João Carlos, in Notícias Online
A decisão do Governo de Lisboa em facilitar os vistos de entrada e legalização dos cidadãos dos demais países de língua portuguesa criou muitas expetativas e encontrou grande afluência no registo online.Na primeira semana após o início do processo de legalização,da autorização de residência houve um grande afluxo de imigrantes dos países africanos lusófonos à plataforma online do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Até esta terça-feira (21.03), os pedidos de autorização de residência já tinham ultrapassado os 85 mil, depois da entrada em funcionamento do portal do SEF, de acordo com o Ministério da Administração Interna (MAI).
Daqueles pedidos, o SEF emitiu mais de 74 mil documentos com referência para pagamento das autorizações de residência – indica uma nota oficial do MAI a que a DW teve acesso.
Falta de informação
Mas, muitos cidadãos oriundos de África sem informações sobre o acordo de mobilidade e o processo para a obtenção de autorização de residência dizem-se desnorteados porque não conseguem aceder ao site do SEF. É o caso de Miksaica Neto, jovem são-tomense recém-chegada a Portugal, que teve de recorrer à ajuda da Associação Solidariedade Imigrante para conseguir obter a sua manifestação de interesse.
"Ainda não consegui entrar no site”, lamentou Miksaica. Quando a DW falou a jovem, esta ainda aguardava pela carta de manifestação de interesse "então, quando [tiver o documento] vou ver qual é o procedimento que tenho que seguir para dar entrada às coisas [o processo no SEF]”, contou.
A jovem são-tomense, que foi para estudar e trabalhar em Portugal, está entre os imigrantes que se socorrem a associações e gabinetes de advogados para contornarem os constrangimentos no acesso ao portal, resultantes do aumento substancial do tráfego na rede SEF.
Despero e medo
Há cidadãos oriundosdos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) que, ao abrigo do acordo de mobilidade, conseguiram os respetivos certificados, nomeadamente para estudo e intercâmbio na área do ensino, ou ainda de férias e em busca de assistência médica. Mas para muitos com expetativa de emigrar, o sistema não está a corresponder, adverte Indira Fernando.
Indira Fernando, advogada que tem auxiliado cidadãos em situação irregular, diz que ainda há ambiguidades e falta de informação por parte das autoridades oficiais. Por um lado, existem os vistos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), válidos por um ano ao abrigo do acordo de mobilidade e, por outro, está aberto o processo de legalização para aqueles que já fizeram a sua manifestação de interesse até 31 de dezembro de 2022.
Segundo a jurista angolana "as pessoas foram surpreendidas com o modo de efetivação deste processo e pouco foi dito”, lamenta Indira, justificando que "as pessoas nunca sabem o que têm de fazer face a todas as burocracias por que têm de passar”.
Houve casos de imigrantes que, ávidos de obterem uma autorização de residência, que cancelaram as suas manifestações de interesse depois do anúncio da entrada em vigor dos vistos CPLP,adianta Indira Fernando.
"Mas depois quando voltaram para o portal para concluir o processo e poderem extrair a documentação para fazer o pagamento nas 48 horas necessárias e terem o tal certificado de mobilidade, a plataforma deu erro. Então, acabou por acontecer que algumas dessas pessoas perderam as suas manifestações de interesse. Não conseguiram voltar a aceder ao portal”, relata Indira Fernando.
Estes problemas geraram incertezas e frustração, confere a advogada, que dá conta de vários relatos de imigrantes nessa situação.
"Infelizmente, para eles foi uma maçã amarga essa estrutura estabelecida pelo SEF. São inúmeros os receios apresentados”, conta Indira acrescentando "eu própria tive o relato de um constituinte que apareceu bastante desesperado porque cancelou a manifestação de interesse, mas não conseguiu concluir o processo na plataforma e agora está sem saber o que fazer”, lamenta.
Processos pendentes
Timóteo Macedo, dirigente da Associação Solidariedade Imigrante, insiste que há muita falta de informação para um processo que "caiu de para-quedas”. Ele lida com vários casos e afirma que se instalou um clima de aflição entre os imigrantes da CPLP.
"Um imigrante que esteja há dois, três anos, à espera de ser regularizado, agarra-se à qualquer coisa. E agarra-se a esse processo de papel da folha A4, válido por um ano, sem saber o que é que vem depois”, conta Macedo, para quem o Estado português devia atender e resolver estes problemas pendentes de legalização de forma célere, evitando acrescentar mais burocracia.
"Uma vez que é o Estado o violador da lei, digamos assim, que já devia os ter regularizado e não o fez, deveria ser atribuída a todos uma autorização de residência de plástico [cartão PVC]”, sublinha Macedo.
Por desespero, acrescenta Timóteo Macedo, a maioria dos imigrantes vai optar por obter o certificado da CPLP, quando, de acordo com o dirigente associativo, é mais vantajoso ter um título de residência válido por dois anos para aqueles que têm uma situação laboral estável.
SEF reconhece os constrangimentos
Entretanto, logo após a abertura do processo na plataforma digital, o SEF emitiu uma nota a lamentar os "eventuais constrangimentos” face à grande afluência ao novo portal CPLP”. E refere que a elevada procura pode provocar dificuldades pontuais de acesso ao portal.
De acordo com o SEF, o processo de legalização dos que apresentam manifestação de interesse abrange o período de 2021 e 2022, não estando ainda a ser aceites os pedidos de 2023. Entre outras medidas para dar resposta às demandas, o serviço de emigração vai abrir nos próximos dias um grande centro de atendimento em Lisboa.
por:content_author: João Carlos (Lisboa)