Paula Carvalho e Filipe Garcia, opinião, in Expresso
A atuação do Banco Central Europeu e de Christine Lagarde tem sido questionada, perante os abalos no sistema financeiro
O momento da tomada de decisão do BCE no âmbito da política monetária, na reunião de março de 2023, foi particularmente complexo atendendo aos acontecimentos muito recentes no sector financeiro nos EUA e Europa (SVB e Credit Suisse), e aos sinais de alguma instabilidade nos mercados financeiros internacionais. Todavia, a decisão terá sido a mais acertada embora, tal como o comunicado da autoridade refere bem como as declarações da presidente Lagarde, a postura do BCE no futuro próximo tenha de se alterar face ao que se antecipava antes destes acontecimentos.
De facto, se olharmos para o lado real da economia, os sinais justificam movimentos adicionais de aumento dos juros na zona euro. Os indicadores de atividade sugerem uma dinâmica melhor que o esperado há alguns meses atrás, por exemplo os índices PMI da região e das principais economias europeias regressaram acima da fasquia 50 (apontando para expansão) de forma mais firme em fevereiro. Os indicadores de sentimento refletem também reforço da confiança, ainda que moderado, transversal a consumidores e empresas dos diversos sectores, depois dos mínimos recentes registados em outubro/novembro. Tudo ponderado, e com a informação disponível até agora, tudo sugere que a economia da UEM registe expansão ligeira da atividade económica nos primeiros três meses do ano, ao contrário do que se temia. Nesta linha, as previsões dos diversos analistas têm vindo a ser melhoradas.
Atividade resiliente e inflação persistente justificam taxas de juro mais elevadas
Acresce que os sinais relativos à inflação apontam no mesmo sentido, ou seja, aconselham a que se seja prudente no abandono do aperto da política monetária. Efetivamente, os preços no consumidor estão a aumentar menos que há uns meses atrás, mas sobretudo graças aos preços da energia, que recuaram significativamente face aos níveis que atingiram no verão de 2022 (a componente energética passou de um crescimento anual de 40% no outono para 14% em fevereiro). Todavia, a inflação subjacente, que exclui as componentes mais voláteis de alimentação e energia, atingiu novo máximo em fevereiro: 5,6%. Entre as componentes menos voláteis os preços industriais aceleraram (5,6% para 5,7%) bem como os preços dos serviços (de 4,4% para 4,8%). O aumento da inflação subjacente em termos mensais (0,8% face a um histórico de fevereiro de 0,4%) espelha bem a persistência de tensões inflacionistas num contexto de resiliência da confiança e da atividade, assim como do mercado de trabalho (a taxa de desemprego na zona euro mantém-se em 6,7% há alguns meses, um mínimo histórico).
Em suma, a atividade resiliente e inflação persistente, sobretudo nas componentes mais estáveis, justificam taxas de juro mais elevadas e em campo moderadamente restritivo. Todavia, os recentes acontecimentos no sector financeiro aconselham cautela e moderação nos próximos passos, em linha com a postura assumida pelo BCE nesta reunião. De facto, ainda é cedo para julgar se os recentes acontecimentos terão consequências no sector real. Esperemos que não.
Economista-chefe do BPI