Sónia Sapage, opinião, in Público
É sempre difícil relativizar o grau das adversidades de cada um, mas se os empréstimos fossem a origem do mais sério dos problema, este teria sido o briefing mais importante do ano.
O ministro das Finanças anunciou nesta quinta-feira um novo conjunto de medidas para mitigar a subida excessiva dos juros nos empréstimos à habitação que se verifica há mais de um ano e que só agora, supostamente, terá chegado ao pico — ou ao planalto, já que se prevê um longo período com os valores neste nível.
Não sendo possível travar as políticas do BCE relativas às taxas directoras, o Governo revelou uma fórmula para reduzir o impacto dessas decisões no bolso das famílias portuguesas, cujas condições de vida são já atormentadas pela inflação geral da economia.
De acordo com o resumo do próprio Fernando Medina, no briefing após o Conselho de Ministros, essa mitigação será feita de três formas: reduzindo e estabilizando as prestações mensais, reforçando a bonificação temporária já prevista para alguns empréstimos e prolongando até 2024 a suspensão da comissão de reembolso antecipado do capital em dívida.
A oposição já fez saber o que pensa sobre o modelo acordado pelo Governo com a Associação Portuguesa de Bancos e com o Banco de Portugal: poucochinho, propagandístico, paliativo, mais lucro para a banca e, na mais benevolente das críticas, uma ajuda que já vem tarde.
Medina preferiu descrever as medidas como uma “resposta ao que é indiscutivelmente o problema mais sério que as famílias portuguesas enfrentam”.
Tem razão, o ministro, quando assume que a dificuldade em pagar os empréstimos é um problema sério, em especial num país de salários curtos, mas é preciso dizer que, neste capítulo, a mais séria das questões está a montante: os preços da habitação, que afectam tanto quem quer ter casa própria e pede dinheiro para a adquirir (de acordo com dados recentes do Banco de Portugal, no ano de 2022, havia 1,28 milhões de famílias com crédito à habitação), como quem procura um quarto ou um apartamento para arrendar (e há, neste momento, alguns milhares de estudantes e de professores à procura de um novo sítio para morar temporariamente).
É sempre difícil relativizar o grau das adversidades de cada um, mas se os empréstimos fossem a origem do mais sério dos problemas, este teria sido o briefing do Conselho de Ministros mais importante do ano. É pouco provável que isso tenha acontecido. E com as expectativas criadas pelas notícias sobre folgas e excedentes, é bom que o momento da apresentação do Orçamento do Estado para 2024 não tenha sido esvaziado.
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