Ana Mafalda Inácio, in DN
O diretor-geral da OMS lançou outro apelo à China para que permita a entrada no país de nova equipa de cientistas para investigarem a origem do vírus. O que poderá significar esta atitude? O infecciologista António Silva Graça assume ao DN não perceber o interesse deste apelo tanto tempo depois. E defende: "É mais importante a vigilância do trabalho em laboratório com alguns vírus".
Mais de três anos e meio depois de o vírus SARS-CoV-2, detetado pela primeira vez na província de Wuhan, na China, ter invadido o resto do mundo, há uma questão que continua em aberto: qual a sua origem? É verdade que, em 2021, a China permitiu a entrada no país de uma equipa de cientistas indicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para que, juntamente com cientistas locais, investigassem a origem do novo coronavírus, mas até agora não há uma certeza.
Na altura, esta equipa da OMS tornou público não ter tido "acesso total" à informação, mas produziu conclusões, considerando não haver evidências que provassem que a origem estaria "na fuga de um laboratório" na cidade onde este tipo de vírus estava a ser estudado, privilegiando antes a hipótese de este coronavírus ter sido transmitido aos seres humanos por um animal que atuou como intermediário entre o morcego e os seres humanos, possivelmente num mercado da cidade chinesa.
Tempos depois da divulgação destas conclusões, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, veio declarar que "todas as hipóteses continuavam em cima da mesa".
O assunto parecia estar esquecido, até porque a evolução da doença está mais controlada com a existência das vacinas e porque a própria OMS considerou estarem reunidas as condições para que se decretasse com segurança o fim da pandemia, mas novas declarações do diretor-geral da organização, neste fim-de-semana, numa entrevista ao Financial Times, voltaram a surpreender.
"Estamos a pressionar a China para que forneça acesso total [à informação] e estamos a pedir aos países que abordem o assunto nas suas reuniões bilaterais [para encorajar Pequim a cooperar]", afirmou. O que terá levado a OMS a voltar ao assunto, ao fim de tanto tempo? Tedros Adhanom explicou que tal aconteceu porque, até à data, "a comunidade internacional não conseguiu determinar com certeza a origem da covid-19" e, além disso, a OMS não irá desistir dessa investigação.
Na entrevista explicava que "a OMS já pediu à China, por escrito, que forneça informações e estamos prontos a enviar uma equipa, se nos autorizarem a fazê-lo". Insistindo: "Pedimos à China que seja transparente na partilha de dados, que efetue as investigações necessárias e que partilhe os resultados".
É difícil encontrar explicação para o regresso ao tema
Para o infecciologista português António Silva Graça, que tem acompanhado e estudado a evolução do SARS-CoV-2 e da covid-19, "é difícil encontrar uma explicação para se estar agora, depois de tanto tempo, a insistir num tema que já foi tratado previamente". A não ser que haja "outras razões que não sanitárias por detrás neste momento", porque, explica, tendo em conta a situação atual, "parece-me mais importante criar condições para que se possa fazer vigilância e um controlo rigoroso sobre o trabalho que é feito em laboratório com agentes biológicos críticos. Este controlo não se faz e deveria ser feito por entidades competentes, como a OMS".
Silva Graça sublinha que, "independentemente da causa que esteve na origem da pandemia, é importante agora que se tomem medidas para haver uma maior vigilância e controlo em relação a alguma situações". "Por exemplo, sabemos que alguns países têm hábitos culturais de consumo de animais que podem ser transmissores de vírus. O que estão estes países a fazer do ponto de vista da vigilância na cadeia alimentar para evitar que este tipo de situação volte a acontecer no futuro? A minha preocupação é esta, não tanto saber a origem do vírus", diz.
Para o infecciologista "é imprescindível que se pense, efetivamente, nas medidas que possam evitar o tratamento deste tipo de vírus a nível laboratorial sem controlo por parte da OMS". Isto, por um lado. Por outro, "é imprescindível que se tomem medidas do ponto de vista do comércio de animais e sobre a proximidade destes com as pessoas nos mercados - porque sabemos que há um risco grande de fazerem parte da cadeia de transmissão -, para se evitar que um vírus do grupo dos coronavírus possa dar o salto para a espécie humana".
Mais de 700 milhões de infeções e quase 7 milhões de mortes
O médico reforça mesmo que a sua grande preocupação "é se estão ou não a ser criadas as condições para impedir que outros vírus possam levar-nos a uma situação semelhante".
Recorde-se que o SARS-CoV-2, e de acordo com dados da própria OMS, provocou desde o início da pandemia mais de 770 milhões de infeções no mundo e quase sete milhões de mortes, mas há duas semanas o diretor-geral da OMS alertou novamente para mais um aumento de casos na Europa. "As hospitalizações e as mortes por covid-19 estão a aumentar na Ásia Oriental e no Médio Oriente, assim como as hospitalizações na Europa, o que mostra que a covid-19 está a aumentar", frisou, lamentando que, nesta altura, "só 43 países continuam a reportar as mortes [por covid-19] e apenas 20 dão dados de hospitalizações".
O infecciologista português concorda que os dados agora recolhidos pelas autoridades são apenas indicativos, "não têm o valor que já tiveram no passado", precisamente porque hoje em dia muitas pessoas já não fazem testes de diagnósticos nas farmácias ou nos laboratórios para que os resultados possam ficar registados no sistema informático.
Mas, na análise que faz aos dados divulgados pela DGS, diz que se pode verificar que Portugal também registou um aumento de casos, quando se compara os meses de julho e de agosto e o número de óbitos. "O número de casos em agosto foi sensivelmente o dobro dos que foram registados em julho, e convém sublinhar que não estamos no inverno. Pelo contrário, tivemos uma onda de calor. Ou seja, as condições eram pouco propícias para os vírus respiratórios, mas, mesmo assim, houve uma duplicação".
As autoridades chegaram a apontar a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, que reuniu mais de um milhão de pessoas, e os festivais de verão com razões para tal, mas a verdade, alerta o médico, é "que o aumento de casos não cessou nas semanas imediatas a estes eventos. O que se verificou foi que esse aumento foi secundado por mais transmissão, mais pessoas infetadas".
Em parte, refere, porque a população também deixou de ter noção de quando corre riscos maiores, esquecendo medidas de proteção. "É claro que a vacinação dá proteção para formas graves da doença, mas continua a permitir a transmissão". Portanto, diz, "a vacinação deve ser dada aos mais vulneráveis, quer por razões clínicas quer por faixas etárias, mas não me parece aconselhável que este reforço seja feito de forma generalizada. Devemos estar atentos e, se quisermos reduzir o número de casos, voltar a relembrar as medidas que devem ser tomadas para evitar a transmissão. É neste aspeto que me parece que está a faltar alguma iniciativa da parte da Direção-Geral da Saúde. É preciso relembrar à população as medidas que evitam a transmissão".
Na opinião de Silva Graça, "as pessoas já esqueceram as medidas que as protegem a elas próprias e aos outros", sublinhando ser preciso saber quando usar uma máscara e até o gesto de etiqueta respiratória quando espirramos. "Falamos da vacinação, mas temos descurado a recomendação das medidas de proteção", afirma.
Os Números da covid-19
770 563 467 - De acordo com a atualização feita pela OMS, a 13 de setembro, o SARS-CoV-2 já tinha provocado quase 800 milhões de infeções em todo o mundo. Sendo que nos sete dias anteriores, havia registo de mais 17 576 novos casos. Quanto a óbitos, há quase sete milhões (6 957 216).
5 610 180 - Os dados da OMS indicam ainda que em Portugal já se contabiliza mais 5,6 milhões de infeções e 27 247 mortes. Nos últimos 15 dias, o número de casos registou alguma variabilidade, oscilando entre os 203, nesta segunda-feira, e os 922, a 28 de agosto. Passou-se o mesmo com o número de óbitos que oscilou entre os 4 e os 15 neste período.