25.9.23

Chegaram as clementinas

Miguel Esteves Cardoso, opinião, in Público


Até eu, que sou um fanático das tângeras e das tangerinas, gostei de comer um gomo de clementina.
Chegaram as clementinas

Domingo de manhã: estava tudo doido a comprar clementinas. Só quatro ou seis por pessoa, porque ninguém estava à espera de que estivessem boas, ainda o mês de Setembro não acabou.

Também compro, claro. Odeio clementinas, mas isso é irrelevante. As caixas com as primeiras clementinas vêm do MARL já carregadas com folhas verde-escuras, para enfeitar a morte das saudades.


Algumas clementinas ainda têm as folhas agarradas, mas todas têm o pé comprido: quem as apanhou teve o cuidado de cortar os pés o mais longe possível da fruta, para sabermos que foram acabadas de apanhar.


Estas pequenas celebrações não vêm nos livros nem nas agendas – ainda na semana passada foi a vez dos dióspiros –, mas são mais verdadeiras do que as oficiais, porque são verdadeiramente celebradas por toda a gente, pela calada, com os dedos todos ao mesmo tempo, a tentar separar a casca das costas dos gomos.

Até eu, que sou um fanático das tângeras e das tangerinas, e que vivo em permanente desgosto até ter ao colo um par de boas laranjas da Baía, gostei de comer um gomo de clementina: era seco e muito doce, com pouco sabor, mas tinha uma acidez temporã que nunca tinha encontrado nas irmãs.


Estive para não provar, para não me desencantar. Mas descasquei duas, só para me deliciar com o perfume das cascas. E deixei-me ir.


É para dar mais valor às tangerinas, quando aparecerem, se eu tiver a sorte de encontrar algumas.

Afinal, a cor do Outono é cor de laranja. A castanha também é castanha, mas a cor não se chama “castanha” nem “cor de castanha”: ora toma!


É laranja porque cresceu com o sol do Verão e a cor foi fixada pelos primeiros arrepios nocturnos. Com os Invernos cada vez mais quentes, as próprias laranjas são cada vez menos cor de laranja.


A fruta bonita e perfumada, como é o caso das clementinas – uma unha é perfeita para espoletar aquele cheirinho –, é mais decorativa, mais barata e mais duradoura do que muitas flores.

Sejam bem-aparecidas.

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