos com três ou mais crianças dependentes (30,2%)", refere o INE.

Em 2018, também baixou o risco de pobreza para as mulheres em 0,1 p.p. relativamente a 2017, de 17,9% para 17,8%, tendo-se mantido nos homens (16,6%).
Já na população empregada, o risco de pobreza aumentou, situando-se nos 10,8% em 2018, mais 1,1 p.p. do que no ano anterior.

Apesar da população desempregada continuar a diminuir, o aumento da linha de pobreza relativa em 2018 refletiu-se num novo aumento do risco de pobreza” para esta população: de 45,7% em 2017 para 47,5% em 2018.
O indicador que conjuga as condições de risco de pobreza, de privação material severa e de intensidade laboral ‘per capita’ muito reduzida revelou que cerca de 2,2 milhões de pessoas estão em risco de pobreza ou exclusão social em 2019 (21,6% da população).

O INE observa que se se considerasse apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 43,4% da população em Portugal estaria em risco de pobreza em 2018.
Os rendimentos provenientes de pensões de reforma e sobrevivência contribuíram em 2018 para um decréscimo de 20,7 p.p. no risco de pobreza.

Já as transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social contribuíram para a redução do risco de pobreza em 5,4 p.p., idêntica ao ano anterior.

EAPN: Pobreza tem nova estratégia de combate

in CorprateMagazine

Padre Jardim Moreira, fundador da Rede Europeia Anti Pobreza em Portugal

A Rede Europeia Anti Pobreza (EAPN) estuda as causas que geram situações de pobreza e soluções a implementar a montante. Na perspetiva da EAPN, cada pessoa está na centralidade da luta pela erradicação da pobreza. A IN conversou com o padre Jardim Moreira, fundador da rede em Portugal, e aprendeu mais sobre o assunto.

A EAPN nasceu em Bruxelas pelo então presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, para perceber onde é que há pessoas em situação de pobreza e quais as causas que a geram. Chegou a Portugal um ano mais tarde pela mão do padre Jardim Moreira, em 1991.

Esta rede tem como ponto de partida a consciencialização da pobreza. “Quando comecei o trabalho não se sabia quantos pobres existiam em Portugal. Que país maravilhoso, não há pobres”, ironiza o fundador. A pobreza era um assunto que não se tratava – uma inevitabilidade.

Consciencializando o país, formando agentes-chave e responsabilizando políticos, a rede isoladamente é impotente porque não controla a educação, saúde, habitação e cultura. “Se formos capazes de comunicar ao país que há uma forma diferente de resolver a pobreza já é uma vitória”, explica o atual pároco de São Nicolau e Vitória, no Porto.

As causas da pobreza são estruturais e multidimensionais e só com uma intervenção estrutural é possível retirar alguém de lá. Caso contrário, o número de pobres continuará a variar ao sabor das flutuações económicas.
Em Portugal, só se sai da pobreza na quinta geração – cerca de cem anos. Por outro lado, sabemos que sem as transferências do estado existiriam mais de 40 por cento de pessoas em situação de pobreza, segundo dados do INE – anualmente gasta-se cerca de 330 milhares de euros com o RSI (Rendimento Social de Inserção).

Jardim Moreira conclui que “as políticas atuais não são eficazes para tirar alguém da pobreza. Necessitamos de encontrar uma estratégia que atue nas causas. Em Portugal, não se tira ninguém da pobreza. Impede-se que morram à fome. É hora de considerar a pessoa no seu pleno desenvolvimento de modo a que com auto-estima consiga construir a sua libertação humana.”

Solução passa por três eixos
A EAPN propõe uma estratégia estruturada em três eixos: macro, meso e micro. O eixo macro desenvolve-se a partir da Assembleia da República (AR) e órgãos de poder central. Estipula a criação de leis para que a pessoa seja a centralidade do problema. “Apenas através do desenvolvimento integrado da pessoa humana é possível erradicar a pobreza. É diferente de iludir a pessoa com tostões”, refere o presidente da rede em Portugal.
É fundamental criar um trabalho em rede e surge, então, a zona meso que faz a ponte entre a macro e a micro, promovendo a transferência de poder do central para as autarquias. Estas devem fazer protocolos com empresas, que na opinião de Jardim Moreira, “têm estado arredadas deste assunto”. De acordo com o Eurostat , em 2018 9,7 por cento dos trabalhadores estavam em risco de pobreza. “As empresas devem exercer a sua responsabilidade social”, sublinha.

Em cada autarquia deve-se trabalhar para estabelecer um projeto-piloto onde os técnicos façam o diagnóstico da família, nunca esquecendo o conceito de rede e o trabalho multidisciplinar e articulado. “As câmaras têm um papel fundamental no descentralizar da AR para o terreno que é concretizado na parte micro, ao nível das Juntas”, relata o pároco.

O plano é posto em prática no eixo micro. “Devemos ensinar as pessoas a rever a gestão da casa e dos recursos – o coaching”, detalha Jardim Moreira que acrescenta que “a avaliação deve ser contínua e periódica e liderada pelas pessoas – o ideal é que a pessoa, pelos seu próprios pés, possa sair da situação de pobreza.”

A teoria está relacionada com o estudo das Universidades de Harvard, nos Estados Unidos, e de Utrecht, na Holanda, que associa a pobreza a traumas cerebrais. Um dos pontos centrais da pobreza não é a economia, mas o bloqueio cerebral da parte frontal (decisões) e occipital (auto-estima e emoções).

Além disto a ação da EAPN é também sustentada pelo estudo de Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, laureados com o Nobel da Economia de 2019, “pela abordagem experimental para aliviar a pobreza global”.
Conselho Social Nacional

De modo a reunir esforços dentro da sociedade civil,o padre Jardim Moreira está a impulsionar um novo grupo chamado Conselho Social Nacional. Tudo começou quando “o Presidente da República disse que tínhamos que dar um passo em frente”.

Daí foi um passo até começar a reunir e promover o contacto com pessoas que se mostraram disponíveis: o ex-Reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo, e o médico e investigador do IPATIMUP Sobrinho Simões, entre outros. “Reunimos represe
ntantes da sociedade civil para trabalhar com câmaras e instituições. Além disto, trabalhamos com a Universidade de Aveiro que está na vanguarda relativamente à quarta revolução industrial”, acrescenta.
O objetivo é chamar representantes da sociedade civil que não estejam conotados com nenhum partido e sejam livres na defesa dos direitos humanos e na implementação do seu desenvolvimento integral para reforçar e mobilizar o apoio civil na luta contra a pobreza.

Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Vitória
O Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Vitória (CSPNSV) é um associado da EAPN. Com um vasto leque de valências, o centro não se resume ao papel de entidade assistencialista e tenta ir além das políticas sociais do Estado.

O CSPNSV é uma importante resposta social no centro histórico do Porto e tem um variado leque de valências: creche, jardim de infância, casa jovem com Centro de Atividade de Tempos Livres (CATL), lar, centro de dia, centro de convívio, casa da amizade e serviço de apoio domiciliário (SAD).

O presidente é o padre Jardim Moreira e, por isso, a aplicação do modelo da EAPN em escala menor é uma das aspirações do CSPNSV. Contudo, “os protocolos com o Estado são sempre dedicados às políticas sociais do estado e por isso é difícil fazer mais”.

“O dinheiro estatal não cobre 50 por cento das despesas, o que limita qualquer instituição a fazer mais que o simples assistencialismo porque não tem capacidade de ir além do cumprimento das respostas sociais”, sublinha o pároco.

Apesar disto, no CSPNSV o foco do trabalho está nas famílias e não apenas nas crianças. É importante fazer o acompanhamento das mães grávidas desde o primeiro dia e da criança até que tenha três anos. Esta é a etapa mais relevante no desenvolvimento da criança e as carências que se possam experienciar neste período são irreversíveis. “Uma criança que não tenha em casa condições para tomar o seu banho e um espaço para estudar, não vai ter sucesso escolar. Não tem interesse, não se sente motivada”, sublinha o padre Jardim.

O trabalho em parceria com outras entidades é de extrema importância para o CSPNSV. “Temos parceria com a Profitecla e com o Externato do Ribadouro, por exemplo. Os professores vêm cá e trazem alunos para que as crianças possam conviver entre si”, conta o sacerdote, relembrando a atuação dos alunos na CSPNSV na Casa da Música.

Para os idosos há um ambiente familiar, “com distrações para que todos os dias sejam diferentes”. Além disto, não há ninguém que não consiga comprar medicamentos porque o CSPNSV tem protocolos com farmácias. “Toda a gente com capitação inferior a 150 euros tem medicamentos grátis, um esforço que a Instituição faz de forma autónoma sem qualquer apoio excepto o apoio dado pelas farmácias”, reforça Jardim Moreira.
O voluntariado também tem desempenhado um importante papel. “Há dois grupos de estudantes universitários que trabalham connosco em regime voluntariado e temos uma proposta de alunos de Psicologia para trabalharem junto de pessoas com mais idade e apoiá-los com base na componente psicológica”, assegura.

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INE. 17,2% da população em risco de pobreza em 2018

por RTP

O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2019 sobre rendimentos do ano anterior, indica que 17,2% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2018, menos 0,1 ponto percentual do que em 2017. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, a redução do risco de pobreza abrangeu em particular os menores de 18 anos e a população idosa.

A taxa de risco de pobreza corresponde à proporção de habitantes com rendimentos monetários líqidos (por adulto) inferiores a 6014 euros anuais, explica o INE. São 501 euros por mês, mais 34 euros do que no ano anterior.


De acordo com o INE, a redução do risco de pobreza abrangeu em particular os menores de 18 anos, com uma quebra de 19% em 2017 para 18,5% em 2018.

Verificou-se igualmente um redução para a população idosa, de 17,7% para 17,3%.

Em sentido inverso, aumentou a taxa de pobreza para os adultos em idade ativa. Passou para os 16,9%, mais 0,2 pontos percentuais do que em 2017.

Nos dados agora revelados pelo INE, é também possível verificar que em 2018 o risco de pobreza para as mulheres caiu 0,1 pontos percentuais - de 17,9 em 2017 para 17,8 em 2018 - mas manteve-se inalterado no caso dos homens nos 16,6 por cento.

Risco diminuiu para reformados mas aumentou para empregados e desempregados

O risco de pobreza para a população empregada aumentou 1,1 pontos percentuais, para os 10,8%. Diz o INE que "apesar da população desempregada continuar a diminuir, o aumento da linha de pobreza relativa em 2018 refletiu-se num novo aumento do risco de pobreza para a população em situação de desemprego: de 45,7% em 2017 para 47,5% em 2018".

Pelo contrário, diminuiu o risco de pobreza para a população reformada. Está agora nos 15,2%, menos 0,5 pontos percentuais do que em 2017 (15,7%).
Maior risco para famílias com crianças

De acordo com o INE, o risco de pobreza diminuiu para os agregados sem crianças dependentes mas aumentou para os agregados com crianças dependentes. Mais 0,2 pontos percentuais (18,3%) do que em 2017.

"Apesar da redução do risco de pobreza infantil, em 2018, a presença das crianças num agregado familiar continuava a estar associada a um risco de pobreza acrescido", lê-se no relatório, "sobretudo no caso dos agregados constituídos por um adulto com pelo menos uma criança dependente (33,9%) e naqueles constituídos por dois adultos com três ou mais crianças dependentes (30,2%).
Regiões autónomas com maior risco de pobreza

As regiões autónomas dos Açores e da Madeira continuam a apresentar um risco de pobreza acima da média nacional: 31,8% nos Açores e 27,8% na Madeira.

Outro dado que salta à vista no relatório do INE é que a Área Metropolitana de Lisboa tinha em 2018 uma taxa de risco de probreza significativamente inferior ao valor nacional. 13,3%, menos 3,9 pontos percentuais do que o risco de porbreza nacional (17,2%).

A seguir à regiões autónomas com o valor mais alto do risco de pobreza, aparece o Algarve, com uma taxa de 18,7%. A região Norte de seguida (18,3%), Alentejo com 17,9% e o centro do país com 17,3%.

Uma em cada três é pobre: risco de pobreza aumenta nas famílias monoparentais

Raquel Albuquerque, in Expresso

Alguns indicadores de pobreza melhoraram em 2018, mas a taxa manteve-se quase igual a 2017, mostra o INE. O risco diminuiu entre os jovens e os idosos, mas aumentou noutros casos. Número de trabalhadores pobres subiu, ou seja, há agora mais pessoas empregadas a viver com menos de 501 euros por mês

A taxa de risco de pobreza em 2018 estabilizou nos 17,2%. A diferença é de apenas menos 0,1 ponto percentual em relação aos 17,3% de portugueses que, em 2017, viviam abaixo do limiar de pobreza, mostram os dados sobre rendimentos e condições de vida divulgados esta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Porém, há um grupo específico onde a pobreza aumentou com mais intensidade no ano passado: as famílias monoparentais.

Uma em cada três famílias constituídas só por uma mãe ou um pai com pelo menos uma criança (33,9%) está em risco de pobreza. E face ao ano anterior a diferença é de 5,6 pontos percentuais, o que faz das famílias monoparentais o grupo em que a pobreza mais se intensificou em 2018. Carlos Farinha Rodrigues, especialista em pobreza e desigualdades económicas, sublinha precisamente esse como o aspeto "mais alarmante" dos dados agora divulgados.

"Estas famílias representam um grupo pequeno mas sabemos que em 2017 constituíam 7% da população pobre. Para 2018 ainda não temos o número atualizado", indica o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), alertando para a necessidade de prestar uma "atenção especial" a este caso. O especialista sublinha porém que a evolução geral dos vários indicadores de pobreza no ano passado é positiva, sobretudo tendo em conta a subida dos rendimentos. Só que nem todos a sentiram da mesma forma.

Ainda que com diferenças muito ténues, foi entre os jovens e a população idosa que a pobreza diminuiu, passando de 19% para 18,5% entre os menores de 18 anos e de 17,7% para 17,3% entre os idosos. É de sublinhar que, em 2017, em contraciclo com a melhoria de todos os indicadores de pobreza, se tinha registado um agravamento da pobreza entre as pessoas com mais de 65 anos.

"Apesar da redução do risco de pobreza infantil, em 2018, a presença das crianças num agregado familiar continuava a estar associada a um risco de pobreza acrescido, sobretudo no caso dos agregados constituídos por um adulto com pelo menos uma criança dependente (33,9%) e naqueles constituídos por dois adultos com três ou mais crianças dependentes (30,2%)", conclui o INE. Apesar do risco de pobreza nas mulheres também ter descido ligeiramente, continua a haver mais mulheres em situação de pobreza (17,8%) do que homens (16,6%).

É de referir ainda que o risco de pobreza teve uma ligeira descida entre os reformados, mas aumentou no caso das pessoas empregadas e desempregadas. Ou seja, há 10,8% de trabalhadores pobres em Portugal que vivem com menos de 501 euros por mês.

A taxa de risco de pobreza mostra a proporção de pessoas a viver em Portugal que em 2018 viviam com menos de 501 euros por mês. Este valor é a chamada linha de pobreza, que corresponde a 60% da mediana do rendimento por adulto. Sempre que os rendimentos aumentam, esta linha também sobe, fazendo assim oscilar tecnicamente o número de pessoas em situação de pobreza. Em 2017, ser pobre era viver com menos de 468 euros por mês. Mas, segundo este indicador, em 2018, viver em risco de pobreza é ter menos de 501 euros mensais.

Um outro indicador, usado para comparar os países europeus, junta ao número de pessoas em risco de pobreza as que estão em risco de exclusão social. E em 2019, cerca de 2,2 milhões de portugueses viviam nesta situação. Isso corresponde a 21,6% da população, uma percentagem que não teve qualquer diminuição em relação ao ano anterior.

Desigualdades diminuem mas ainda são acentuadas
Ainda que o nível de desigualdades económicas em Portugal se mantenha elevado, dois dos indicadores usados para as medir atenuaram-se em 2018. O coeficiente de Gini, que mede a distribuição de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres, baixou para 31,9%. E este é o valor mais baixo desde 2003, quando o INE começou a publicar esta série estatística.

Outro dado positivo é a redução da privação material, ainda que 15,1% dos portugueses vivam sem capacidade de assegurar o pagamento de algumas despesas, como as rendas, o consumo de carne ou peixe pelo menos de dois em dois dias ou o aquecimento da casa. Segundo o INE, apesar de a percentagem ter descido, 18,9% dos portugueses não conseguem manter a casa adequadamente aquecida, por incapacidade de pagar essa despesa.

Portugal: Rede Europeia Anti Pobreza defende estratégia nacional para evitar repetição de ciclos de exclusão

in Ecclesia

Padre Agostinho Jardim Moreira comenta dados divulgados pelo INE

Porto, 27 nov 2019 (Ecclesia) – O presidente da Rede Europeia Anti Pobreza Portugal (EAPN) defendeu hoje uma estratégia nacional para evitar a repetição de ciclos de exclusão e uma análise “capilar” para procurar superar o problema dos trabalhadores que vivem com menos de 501 euros.

“É uma injustiça que haja gerações que nascem e morrem sucessivamente sem poderem viver uma vida digna. Quer dizer que a justiça em Portugal está longe de se aplicar a todos os portugueses. Entendo que a democracia está doente porque não se aplica”, referiu à Agência ECCLESIA o padre Agostinho Jardim Moreira.

O entrevistado comentava os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, relativo a 2018, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), segundo o qual 11% dos trabalhadores portugueses vivem com menos de 501 euros mensais e metade dos desempregados são pobres.

“Espero que as empresas sejam menos autofágicas, quando apenas dedicam alguma verba para a pobreza e no fim aplicam-na apenas nos seus próprios interesses internos”, realçou.

O padre Agostinho Jardim Moreira considera negativo o aumento da pobreza nos trabalhadores e alerta que “muitos empregos são mal pagos, são precários, o que não é razoável”.

Para o presidente da EAPN Portugal, o número “é tão elevado” que parece que todo o setor empresarial “precisa de ser despertado”.
É uma questão de justiça social, dos patrões e das empresas na empregabilidade, têm dificuldades de remunerar os trabalhadores É necessário despertar as empresas para a sua responsabilidade social, capacitarmos os excluídos para darmos inserção na vida laboral”.

O documento do INE, publicado esta terça-feira, informa que “17,2% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2018”, menos 0,1 ponto percentual (p.p.) do que no ano anterior.
“Dá uma perspetiva de reduzida melhora na situação dos mais débeis”, observou o padre Agostinho Jardim Moreira, destacando alguns fatores como a descida do desemprego, o aumento do rendimento mínimo – que “também ajudou certamente outros a melhorar a sua receita mensal”.

Assinalando que a vida dos idosos “também melhorou, com aumento de algumas receitas, de alguns subsídios”, o sacerdote da Diocese do Porto alerta, sobre a ‘redução do risco de pobreza infantil’, que “não há crianças pobres”, mas “família pobres, sejam mais agregadas ou monoparentais”.

O presidente da EAPN Portugal considera que a pobreza é “um fator multidimensional e estrutural” e é necessário “entrar num entendimento do bem coletivo e não apenas no bem micro, ter uma atitude mais global e justa para todos os portugueses”.

Neste contexto, recorda que têm apelado desde o Presidente da República aos partidos na Assembleia da República para a necessidade de Portugal “ter uma estratégia concertada e que responda às causas geradoras da pobreza”.
O entrevistado salientou que “é importante” na atual Legislatura conseguirem, “com o Governo, aprovar uma estratégia nacional para evitar que os portugueses se reproduzam na pobreza” e recordou que o estudo apresentado o ano passado alerta que em Portugal “são preciso cinco gerações para sair da pobreza”.

A European Anti Poverty Network é a “maior rede europeia de redes nacionais, regionais e locais de organizações não-governamentais”, fundada em 1990, em Bruxelas, e criada em Portugal a 17 de dezembro de 1991.
CB/OC

22.11.19

Ajuda externa - Países pobres recebem menos de 10% da ajuda ao desenvolvimento da UE

in Público on-line

Rede europeia de organizações não-governamentais Concord alerta que ajuda pública ao desenvolvimento disponibilizada pelos países da UE está a perder peso no PIB, afastando-se da meta definida para 2030.51

Menos de 10% da ajuda pública ao desenvolvimento da União Europeia foi para os designados países menos desenvolvidos em 2018, conclui o relatório anual AidWatch, que assinala uma quebra no volume do apoio europeu pelo segundo ano consecutivo.

No Dubai, “tudo se reinventa” — e Pauliana retratou um país “surreal”
O estudo, elaborado pelo grupo de monitorização da rede europeia de organizações não-governamentais Concord, destaca que os países mais pobres recebem apenas 8% da ajuda total da União Europeia (UE). Entre os 10 países que mais ajuda europeia recebem, apenas dois foram identificados no estudo - Somália e Afeganistão - como menos desenvolvidos. Turquia, Iraque, Afeganistão, Cisjordânia e Faixa de Gaza, Marrocos, Índia, Nigéria, Etiópia, Somália e Síria são os países que mais ajuda recebem da UE.

A União Europeia e os seus estados-membros mantiveram-se como o maior grupo doador mundial, investindo 71,9 mil milhões de euros em 2018, mais de metade da ajuda global, mas este valor representa uma quebra de 5,8% relativamente a 2017, refere ainda o relatório. A Concord sublinha, neste contexto, que a União Europeia está a regredir no percurso para atingir o objectivo de destinar 0,7% do rendimento nacional bruto (RNB) combinado dos países à ajuda ao desenvolvimento em 2030 e estima que, a este ritmo de crescimento, essa meta só será alcançada em 2061.
De acordo com o estudo, a ajuda caiu para 0,47% do RNB combinado no ano passado, comparado com os 0,49% em 2017 e os 0,51% em 2016. Apenas Suécia, Luxemburgo, Dinamarca e Reino Unido já alcançaram o compromisso de 0,7%, que tinha sido inicialmente assumido para 2015 e foi adiado para 2030. Em 2018, a ajuda de cinco países - Itália, Grécia, Finlândia, Áustria e Lituânia - caiu 10%.

“O relatório AidWatch mostra que a atribuição da ajuda pública ao desenvolvimento da UE não está a ser guiada pelos altos níveis de pobreza e desigualdade em algumas regiões do mundo”, adiantou a Concord. Luca De Fraia, da ActionAid Italy, constatou o afastamento à Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável: “Não estamos apenas a falhar as metas em termos de quantidade, mas também a qualidade da ajuda está a piorar”.
“Há menos recursos da UE dedicados à erradicação da pobreza e ao desenvolvimento sustentável. Como consequência, há vários anos que os interesses europeus estão a tomar conta dos objectivos de desenvolvimento, há uma mudança nos receptores da ajuda e isso está a afectar muito os países e a deixar pessoas para trás”, reforçou.

O relatório da Concord foi apresentado um dia depois de o estudo da Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), que avalia a ajuda pública ao desenvolvimento portuguesa, e contribui para o estudo AidWatch. Em 2018, Portugal destinou 0,17% do RNB à ajuda pública ao desenvolvimento, o que representa uma descida relativamente aos 0,18% de 2017 e coloca o país mais longe do compromisso de 0,7% assumido para 2030, segundo o relatório da plataforma das ONGD, que teve por base dados preliminares do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)e do instituto Camões, agência de cooperação portuguesa.

A Concord é uma rede de organizações não-governamentais que reúne 28 associações nacionais, incluindo a portuguesa, 23 redes internacionais e representa 2.600 organizações. Desde 2005, a rede realiza através do AidWhatch a monitorização do volume e da qualidade da ajuda da UE e dos seus estados-membros aos países em desenvolvimento.

21.11.19

Quem dá trabalho a ciganos?

in Expresso

São a etnia em Portugal que mais sofre de racismo, discriminação e desigualdade social. E o preconceito continua a ser uma das maiores barreiras à sua integração. Conheça melhor a realidade das comunidades que habitam há mais de cinco séculos no nosso país. Este episódio conta com a participação de Maria Gil, ativista cigana, atriz, feminista. Jornalismo de dados em dois minutos e 59 segundos.

Veja a reportagem aqui.

The Brief: How the incoming Commission plans to tackle poverty in Europe

By Jack Parrock & Grace Murray, in EuroNews

Poverty is a big problem in Europe that concerns millions of people. The entering European Commission plans to tackle the issue by addressing its root: quality jobs.

Alice Kelly comes from a town near Dublin with high unemployment and welfare dependent. In her area, the housing crisis has generated the so-called ‘hidden homeless’: a situation where three generations of a family are squeezed into one house.

"I don’t feel part of the Ireland that is depicted in glossy airline magazines - the brilliant economy, the glitzy fashion the great food producer,” Kelly said.

According to Eurostat 109 million people in the EU are at risk of poverty, the more exposed being women, children, people with migrant background, and single parents.

The incoming Commission president Ursula von der Leyen said she wants to introduce an insurance scheme for unemployment and a minimum wage. But the appointed Commissioner for Jobs Nicholas Schmit wants to take the initiative further.

"Minimum wage is one of the issues but certainly we have to promote quality jobs also because the number of jobs is not so much important, it is the quality of the jobs that are determining,” Schmit said.
Organisations insist it is crucial that national governments provide support to low income workers

“At the moment that is not happening in many of our member states. The minimum income scheme is set at a level that simply does not allow most people to live a dignified life and to participate in society,” said Leo Williams, the director of European Anti-Poverty Network.

The EU wants to reduce poverty by 20 million people by 2020 but missed that target. The hope is that this second chance with the new Commission won’t be wasted.

And other news in brief…
Poland. Despite international criticism, Poland will continue to overhaul its justice system, Prime Minister Mateusz Morawiecki said in a speech before Parliament on Tuesday.

Marowiecki said that his government wanted to improve the state which also means improving the justice system.

Critics say the nationalist Law and Order Party (PiS) introduced changes to the court system that undermine the independence of the judiciary.

Meanwhile, the European Court of Justice ruled that questions over the impartiality of the new Polish judicial supervisory body should be answered by Poland's highest court.

20.11.19

Marcelo pressiona Governo para dar prioridade aos sem-abrigo

João Pedro Henriques, in DN

O Presidente da República convocou a ministra da Segurança Social e ONGs para Belém para falar de integração de pessoas sem-abrigo. Mas antes já tinha um diagnóstico feito. Pouco abonatório para o executivo.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, conversa com a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, antes do inicio da reunião em Belém, ontem, para fazer o "ponto de situação sobre o Plano de Ação 2019-2020 da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo".© António Cotrim/Lusa
A reunião em Belém para fazer "o ponto de situação sobre o Plano de Ação 2019-2020 da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA)" estava marcada para começar, esta segunda-feira, às 17.00.

Duas horas antes, porém, através do Expresso, o Presidente da República, anfitrião e promotor do encontro que levou à Presidência da República a nova ministra da Solidariedade Social, Ana Mendes Godinho, e organizações envolvidas no apoio aos sem-abrigo - entre as quais a Câmara Municipal de Lisboa - já fazia o seu diagnóstico. Pouco agradável para o executivo.
"No essencial, [2019] foi um ano eleitoral parado, até no apoio aos movimentos de voluntários e outros."

Há, segundo disse, um "triplo problema": "paragem no ano eleitoral de 2019", em que o orçamento para o ano no que respeita aos sem-abrigo "só foi aprovado pelo Governo em meados de 2019"; "total falta de casas por causa da vertiginosa subida do custo em Lisboa e no Porto"; e "deficiência da ligação ao Serviço Nacional de Saúde no que toca à saúde mental".
A este "triplo problema" Marcelo juntava um quarto elemento: "Já em 2019, com a desaceleração da economia, houve um aumento, ligeiro, de sem-abrigo." Mas o problema principal é outro: "No essencial [2019] foi um ano eleitoral parado, até no apoio aos movimentos de voluntários e outros."

Foi o caso do recém-nascido encontrado num contentor do lixo, filho de uma mulher sem-abrigo da zona de Santa Apolónia, que pôs a questão dos sem-abrigo no topo da agenda. E Marcelo Rebelo de Sousa tem um velho empenhamento no assunto, por ações de voluntariado, que vêm de muito antes de ser Presidente, associando-se por exemplo aos jantares de Natal para pessoas sem-abrigo organizados pela Comunidade Vida e Paz.
"2023 corresponde ao fim da legislatura que agora começa. A ideia é tudo fazer para que quem quiser possa ter condições para sair da situação de sem-abrigo. É esse o compromisso social traduzido num empenhamento ao longo dos próximos quatro anos."

Marcelo decidiu chamar as entidades envolvidas a Belém mas em rigor não foi a primeira vez que isso aconteceu: já o tinha feito em abril de 2017 para discutir a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-Abrigo (2017-2023).

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, conversa com a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, antes do inicio da reunião em Belém, ontem, para fazer o "ponto de situação sobre o Plano de Ação 2019-2020 da Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo".© António Cotrim/Lusa
Após o encontro de segunda-feira, tanto a ministra Ana Mendes Godinho como o Presidente da República responderam a perguntas dos jornalistas.

Marcelo impôs uma meta ("2023 corresponde ao fim da legislatura que agora começa. A ideia é tudo fazer para que quem quiser possa ter condições para sair da situação de sem-abrigo. É esse o compromisso social traduzido num empenhamento ao longo dos próximos quatro anos"), mas a ministra não se comprometeu com data nenhuma.

"O nosso objetivo é comum, o de retirar [das ruas] e encontrar soluções para as pessoas em situação de sem-abrigo, mobilizando várias formas de diversificação de tipos de alojamento e habitação."

"O nosso objetivo é comum, o de retirar [das ruas] e encontrar soluções para as pessoas em situação de sem-abrigo, mobilizando várias formas de diversificação de tipos de alojamento e habitação. Encontrar também medidas que permitam responder a casos de dificuldades concretas, como a inscrição na Segurança Social ou o de atendimento às sessões de formação. [Há] a necessidade de encontrarmos soluções concretas para estas situações que saem dos modelos típicos que estão previstos", afirmou Ana Mendes Godinho - mas sem pôr nenhuma data no compromisso.

"Esta 'bandeira' não é uma meta do Presidente, é de todos, uma bandeira nacional. Foi um período de transição entre dois anos de ação. Essa transição tem sempre um custo no período de arranque. Entramos no início da velocidade cruzeiro no início de 2020."

O Presidente, pelo meio, mudou o tom em relação ao Governo, procurando mostrar-se menos crítico: "O plano atual é para dois anos. Tem, portanto, uma dotação orçamental para esse período. O grande desafio é em 2020 tomar os recursos disponíveis e atingir metas que permitam avançar para a de 2023. Aquilo que foi o tema da reunião de hoje foi o próximo ano. Surgiram ideias, propósitos e modificações para se chegar a um objetivo desejado por todos os portugueses. Esta bandeira não é uma meta do Presidente, é de todos, uma bandeira nacional. Foi um período de transição entre dois anos de ação. Essa transição tem sempre um custo no período de arranque. Entramos em velocidade de cruzeiro no início de 2020", afirmou, salientando "o apoio do Presidente da República ao Governo" nesta matéria.

Esta segunda-feira, no Facebook, um ex-ministro socialista da Segurança Social, Paulo Pedroso, recordava que o problema dos sem-abrigo é complexo e tem sido mal enfrentado pelos poderes públicos: "Para já, do Estado há planos, papéis mas não recursos alocados. Infelizmente não surpreende. Há muito tempo que a política pública na luta contra a exclusão assenta no princípio de que é boa toda e qualquer medida desde que seja baratinha. E esta não é, exige saúde mental, habitação, apoio psicossocial e coordenação. Exige meios realmente a sério."