31.3.23

Arrendamento forçado só poderá abranger menos de dez mil casas

Rafaela Burd Relvas, in Público online

Só poderão ser arrendados coercivamente os apartamentos considerados devolutos há pelo menos dois anos e que se encontrem fora de territórios de baixa densidade.

O novo regime do arrendamento forçado de casas devolutas vai mesmo avançar, mas terá um alcance muito menor do que inicialmente se pensava: só poderão ser abrangidos os apartamentos que estejam considerados devolutos há pelo menos dois anos pelas respectivas câmaras municipais e que se encontrem fora de territórios de baixa densidade. Há menos de dez mil imóveis que cumprem este requisito, um número que representa uma pequena fatia das mais de 700 mil casas vazias que existem por todo o país. Aqueles que venham mesmo a ver o seu imóvel arrendado coercivamente podem esperar uma renda máxima até 30% acima da mediana praticada no seu concelho.

Esta foi uma das mudanças ao pacote legislativo "Mais Habitação" que resultaram dos mais de 2700 contributos que foram enviados ao Governo no âmbito da consulta pública a este diploma. Aprovado em Conselho de Ministros na quinta-feira, este programa é a resposta dada pelo Executivo de António Costa à actual crise habitacional e vem, nas palavras do primeiro-ministro, procurar cumprir dois objectivos: "apoiar as famílias no acesso à habitação e garantir mais habitação acessível".

Entre as medidas aprovadas neste pacote está o polémico arrendamento forçado de casas devolutas, que o Governo recusou deixar cair apesar das críticas feitas por associações representativas dos proprietários e até pelo Presidente da República, mas o novo regime vem, afinal, em moldes diferentes – e bem menos abrangentes – daqueles que tinham sido pensados inicialmente. Desde logo, só poderão ser abrangidas por este regime as casas que tenham sido consideradas devolutas, pelas respectivas câmaras municipais, há pelo menos dois anos. É uma concessão do Governo que vem dar mais tempo aos proprietários para que dêem uso aos seus imóveis, já que a legislação actual prevê que uma casa pode ser considerada devoluta quando estiver desocupada há apenas um ano.

Ao mesmo tempo, só os apartamentos poderão vir a ser alvo de arrendamento forçado. "Todas as outras formas de edificação que não sejam fracções autónomas em apartamento não são abrangidas por esta figura", explicou António Costa. Isto exclui, por exemplo, as moradias.

Por último, também só poderão ser abrangidas por este regime as casas que não se encontrem nos territórios enquadrados pelo conceito de baixa densidade. Na prática, isto significa a larga maioria dos municípios do interior do país estão excluídos deste regime, que, desta forma, abrange, essencialmente, o litoral do país.

E, para ilustrar o reduzido alcance da medida que o próprio Governo vai criar, António Costa referiu, até, o número de imóveis actualmente considerados devolutos: em 2022, de acordo com os dados da Autoridade Tributária, havia apenas 10.998 imóveis classificados como devolutos pelas câmaras municipais, dos quais a larga maioria (6444) se encontrava em Lisboa. "Estranho o calor desta discussão, porque não se trata de figuras novas, nem a dimensão desta medida pode suscitar esta vaga de receio que vi em muitas pessoas", disse António Costa.

Mas o número de casas que poderão vir a ser arrendadas coercivamente será ainda menor do que esse, já que, entre a lista de municípios que contabilizaram imóveis devolutos, há vários que são considerados de baixa densidade. Excluindo estes, o número de devolutos baixa para 9366 casas. E há ainda que excluir aqueles que só foram considerados devolutos há menos de dois anos, bem como os que não são apartamentos, um dado que não está disponível.

Seja como for, mesmo considerando a totalidade das 9366 casas devolutas em municípios elegíveis para o arrendamento forçado, este é um número pouco significativo perante o universo de casas vazias em Portugal. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos aos Censos de 2021, existiam, nesse ano, 723.215 casas vazias em Portugal, das quais cerca de 348 mil estavam colocadas no mercado de venda ou arrendamento e outras 375 mil (aquelas que, efectivamente, poderiam vir a ser consideradas devolutas) estavam vagas por "outros motivos".
Limite às rendas durante sete anos

Para além do arrendamento forçado, o Conselho de Ministros desta quinta-feira aprovou a maioria das restantes medidas propostas no Mais Habitação, incluindo o limite que será imposto às rendas estabelecidas em novos contratos de arrendamento.

Tal como previsto, este tecto máximo será definido de acordo com os coeficientes de actualização automática dos três anos anteriores (e apenas se os mesmos ainda não tiverem sido aplicados) e com o objectivo de inflação de médio prazo do Banco Central Europeu (BCE), que é de 2%. Já no caso dos imóveis onde tiverem sido feitas obras de remodelação ou restauro profundas, o aumento poderá ser de 15%.

Esta regra aplica-se apenas aos imóveis que já se encontravam no mercado de arrendamento nos últimos cinco anos, cujos contratos cheguem ao fim e cujos senhorios celebrem um novo contrato, relativo ao mesmo imóvel.

Para os novos contratos relativos a casas que nunca antes estiveram no mercado de arrendamento, não haverá qualquer limite de renda. E, ao contrário do que estava previsto inicialmente, também ficarão isentos deste tecto máximo os contratos com rendas acessíveis, ou seja, que cumpram os limites de renda estabelecidos no Programa de Apoio ao Arrendamento (PAA).

A versão final do diploma estabelece, ainda, que estes limites vão vigorar durante os próximos sete anos.
Porta 65 aberto todo o ano

No que diz respeito aos apoios ao arrendamento, e para além do subsídio de renda já aprovado e em vigor, o Governo introduziu, ainda, alterações ao Porta 65, programa destinado a jovens até aos 35 anos, a quem é atribuída uma subvenção mensal correspondente a uma percentagem da renda.

Até agora, este programa esteve sempre afecto a períodos de candidatura – regra geral, quatro períodos por ano –, que agora desaparecem. Ou seja, o programa vai passar a funcionar de forma contínua e qualquer pessoa ou família poderá candidatar-se independentemente da altura do ano. Esta alteração começará a produzir efeitos a partir de Junho, pelo que o período de candidatura previsto para Abril vai manter-se.

Ainda no que diz respeito ao Porta 65, os candidatos já não terão de fazer coincidir a sua habitação permanente com a sua morada fiscal.

Outras das medidas destinadas a proteger inquilinos incluem, por exemplo, o registo dos contratos de arrendamento junto da Autoridade Tributária, que, a partir de agora, passará a poder ser feito pelos inquilinos, nos casos em que esse registo não seja feito pelos senhorios ao fim de dois meses após o prazo definido por lei para a comunicação de contratos ao Fisco.

Por outro lado, são aprovadas medidas para aumentar a oferta de imóveis disponíveis no mercado. Neste âmbito, a isenção de IMT nas aquisições para revenda passa a exigir que o imóvel seja revendido no prazo de um ano, ao invés dos actuais três anos, com o objectivo de dar um uso ao imóvel de forma mais célere.

Também será mobilizado mais património público devoluto para habitação, através da simplificação do procedimento de integração de imóveis devolutos do Estado na bolsa de imóveis do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), ao mesmo tempo que são criados incentivos fiscais à colocação de casas no mercado de arrendamento, com a redução do imposto sobre os rendimentos prediais, que será tanto menor quanto maior for o prazo dos contratos celebrados.