Sinais apontam para que o desemprego possa estabilizar perto de 6%, mas economistas notam que falar de pleno emprego quando 17% dos jovens estão desempregados pode não ser bem compreendido.
A taxa de desemprego tem vindo a reduzir-se desde 2013 e, com o fim da pandemia, tem permanecido próxima dos 6%, enquanto a população empregada atingiu já este ano o máximo histórico de quase cinco milhões de trabalhadores. Estará Portugal próximo da chamada taxa natural de desemprego ou do pleno emprego?
Vários economistas questionados pelo PÚBLICO vêem sinais de que o desemprego poderá estabilizar em níveis próximos dos 6%, mas alertam que falar de pleno emprego quando 17% dos jovens estão desempregados e quando há 295 mil desempregados inscritos nos centros de emprego pode não ser bem compreendido.
A taxa natural de desemprego indica a taxa de desemprego que não gera pressões inflacionistas numa determinada economia, assumindo-se que é normal esperar-se que o desemprego real se encaminhe para esse ponto de equilíbrio. Neste momento, Portugal parece dirigir-se nessa direcção.
“A nossa taxa de desemprego há algum tempo que anda na faixa dos 6%. Após a pandemia de covid-19, tem-se mantido nessa ordem de grandeza há vários trimestres consecutivos”, nota Paulino Teixeira, professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, acrescentando que “tudo aponta no sentido de ser natural que tenhamos uma taxa de desemprego dessa ordem”.
No primeiro ano da pandemia, o desemprego chegou aos 8,2%, mas nos trimestres seguintes foi-se ajustando e agora, no final do segundo trimestre de 2023, a taxa era de 6,1%, um recuo face aos primeiros três meses do ano e um aumento em comparação com o período homólogo.
Outro sinal de que se pode estar próximo daquela que será a taxa natural de desemprego é o facto de o número de trabalhadores estrangeiros estar a aumentar de forma significativa e de ultrapassar os 650 mil.
Tal como o professor de Coimbra, que evita usar a expressão “pleno emprego”, também João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho, considera que se pode estar no limite inferior da taxa de desemprego.
“Neste momento, temos os salários a crescer ligeiramente acima da inflação, nalguns casos por escassez de oferta, a inflação subjacente tem descido menos do que a inflação associada aos produtos energéticos e alimentares e isso pode querer dizer que tem havido alguma tradução destes aumentos salariais na inflação. Não estou a dizer que foram os aumentos que fizeram subir a inflação, podemos é estar numa fase em que há um movimento de circularidade entre os aumentos salariais e a inflação que se está a verificar agora”, destaca.
Se isto se confirmar, acrescenta, é um indício de que, “provavelmente, estamos mesmo no limite inferior da taxa de desemprego”.
Ainda assim, lembra, Portugal já teve taxas de desemprego bem mais baixas – no início dos anos 1990 esteve em níveis inferiores a 5% e no quarto trimestre de 1991 o desemprego afectava 3,5% da população activa, o valor mais baixo do período analisado – e uma taxa de 6% continua a ser relativamente elevada.
Emprego em máximos não é suficiente
João Cerejeira não vê como é que será possível reduzir a taxa de desemprego nos próximos tempos.
“Tem sido difícil descer abaixo dos 6%. Pode haver aqui problemas de desemprego estrutural, mas com a crise da habitação podemos ter também elementos do desemprego ficcional difíceis de reduzir porque, por exemplo, é mais difícil mudar de emprego de uma região para outra se isso implicar mudar de casa”, adianta.
Na perspectiva de Paulino Teixeira, a taxa ainda se está a ajustar e poderá subir ou descer ligeiramente em função de factores de mais longo prazo, dando como exemplo a transição digital a que se está a assistir e que “aumenta a fricção ou o desajustamento entre a oferta e a procura de competências”.
Fenómenos como este criam emprego, mas também criam desemprego e pode acontecer que a taxa de desemprego suba ainda um pouco até que as empresas se ajustem e as universidades e as escolas possam adaptar as suas ofertas, refere o professor de Coimbra.
Cerejeira antecipa que até ao final do ano, a taxa de desemprego ainda possa aumentar, mas a um ritmo lento e resultado sobretudo de as empresas não conseguirem criar emprego suficiente para absorver os que querem trabalhar.
No segundo trimestre de 2023, nota, a população desempregada aumentou em termos homólogos apesar de o emprego ter aumentado, “o que significa que houve transferência de inactivos para o mercado de trabalho e que não encontraram emprego”.
Ainda assim, os dados mais recentes do Eurostat mostram que Portugal foi um dos três países da União Europeia (UE) com o maior crescimento do emprego no segundo trimestre de 2023.
O país registou, tal como a Lituânia e Malta, uma subida de 1,3% do emprego em relação ao mesmo período do ano passado.
Na prática, o número de pessoas empregadas aumentou para 4,979 milhões de pessoas, à custa dos contratos a termo e precários e do sector do alojamento e restauração.
O professor da Universidade do Minho alerta ainda que há factores de risco que Portugal não controla. O principal é um eventual abrandamento das economias europeias que são clientes importantes do turismo e do sector exportador nacional, a que acresce a subida dos juros.
Desafio para as políticas públicas
Pedro Martins, ex-secretário de Estado do Emprego e professor na Nova SBE, considera que se está perante um paradoxo e um desafio para as políticas públicas.
“Se estamos numa situação de pleno emprego e temos uma taxa de desemprego de 6% e 300 mil desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) isso significa desafios importantes ao nível das políticas públicas na área do emprego e do trabalho”, sublinha.
Os desafios são sobretudo ao nível das transições entre a escola e o mercado de trabalho – ponto em que o ensino profissional pode ter um papel importante, defende –, ao nível da formação profissional e das medidas activas de emprego dirigidas a quem está à procura de um lugar no mercado de trabalho e, muitas vezes, não tem as qualificações adequadas ou que correspondam às necessidades das empresas.
Por outro lado, o economista sublinha que Portugal “enfrenta problemas sérios ao nível da equidade intergeracional”. Os jovens, diz, sofreram muito com os confinamentos, têm perspectivas “complicadas em termos de segurança social” e continuam com níveis de prevalência de contratos a termo muito elevados.
[artigo disponível na íntegra apenas para assinantes]