Rafaela Burd Relvas, in Público online
O Governo quer alterar as regras dos despejos e definir que, quando houver decisão favorável ao senhorio, o inquilino passe a ter 30 dias para deixar a casa. Hoje, não está previsto qualquer prazo.
Os inquilinos que sejam despejados vão passar a ter um prazo de 30 dias para deixarem as habitações a partir do momento em que o requerimento de despejo apresentado pelo senhorio seja aprovado. A novidade consta das alterações que o Governo propõe fazer ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que prevêem, ainda, que a figura do despejo passe a ter um carácter de "urgência".
De acordo com as regras estabelecidas no NRAU, a legislação actualmente em vigor que regula o arrendamento, o procedimento especial de despejo é a ferramenta a que os senhorios podem recorrer para fazer cessar os contratos de arrendamento, apresentando, para isso, um requerimento de despejo junto do Balcão Nacional do Arrendamento (que, agora, também no âmbito das alterações propostas pelo Governo, será renomeado para Balcão do Arrendatário e do Senhorio).
É este procedimento que o Governo agora propõe ajustar com várias alterações, uma pretensão que já tinha sido manifestada aquando da apresentação do Mais Habitação, pacote legislativo lançado para dar resposta à crise habitacional. No mês passado, quando este pacote foi colocado em consulta pública, já tinha ficado claro que a intenção do executivo era simplificar o recurso ao despejo por parte dos senhorios, ainda que também sejam criadas algumas protecções para os inquilinos.
Agora, já terminada a consulta pública e depois de terem sido entregues ao Governo dezenas de contributos sobre as medidas em cima da mesa, a proposta de lei final já chegou à Assembleia da República e será discutida e votada em breve. É neste documento — que, no âmbito da discussão no Parlamento, ainda poderá vir a ser alterado — que surgem os detalhes das alterações ao procedimento especial de despejo, nomeadamente quanto aos novos prazos que passarão a vigorar.
São várias as alterações propostas. Desde logo, nos casos de incumprimento do pagamento da renda, passa a ser "admissível o recurso ao procedimento especial de despejo quando se tenha frustrado a comunicação ao arrendatário". Ou seja, mesmo quando o senhorio não for bem-sucedido na tentativa de notificar o inquilino da cessação do contrato de arrendamento por falta de pagamento de renda, poderá, ainda assim, recorrer ao procedimento especial de despejo, ao contrário do que acontece hoje.
Apresentado o requerimento de despejo no Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), este organismo notifica "imediatamente" o inquilino, que, a partir do momento da notificação, tem 15 dias para, se assim o pretender, se opor ao despejo (um prazo que já hoje está previsto na lei e que não é alterado). Na notificação feita ao inquilino, o BAS passará a indicar que, se este não desocupar a casa, não se opuser dentro do prazo legal ou não pagar as rendas em dívida, será proferida uma decisão judicial para "entrada imediata no domicílio".
Esta é uma mudança de detalhe, mas que terá efeitos práticos: hoje, aquilo que é indicado ao inquilino é que, nos casos acima descritos, será proferida uma decisão judicial para "desocupação do locado", que agora muda para a tal "entrada imediata no domicílio". Assim, a desocupação da casa torna-se mais automatizada, eliminando-se um passo judicial e permitindo-se, mais cedo, a entrada na casa por parte do senhorio.
Uma vez apresentada oposição, o BAS tem de a notificar ao senhorio, que terá dez dias, após a notificação, para recorrer a um tribunal. Se assim o fizer, a audiência de julgamento será realizada no prazo de 20 dias a contar da distribuição ou da conclusão dos autos.
Por fim, se a oposição do inquilino for rejeitada em tribunal e a sentença determinar a aprovação do requerimento de despejo, o inquilino tem de entregar o imóvel no prazo de 30 dias, ao mesmo tempo que esta decisão judicial vale "como autorização de entrada imediata no domicílio". Actualmente, não há qualquer definição legal para o momento em que os inquilinos devem deixar as casas após a emissão de um título de desocupação do locado, estando apenas definido que senhorio e inquilino acordam um prazo entre si, um cenário que o Governo considera que "gera insegurança e falta de certeza jurídica", conforme explicou fonte do Ministério da Justiça, recentemente, ao PÚBLICO.
A proposta agora entregue à Assembleia da República ressalva, ainda assim, que "as partes podem livremente acordar prazo diferente" dos 30 dias que ficarão estabelecidos por lei.
É ainda definido um novo prazo para que, uma vez decretado o despejo, o inquilino retire os seus bens da casa. "O agente de execução ou o notário notifica o arrendatário para, no prazo de 15 dias após a tomada da posse do imóvel, remover todos os seus bens móveis, sob pena de estes serem considerados abandonados", pode ler-se na proposta de lei. Actualmente, este prazo é de 30 dias. Se não conseguir notificar o inquilino, o agente de execução ou o notário pode afixar esta notificação na porta do imóvel, uma possibilidade que não está prevista na versão actualmente em vigor da legislação.
Por fim, a proposta apresentada pelo Governo declara: "O procedimento especial de despejo tem natureza urgente."
Por outro lado, o diploma do Governo cria uma salvaguarda para os inquilinos, passando a prever que, uma vez apresentado um requerimento de despejo por parte do senhorio, um juiz será chamado a pronunciar-se sobre os argumentos apresentados para o justificar, independentemente de o inquilino apresentar, ou não, oposição.