Gabriel Leite Mota, opinião, in Visão
O rendimento de cada um só é transformável em bem-estar/felicidade em função do que conseguimos fazer com esse rendimento. E isso depende do que os outros têm e dos padrões sociaisQuando se estuda o problema da pobreza, há duas dimensões que têm de ser consideradas. Por um lado, a pobreza absoluta. Por outro, a pobreza relativa.
A pobreza absoluta existe quando alguém não atinge um dado patamar mínimo, considerado fundamental para a prossecução da vida. A pobreza relativa mede o quanto alguém está distante das condições de vida dos outros e da vida digna. Quer num caso, quer no outro, normalmente é usado o rendimento ou a riqueza como critério de avaliação. Mas as análises mais sérias da pobreza vão além disso e englobam um conjunto de dimensões como a educação, a saúde, a liberdade, a participação política, a discriminação ou o acesso às oportunidades e as possibilidades reais de melhorar a vida. Quer a questão da pobreza relativa, quer a visão multidimensional da pobreza, são ignoradas ou rejeitadas por muitos. Os extremistas do crescimento económico, que vendem a ilusão de que o crescimento económico tudo resolve, apenas aceitam a definição de pobreza absoluta (e só se focam no rendimento). Porque, como querem dizer que o problema da pobreza se resolve com o crescimento económico, rejeitam as noções mais realistas de pobreza, que podem detectar que um país com crescimento económico até aumenta a sua pobreza! Verdadeiramente, um país em crescimento económico nem garante que se diminua a pobreza absoluta, muito menos a pobreza relativa.
Ainda que nos focássemos só no rendimento, a pobreza relativa não pode ser ignorada. Na prática, o rendimento de cada um só é transformável em bem-estar/felicidade em função do que conseguimos fazer com esse rendimento. E isso depende do que os outros têm e dos padrões sociais (há imensa literatura científica a comprová-lo). Ou seja, se o meu ordenado aumentar 5% enquanto o salário de todos os outros aumenta 20%, eu não vou ficar melhor, vou ficar pior! Porque aumentou a distância para o rendimento médio e mediano, o que me põe mais longe do modo de vida comum, ou seja, relativamente mais pobre. Apesar de estar, em termos absolutos, mais rico, o que acaba por contar é este efeito relativo, que me põe numa posição pior. Isto ainda mais é assim dada a sociedade competitiva em que vivemos. Imagine-se uma realidade em que os estudantes pobres tinham apenas lápis para fazer os seus trabalhos, enquanto os estudantes ricos tinham lápis e esferográficas. Os ricos tinham uma vantagem, mas não muito grande. Agora imaginemos que houve crescimento económico e que os pobres passam a ter os lápis e as esferográficas, enquanto os ricos passam a dispor de computadores. Todos estão, em termos absolutos, mais ricos, mas os pobres estão relativamente mais pobres, em maior desvantagem competitiva.
A grande lição a tirar não é que a pobreza absoluta não conte. Conta, mas não basta, se não se combater, também, a pobreza relativa. Os processos de crescimento económico que agravam as desigualdades de riqueza, de rendimento, de saúde, de liberdade, de oportunidades, educacionais ou outras, são processos de crescimento económico não saudáveis, que até podem minorar alguma pobreza absoluta, mas degradam a relativa e, assim, não são capazes de aumentar a felicidade colectiva.
A pobreza relativa é uma chaga da contemporaneidade, e nem todo o tipo de crescimento económico a combate. Apenas aquele que é capaz de diminuir as desigualdades.