No relatório de 2022, a organização humanitária aponta o dedo a Portugal não só nas limitações ao direito à habitação, mas também na continuidade da brutalidade policial, violência e discriminação de género, exploração de migrantes e degradação ambiental
A Amnistia Internacional lança esta terça-feira o seu relatório anual sobre o estado dos direitos humanos no mundo em 2022 e traça os pontos negros identificados em Portugal. O primeiro alerta vai para a continuação da violência policial, já referida em edições anteriores, e para a desresponsabilização dos agentes por má conduta. “Persistem os relatos de uso excessivo da força e de outros maus-tratos pela parte de policiais”, lê-se no documento.
Entre 23 de maio e 3 de junho de 2022, peritos do Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa visitou dez prisões e locais de detenção, quatro postos da GNR e dez esquadras da PSP. A deslocação de 12 dias em território nacional teve por missão fazer o ‘follow up’ da “extensa lista de recomendações” redigida pelo CPT após uma avaliação em 2019, nomeadamente em relação à eficácia da investigação de denúncias de maus tratos por agentes da autoridade e às condições em que ‘vivem’ e como são tratados os reclusos e os detidos. Foi dada especial atenção aos preventivos e às mulheres. O relatório final está ainda em elaboração.
Em matéria de violência sexual e discriminação de género, a Amnistia vai buscar as conclusões da análise periódica da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), realizada em julho de 2022, para apontar o dedo à “inadequação do quadro legislativo e institucional português e à insuficiência de serviços para lidar com a violência de género contra as mulheres”. É referida, em concreto, a preocupação com as taxas de abandono escolar entre as raparigas ciganas devido ao casamento infantil e/ou forçado e à gravidez adolescente, “um problema habitualmente ignorado pelas autoridades”.
A crise habitacional que se vive em Portugal – e que já estava identificada há alguns anos - é o terceiro ponto que suscita críticas à Amnistia Internacional. “As medidas tomadas pelo Governo [em 2022] foram insuficientes para melhorar as condições de habitação e garantir casas acessíveis, apesar dos dados divulgados no final de 2021 mostrarem que mais de 38 mil pessoas precisavam de um teto. A isso junta-se a manutenção de relatos de “despejos forçados que deixam as pessoas em piores condições habitacionais, em alguns casos sem-abrigo”, e que afetam “desproporcionalmente” a população de etnia cigana e de origem africana.
Casos de exploração de milhares de trabalhadores migrantes na agricultura, a maioria do sudeste asiático, e as condições inadequadas de habitação em que vivem merecem outro puxão de orelhas a Portugal por parte da organização. É dado como exemplo o caso de Odemira, revelado em janeiro de 2022. Em junho, o Grupo de Peritos sobre o Tráfico de Seres Humanos (GRETA), do Conselho da Europa, que tinha visitado o país em 2021, assinalou que a exploração laboral mantinha-se como a forma mais comum de abuso das vítimas, atingindo principalmente o setor agrícola e a hotelaria.
Por fim, a Amnistia Internacional critica a lentidão de Portugal em matéria ambiental. Após uma visita ao país, em setembro de 2022 o relator especial para os direitos humanos e ambiente das Nações Unidas concluiu que as autoridades nacionais têm de acelerar a sua atuação no combate à poluição do ar e gestão de resíduos, e na prevenção dos grandes incêndios florestais. Citando dados da Direção-Geral da Saúde, de julho de 2022, a organização humanitária alerta para as mais de mil mortes relacionadas com vagas de calor extremo nesse ano. E fala também da seca que, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em agosto de 2022 era severa em 60,4% do território nacional e extrema em 39,6%.