Jovens que não estudam nem trabalham. Quem são, por que nos devemos preocupar com eles e como podemos integrá-los na sociedade e no mercado laboral? É este um dos trabalhos da Fundação da Juventude
Um jovem ‘nem nem’ pode ser um problema, para si (a nível de saúde e pobreza) e para a sociedade (muitas vezes associados à insegurança). Este problema não é exclusivo de Portugal, sendo que, por cá, existem mais de 190 mil jovens ‘nem nem’. Do empreendedorismo, às formações de curta duração, passando por subsídios e muita prevenção - são estas algumas das respostas da Fundação da Juventude.
Mas o que é um jovem ‘nem nem’? Segundo explicou ao Expresso Carla Mouro, presidente executiva da Fundação da Juventude, é “um jovem que não se encontra nem a estudar nem a trabalhar nem em processo de formação ou capacitação para se enquadrar em alguma destas vias”, ou seja, também não se encontra inscrito no centro de emprego, por exemplo.
De forma geral, de acordo com a especialista, costuma-se falar de jovens entre os 15 e os 30 anos e Portugal conta com mais de 190 mil jovens que se encontram nesta situação.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), que considera para o mesmo efeito as idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos, estavam, no ano passado, mais de 196 mil jovens nesta situação, menos 12,5% que em 2021. Assim, os dados do gabinete estatístico apontam para uma taxa de 9,4%, que é uma das mais baixas da União Europeia (UE).
Contudo, Carla lembrou que Portugal é um dos países mais envelhecidos da UE, o que acaba por influenciar a baixa percentagem de jovens que não se encontram nem a estudar nem a trabalhar.
QUAL O PROBLEMA?
Apesar de ser um problema transversal a todo o mundo - pior nas economias emergentes - olhando para o nosso pequeno ‘quadrado’ de terra, há problemas que se destacam, nomeadamente a saúde destes jovens, a segurança em sociedade e até a produtividade do país, pois a capacidade destes jovens não está a ser utilizada na sua plenitude.
“Um jovem NEET [siga da expressão inglesa, young people neither in employment nor education or training, equivalente à expressão ‘nem nem’] enfrenta mais desafios do que qualquer outro jovem”, começou por explicar Carla Mouro, acrescentando que “antes da pandemia era a faixa etária em maior risco de pobreza”.
“São também estes jovens que normalmente vemos associados nas notícias à insegurança vivida nas grandes cidades, na vida noturna, nos gangues”
Carla Mouro, presidente executiva da Fundação da Juventude
A nível de saúde estes jovens “normalmente têm problemas mais acentuados, isto porque têm menos acesso a informação” e mesmo o seu nível económico e a exclusão social a que estão sujeitos levam a que os seus consumos, “alimentares e outros”, tenham um maior risco, indicou a presidente da fundação. E nem é uma questão só de saúde física, mental também, sublinhou.
“São também estes jovens que normalmente vemos associados nas notícias à insegurança vivida nas grandes cidades, na vida noturna, nos gangues”, afirmou, explicando que tal acontece pois, sendo “vítimas de alguma exclusão social, associam-se entre si e criam a sua própria identidade dentro daquele gangue”.
De acordo com Carla, estes jovens estão associados a atividades ilegais, como a venda de droga e outros pequenos crimes. Aliás, numa das escolas de formação profissional da fundação, em Lisboa, onde estão cerca de 200 alunos, a grande maioria “está referenciada a esse nível”, notou.
E AS SOLUÇÕES?
Para solucionar o problema, a Fundação da Juventude reuniu uma série de parceiros e juntou-se com fundações de outros seis países europeus (Espanha, Itália, Países Baixos, Roménia, Noruega e Suécia) num projeto denominado YoPeVa (acrónimo para “Young People with Value”, ou em português, "Jovens com Valor"), financiado pela agência Erasmus+. O objetivo destes países foi tentar perceber que resposta se deve ter a nível europeu e a nível nacional para integrar estes jovens.
E já há um projeto piloto que a fundação quer implementar em Portugal — e que já avançou na Catalunha. A Fundação vai tentar, numa área metropolitana, juntar os vários municípios e fazer um levantamento entre as empresas desses concelhos “para saber que tipo de mão-de-obra ou de que características precisam para as suas empresas poderem empregar” jovens nesta situação que queiram integram o mercado de trabalho.
“O jovem até entrar num processo destes não tinha regras, não tinha horários, não tem sentido de compromisso, do respeito, não sabe o que são as regras daquilo que nós chamamos conviver com respeito e em sociedade.”
Carla Mouro
Para tal, pretendem criar formações curtas e dividir os jovens entre “as áreas que querem estudar e também as áreas que as empresas precisam”. Mas é importante que a formação seja de curta duração, pois aperceberam-se que “a duração das formações contribui para aquilo que é o abandono escolar por parte destes jovens”.
Contudo, como convencer um jovem a voltar a estudar ou mesmo a trabalhar quando, muitas vezes, através da economia paralela ou atividades ilícitas, se consegue “dinheiro rápido”? Para Carla Mouro é aí que reside o desafio. “O jovem até entrar num processo destes não tinha regras, não tinha horários, mesmo que esteja num gangue ou em algum tipo de atividade ilícita que traga benefícios económicos a curto prazo superiores do que ganharia se estivesse num mercado laboral, não tem sentido de compromisso, de respeito, não sabe o que são as regras daquilo que nós chamamos conviver com respeito e em sociedade.”
Mas é possível. Segundo a presidente da fundação, deveriam “existir apoios financeiros para estes jovens, mas também para as entidades [empregadoras] que os vão receber”. “Estes jovens movem-se pelo dinheiro fácil e rápido”, explicou Carla Mouro, confiando que, no momento em que fizerem um esforço para inverter a sua vida e perceberem que não precisam de correr riscos na atividade ilícita para receber dinheiro tudo se resolverá - ou, pelo menos, uma parte do problema.
Porém, a solução não começa quando o jovem já está nesta fase. A especialista defende que as soluções têm de começar antes de sequer serem chamadas de ‘solução’, ou seja, tem de haver prevenção. Esta prevenção deve começar logo na escola - com a sinalização de possíveis jovens em risco e seguimento do mesmo e da sua família. “Às vezes basta dar um pequeno apoio à família que se reflete numa mudança de paradigma naquela família e naqueles jovens”, disse, lembrando que o tal “dinheiro rápido” muitas vezes faz falta nestas famílias “para matar a fome”.
E é também no ensino que pode estar uma boa forma de prevenção. Na ótica de Carla deveria repensar-se a escola portuguesa. Acredita que falta flexibilidade curricular no ensino secundário, falta informação sobre as diversas saídas profissionais de cada área e há ainda um estigma relativamente aos cursos profissionais. Mas talvez mais importante seja uma proposta que saiu das Jornadas da Juventude: “os jovens propuseram que haja estágios cada vez mais cedo, mesmo no ensino secundário, porque isso leva a que haja um contacto precoce com o mercado laboral e com a responsabilidade”. De notar que, de momento, os estágios apenas estão acessíveis aos alunos do ensino profissional ou superior.
Outras das propostas dos jovens é que se crie o “IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] Jovem”, ou seja, um ramo desta instituição para que os jovens não estivessem só integrados nas “respostas em massa, mas sim haver uma resposta mais específica”. “Se for um jovem NEET, e for ao IEFP e lhe disseram ‘inscreva-se aqui e fique a aguardar’… o jovem não vai ficar aguardar, sabemos o que vai acontecer”, disse Carla.
Por fim, outra estratégia pode passar pelo empreendedorismo - uma estratégia que todos os países que fazer parte do YoPeVa se aperceberam que poderia funcionar. Inclusive avançaram com uma candidatura nova à agência Erasmus+ para dinamizar o YoPeVa Entrepreneur. A ideia é avançar com um curso que pode ser feito online, dirigido aos jovens, que enfoque as temáticas do empreendedorismo e que no final ofereça certificação. Este tipo de promoção tem como finalidade a “promoção do espírito empreendedor para criar empresas e startups e ser empreendedor da sua própria vida e do seu emprego”.
Seja qual for a estratégia a adotar é importante sublinhar a importância da prevenção e que, por várias vezes, um jovem que esteja nesta condição não significa que não queira trabalhar ou integrar-se, mas sim que não teve “o mesmo ponto de partida que a maioria dos jovens”.