O estigma associado a doenças indica perceções negativas e julgamentos morais sobre alguém e os seus comportamentos devido a uma condição clínica. Continua a existir e a afetar a qualidade de vida de milhões de pessoas, apesar dos esforços para romper com a ligação entre a discriminação e estar doente ou ter uma doença.
Sabe-se que os profissionais de saúde não estão imunes a estigmatizar aqueles de quem cuidam. São casos de particular seriedade porque afetam o direito à saúde, a qualidade dos serviços e princípios constitucionais de direitos, liberdades e garantias pessoais.
A infeção por VIH que pode causar a SIDA continua a ser paradigmática de diferentes formas de discriminação. Por isso, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC em inglês) fez um estudo na Europa e Ásia Central com o objetivo é fazer um ponto de situação à meta das Nações Unidas para erradicar a discriminação associada ao VIH até 2030.
Os resultados a partir de mais de 3.000 pessoas com VIH em 54 países não deixam dúvidas que ações efetivas são necessárias nos próximos 6 anos, caso se queira cumprir este objetivo.
As experiências dos inquiridos incluem omitir o VIH a familiares e parceiros sexuais, sentir rejeição por amigos ou ter sido alvo de ameaças verbais ou físicas por terceiros. A respeito dos profissionais de saúde há casos de medo de viver certas experiências: 26% receia ser alvo de discriminação, 21% de que a condição clínica seja revelada e 16% de não ser tratado da mesma forma. Mais sério, porventura, são os casos em que a discriminação foi efetivamente vivida: 33% sentiu um pior atendimento e 23% relatou que certos tratamentos foram recusados ou atrasados.
O medo de que os profissionais de saúde discriminem e situações em que a discriminação foi sentida é tão duro quanto é necessário trazer para o debate público. A necessidade de colocar este dedo na ferida decorre de os profissionais de saúde terem responsabilidades éticas e deontológicas acrescidas, mas também porque têm (ou deviam ter) formação especializada. Importa sublinhar que são absolutamente determinantes no modo como todos nós, na qualidade de saudáveis ou doentes, em relação a nós próprios ou aos nossos familiares e amigos, lidamos com a gestão da doença ou a procura de cura.
Mentir, omitir, abdicar de procurar ajuda, abandonar tratamentos, ignorar sinais e informações são algumas das manifestações mais óbvias e bem conhecidas por parte de quem se sente estigmatizado pelos profissionais de saúde. O impacto tem um potencial tão forte que pode afetar a perceção de cidadania, a participação democrática ou a confiança nas instituições.
Por isso, o ECDC insiste que os países podem fazer mais e melhor na consciencialização sobre o estigma no VIH. A solução passa pela educação de diversos públicos-alvo, mas muito em particular dos profissionais nas faculdades e serviços de saúde. É crítico saber como o VIH é vivido, percecionado e como deve ser abordado para diferentes géneros, orientações sexuais, comunidades culturais, étnicas e prisionais, pessoas que usam drogas injetáveis ou que mantêm comportamentos sexuais de risco.
A responsabilidade vai desde os ministérios que tutelam o ensino superior e a saúde até aos órgãos de governo de faculdades e estabelecimentos de saúde. Em Portugal, um estudo recente do Centro Anti-Discriminação VIH mostrou uma evolução positiva na perceção e experiência das pessoas com VIH nos contextos de saúde, mas que o problema continua a existir e que os esforços têm de ser reforçados. Impõe-se, por isso, a pergunta sobre qual a monitorização que tem sido feita sobre a qualidade da pedagogia e da prática profissional no SNS para lidar com o estigma no VIH.