A praga dos plásticos está longe de terminar, mas Maria João Ramos mantém a confiança na adaptação da natureza e no poder de cálculo das máquinas. Sobre o potencial cancerígeno, sublinha que a indústria tem tido cuidado nos brinquedos, mas admite que há um potencial maligno nos aditivos. Em contrapartida, os processos de reciclagem terão de ser aperfeiçoados: “Deveríamos lavar os plásticos antes da reciclagem. E depois tem de haver alguma forma de os separar”. Oiça aqui a entrevista da cientista no podcast Futuro do Futuro
Computadores, bactérias – e um mar de plásticos e micro-plásticos por degradar. Maria João Ramos, professora e cientista da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, conhece bem o cenário, mas sabe que o trabalho levado a cabo nos últimos anos ainda tem um longo caminho pela frente até chegar a uma solução de reciclagem ecológica, que tira partido da natureza e, simultaneamente, consegue desenvolver processos de custos acessíveis para a indústria.
“A natureza, neste momento, até se está a adaptar. Há bactérias e fungos que começaram a crescer em plásticos e que degradam esses plásticos”, começa por dizer a cientista, para logo indicar a razão por que esta solução aparentemente perfeita ainda não produz resultados: “Qualquer processo que seja muito lento não se pode tornar um processo industrial, porque fica demasiado caro”.
Não é só com a poluição em terra-firme e nos mares que plásticos e micro-plásticos se revelam uma ameaça. Devido ao uso de aditivos que fomentam determinadas características e funcionalidades, os plásticos tornam-se portadores de potenciais efeitos cancerígenos. “Um plástico que seja 100% plástico só é inerte e não provoca nada de maligno”, refere a cientista portuense. “Mas há determinados aditivos e, esses sim, podem ser cancerígenos”, diz, admitindo também um cuidado crescente com o plástico usado para produzir brinquedos para as crianças.
Para quem trabalha em soluções que reduzem o impacto na saúde e no ambiente, a missão ganha em complexidade a partir de uma simples constatação: o plástico que hoje reveste o quotidiano dos países industrializados é composto por várias “famílias” com estruturas moleculares específicas. E é neste panorama que surge o contributo providencial dos computadores.
Seguindo as mais recentes tendências, os laboratórios da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto têm vindo a usar computadores para ajudar nos cálculos que mapeiam estruturas moleculares e ajudam a encontrar os pontos fracos que poderão ser aproveitados, mais tarde, para desenvolver métodos mais eficazes de degradação ou reciclagem de cada tipologia de plástico.
É precisamente para ilustrar esta via de investigação que Maria João Ramos respondeu ao primeiro desafio do podcast Futuro do Futuro com uma imagem da enzina PETase, que degrada o plástico PET.
Na década passada, um grupo de cientistas japoneses anunciou a descoberta de uma bactéria Ideonella sakaiensis, que degrada o denominado PET, mas essa solução auspiciosa não serve para todos os tipos de plásticos. E talvez também não seja avisado lançar estas bactérias ao mar para resolver a praga de microplásticos nos oceanos.
“Tudo isto tem de ser pensado e tem de ser feito num ambiente que a gente consiga controlar. Não podemos lançar para o mar, por exemplo, não sei quantas bactérias que sabemos que vão degradar alguns dos plásticos”, sublinha Maria João Ramos, numa alusão aos efeitos desconhecidos que essa solução poderá ter na fauna e nos ecossistemas dos oceanos.
No segundo desafio deste Podcast, Maria João Ramos trouxe um tema de Jack Johnson com o título de “The Three R’s” – e uma referência às iniciais de Reciclar, Reutilizar e Reduzir que deverão prevalecer sobre o uso do plástico.
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.