Os jovens de hoje e de manhã têm melhores perspectivas do que os jovens em 2015. Segundo o estudo “Um Índice de Justiça Intergeracional para Portugal”, coordenado por Paulo Trigo Pereira, houve uma subida desse mesmo índice entre 2015 e 2020, mas isso não significa que estejam bem e que a tendência seja igual em todos os indicadores abrangidos. Há indicadores onde as gerações atuais e futuras parecem estar melhores que as anteriores, mas há outras grandes bandeiras que estão em falta, como o acesso à casa própria ou a um planeta saudável.
Mas, afinal, o que é justiça intergeracional? Este conceito não é novo, sendo usado algumas vezes na área da ecologia, como por exemplo encontramos em Diário da República: “A solidariedade ou justiça intergeracional é um princípio de direito do ambiente que determina que as gerações presentes têm o dever de manter a integridade ecológica do planeta para a boa sustentação da vida das gerações futuras”. Mas o conceito pode abranger muito mais do que o ambiente. No caso do estudo, que será esta quarta-feira apresentado na Fundação Gulbenkian, este conceito é estudado em matéria de emprego, saúde, habitação, finanças públicas, pobreza e também ambiente.
De forma geral, “há uma variação positiva do índice de justiça intergeracional nos últimos anos”, ou seja os jovens de hoje e amanhã parecem ter melhores perspetivas de futuro do que os jovens do passado (que hoje são pessoas mais idosas). Contudo, o estudo vai apenas até 2020 e nada é estático. A crise inflacionista que se abateu sobre o mundo em 2022 após a pandemia de covid-19 pode ter impacto nestas gerações, pois leva a uma quebra de rendimento.
“Se os rendimentos não forem atualizados ao nível da inflação há uma quebra de rendimento e uma quebra de rendimentos tem impacto [na justiça intergeracional], especialmente se for duradouro”, disse, em conversa com o Expresso, Paulo Trigo Pereira, coordenador do estudo e professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).
O QUE MELHOROU?
A melhoria do índice “é, em grande parte, em grande parte, explicada quer pela dimensão pobreza e condições de vida quer pela do mercado de trabalho e em menor grau pelas finanças públicas”.
No caso do mercado de trabalho, no geral, a evolução é positiva “e isso deve-se sobretudo a uma melhoria no quadro macroeconómico do país que se traduz em menores níveis de desemprego, e a uma tendência de ligeira subida nos salários reais dos jovens em parte explicados pela subida do salário mínimo”.
As gerações mais velhas tiveram, ao longo da sua vida, maior estabilidade e proteção no emprego e hoje há maior precariedade. Então o que faz melhorar este indicador? Essencialmente, a melhoria da emigração face a 2015, a diminuição do desemprego, os rendimentos mais altos e a maior igualdade salarial de género. Contudo, se compararmos com 2010 não vemos uma melhoria, mas sim um ligeiro recuo.
Tendo em conta a maior precariedade, que é um fator importante, pode haver consequências negativas em termos de justiça intergeracional. Isto porque, “com maior precariedade laboral e carreiras contributivas mais curtas e irregulares, a formação de pensões futuras das coortes [gerações] jovens de hoje, estará comprometida” - um problema que tem vindo a ser debatido ao longo dos anos, por não se saber ao certo como será o financiamento das pensões dos que hoje trabalham. Por isso, incentivos à natalidade (quer a nível pessoal quer a nível empresarial), deverão ser uma opção para os decisores políticos que, como o estudo reconhece, tendem a focar-se no presente e não no futuro.
Já na dimensão pobreza e condições de vida (se excluirmos a habitação) houve “uma clara tendência de diminuição da pobreza, da privação material e um aumento da participação dos jovens no ensino formal”. Assim, “estas tendências incrementam a probabilidade de as novas gerações poderem aceder a uma vida melhor”.
Ainda entre o que melhorou está as finanças públicas. Apesar de ainda estarmos longe de um rácio da dívida no PIB dos 60% - valor de referência na União Europeia - tem havido uma tendência de melhoria na direção da sustentabilidade das finanças públicas. Segundo os últimos dados a dívida pública recuou para 111,2% do PIB no segundo trimestre do ano, o nível mais baixo desde antes da 'troika'. E a última projeção do Governo era que a dívida pública atingisse um valor inferior a 100% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025, mas o secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, admitiu em julho que tal possa acontecer já em 2024.
A SAÚDE MENTAL ‘PESA’
A dimensão da saúde “acaba não contribuindo nos últimos anos nem positivamente nem negativamente para a justiça intergeracional”, pois os vários indicadores evoluem em sentido contrário.
“O índice intergeracional em saúde tem tido uma trajetória relativamente estável no período 2015-2019 anos analisados, tendo variado de 0,37 em 2015 para 0,38 em 2019. Isto resulta, por um lado, de uma ligeira melhoria quer do indicador da esperança de vida à nascença quer da esperança de vida saudável à nascença. Em contrapartida os indicadores de prevalência da doença mental e da despesa em prevenção sofrem uma deterioração”, indica o estudo.
Há certas políticas que podem ajudar a aumentar a justiça intergeracional por promoverem uma boa saúde - como o controlo do sal e do açúcar em certos produtos, assim como os pontos de venda de tabaco -, mas visto que são recentes ainda não têm um efeito visível no estudo.
“A implementação da Reforma da Saúde Mental poderá também contribuir para a redução da prevalência de doença mental, com benefício para as gerações mais jovens”, lê-se no documento.
Há ainda que ter em atenção problemas estruturais no sistema de saúde, especificamente nos cuidados primários. A carência de de médicos de família para uma “franja significativa da população implica que, no futuro, existirão prejuízos em resultados em saúde da população” e, para os mais jovens, tal significa “mais anos com menor qualidade de vida”.
“NÃO HÁ PLANETA B”
Não é surpresa que o ambiente tem sido das maiores preocupações das gerações mais novas nos últimos anos - as manifestações que se fazem ouvir pela Europa fora, onde ecoam gritos em vários línguas para provar que “não há planeta B” mostram isso mesmo -, mas há uma razão para tal: estamos efetivamente piores.
O índice geral na dimensão de ambiente caiu de 0,47 em 2015 para 0,4 em 2020, o que está “em linha com as principais e recentes preocupações das instâncias internacionais relativamente a Portugal”. “Estar abaixo de 1 significa que as gerações futuras estão a ficar pior”, refere o estudo.
E estamos ao menos a fazer por melhorar? “Se olharmos apenas para o período mais recente, há ligeiros progressos ao nível da descarbonização da economia” e a nível da gestão florestal também “houve melhorias nos últimos anos, pela criação de novas zonas de intervenção florestal ao nível do efeito sumidouro das florestas”. Contudo, relativamente aos “serviços de ecossistemas proporcionados pelas florestas houve uma regressão, sobretudo na sequência dos incêndios de 2017”.
Outra dimensão preocupante é a produção e reciclagem de resíduos (economia circular) e o stress hídrico - onde Portugal se afasta das metas. No que toca ao tratamento e gestão de resíduos, Portugal apresenta um Plano Nacional de Gestão de Resíduos (PNGR) onde estipula as metas e objetivos para a próxima década. Depois de aprovado foi feita uma análise ao cumprimento ou não das metas estabelecidas, mas como as metas não foram cumpridas “houve um reajuste, menos ambicioso, das metas para o PNGR 2030”.
“Ao estar a reajustar objetivos que não foram cumpridos (quando a trajetória foi de agravamento e não de melhoria como se verifica no caso da capitação de resíduos urbanos) as entidades governamentais têm “embelezado” o real estado do tratamento e gestão de resíduos em Portugal”, criticam os autores do estudo.
O VERDADEIRO PROBLEMA: A HABITAÇÃO
Muito se tem falado de habitação ao longo de 2023, em parte graças ao programa do Governo “Mais Habitação”, mas também devido à subida dos juros que deixou muitos com incapacidade de comprar casa e outros com dificuldades para pagarem a casa que têm.
As diferenças entre gerações têm-se acentuado mais. “Os idosos têm, de forma geral, maior proteção, porque devido à sua fase da vida, recebem uma pensão, ficam menos expostos aos riscos do mercado de trabalho, como o desemprego e podem beneficiar de um ativo financeiro — a casa própria — que adquiriram num período de promoção da habitação e valorização imobiliária.” Esta casa, adquirida pelos mais velhos, “pode ser herdada e transferida entre gerações, mas o momento da transferência de propriedade tende a dar-se cada vez mais tardiamente, em consequência do aumento da longevidade”.
De forma geral, os jovens atuais têm menor acessibilidade para comprar casa (seja pelo preço das mesmas, seja pelo rendimento disponível). Ou seja, acabam por ficar até mais tarde em casa dos pais, um problema que afeta particularmente o sul da Europa. Em 2020, segundo os estudo, 52,3% dos jovens entre os 25 e os 34 anos ainda viva com os pais.
Dados mais recentes, divulgados pelo Eurostat, mostram que em 2022 já passava os 54%. Em média, os portugueses deixam casa dos pais aos 29,7 anos (acima da média da União Europeia, de 26,4).
O problema não é novo e é preciso recuar, pelo menos, ao início do século, com o fim do crédito jovem bonificado, para entendermos o longo percurso da política habitacional em Portugal. Mas o estudo não poupa a críticas e refere que entre 2006 e 2020, “as políticas públicas de habitação foram caracterizadas pela falta de continuidade ao longo dos diferentes Governos, por uma profunda diferença entre as iniciativas legislativas e a sua efetiva implementação e por uma ausência de avaliação”.
Além do mais, “a liberalização do mercado de habitação, a valorização financeira da habitação e a redução das despesas públicas nesta área, associada à redução do rendimento das famílias, agravaram o acesso à habitação, especialmente dos mais jovens, que enfrentam novos problemas”.