in Notícias Lusófonas
São números violentos e chocantes, mas como sempre os que têm várias refeições por dia vão continuar a olhar para o lado e a assobiar
O Dia Internacional da Erradicação da Pobreza assinala-se hoje, numa altura em que a crise leva as instituições de apoio social a lançarem sinais de alarme sobre um fenómeno que tende a agravar-se por todo o lado. Portugal tinha cerca de dois milhões de pobres em 2007 (18 por cento da população), segundo estatísticas da União Europeia – é considerado pobre quem aufira menos de 406 euros mensais. Mas, com a crise, a pobreza tende a aumentar.
Pela primeira vez na história da humanidade, o número de pessoas que sofrem de fome alcançou os mil milhões, ou seja, 15% da população mundial. Mil milhões de pessoas! São números revelados por um alto dirigente das Nações Unidas, na II Assembleia para África, do Sínodo dos Bispos.
São números violentos e chocantes. Mesmo para aqueles que sempre encolheram os ombros à pobreza, refugiando-se em frases como - “Sempre haverá pobres” .
Todos sabemos que a fome é o rosto mais visível da pobreza. Mas há muito que a pobreza e a miséria não se confinam a África ou à Ásia: A fome está ao nosso lado, a pobreza vive à nossa porta.
No primeiro semestre do ano, a Assistência Médica Internacional (AMI) registou um “aumento de dez por cento” nos pedidos de apoio registados. A Rede Europeia Anti-Pobreza (REAP) sublinha que “os idosos, crianças e jovens são os grupos etários com maior risco de pobreza”.
A União Europeia elegeu o combate à pobreza como prioridade, preparando-se para lançar em 2010 o Ano Europeu da Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social. “Todos os membros da sociedade devem partilhar os benefícios em tempos de prosperidade e o fardo em tempos de dificuldades”, defende o comissário europeu dos Assuntos Sociais, Vladimir Spidla.
Fenómeno preocupante que se agravou com a crise é o da pobreza envergonhada, que faz adiar os pedidos de ajuda. Manuel Lemos, presidente da união das Misericórdias, defende “a prática de um apoio discreto” a essas famílias.
Há dez anos, os líderes europeus tomaram uma decisão: "Provocar um impacte decisivo na erradicação da pobreza até 2010". Assinaram a Estratégia de Lisboa. O prazo está a terminar, mas dentro das fronteiras da União Europeia ainda moram 79 milhões de pobres. A taxa oscila entre os 10 por cento da República Checa e os 25 da Roménia - Portugal está nos 18. A UE prepara-se para traçar metas mais concretas para 2020.
A vice-presidente do Comité do Emprego e dos Assuntos Sociais, Elisabeth Jiménez, não usou paninhos quentes na sessão de abertura da 8.ª Mesa-Redonda sobre Pobreza e Exclusão Social, organizada pela Comissão Europeia e pela Presidência sueca Europeia, que nos últimos dois dias decorreu em Estocolmo: "Em primeiro lugar esteve sempre o crescimento económico - nunca os assuntos sociais", lembrou Elisabeth Jimenez.
Desde que a UE assumiu o compromisso de lutar contra a pobreza, em Lisboa, a situação até piorou na Alemanha, na Bélgica, na Dinamarca, na Finlândia, na Hungria, em Itália, na Lituânia, na Letónia, no Luxemburgo, na Polónia, na Suécia e na Roménia. Só em Portugal, na Irlanda, na Holanda e em Malta há registo de melhorias, segundo o Eurostat (em 2000, Portugal estava nos 21 por cento).
Uma ideia gerou consenso no encontro de dois dias: mais emprego não corresponde, necessariamente, a menos pobreza, como podem atestar os sete por cento de trabalhadores europeus pobres. Só na Alemanha, 1,3 milhões deles recorrem a prestações sociais para completar o salário. "Precisamos de novas políticas sociais", proclamou a deputada.Mudanças nas políticas
"Nos próximos meses - talvez nas próximas semanas -, importantes decisões serão tomadas", explicou Antónia Carparelli, responsável pela unidade para as Políticas de Inclusão Social e Aspectos Sociais da Migração da Comissão Europeia. Está quase pronto o rascunho da nova estratégia - que desta vez não terá o nome de uma cidade, chamar-se-á, simplesmente, "2020".
Há um ano, a Comissão Europeia recomendou aos estados-membros assentar a luta contra a pobreza em três grandes pilares: garantia de um rendimento mínimo, políticas que favoreçam a inserção no mercado de trabalho e acesso a serviços sociais de qualidade.
Por estes, Antónia Carparelli pergunta-se: "Até que ponto essa recomendação continua válida? Até que ponto ainda é apoiada pelos estados-membros? Quando renovámos a agenda social não tínhamos ainda percebido que esta era a crise mais profunda do pós-guerra", nota Carparelli.
A economista recusa detalhes - até por não saber se se baseará no Tratado de Nice ou de Lisboa, que a República Checa ainda não assinou. Diz apenas que o presidente Durão Barroso "acredita que não se deve desperdiçar os consensos já alcançados". E defende metas "concretas, realistas, que se possam monitorizar": "A UE tem de se basear em objectivos quantitativos. Não tê-los foi uma das fraquezas da Estratégia de Lisboa".
O momento é delicado - a crise ameaça produzir seis novos milhões de desempregados até ao final de 2010. E "as decisões tomadas em tempo de crise influenciarão o futuro da UE", como salientou Trinidad Jiménez Garcia-Herrera, a ministra espanhola da Saúde e dos Assuntos Sociais, país que em Janeiro sucederá à Suécia na presidência da UE.
Há muita gente a pensar na nova estratégia. Não foi por acaso que a Rede Europeia Antipobreza (REA) pediu à comissão para declarar 2010 o ano europeu do combate à pobreza e à exclusão social, admitiu o presidente daquela estrutura, Ludo Horemans. O tema tem de marcar a agenda. O documento - cujo primeiro esboço será no final do mês aberto à discussão pública - terá de ser aprovado no próximo ano.
A par dos "perigos do mercado financeiro desregulado", a RAP vê na crise "a fraqueza de um modelo que promoveu o crescimento económico à custa da coesão social". Bate-se, por isso, por uma "EU que coloca a economia ao serviço do desenvolvimento social e sustentável". O papel do Estado
Ludo Horemans nem quer ouvir pôr em causa os sistemas de protecção social. Por força da crise, novos grupos arriscam cair na pobreza (pela perda de empregos e habitações e pela entrada em ciclos de dívidas) e os que já lá estavam arriscam ficar mais tempo, aguentar existências mais duras. Como seria sem sistemas de protecção social?
Os sistemas de protecção "ajudaram a mitigar os piores impactes sociais da recessão", vincou, já no encerramento, o comissário europeu para o Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades, Vladimir Spidla. "A solidariedade é um valor fundamental da União Europeia, com todos os membros da sociedade a partilhar os benefícios em tempos de prosperidade e os fardos em tempos de dificuldade."
A longo prazo, os 27 estados-membros tem orientações para alimentar um modelo social sustentável. A curto prazo, Spidla considera "vital prevenir o círculo vicioso do desemprego de longa duração".
Maria Larsson, ministra sueca para o Cuidado dos Idosos e para a Saúde Pública, também defendeu ser fundamental evitar o desemprego de longa duração: "Quem ficar muito tempo desempregado, terá maiores dificuldades em entrar no mercado laboral quando a situação melhorar. A Suécia tem uma grande tradição de políticas de inclusão activa. E isso tem sido muito importante para manter a estabilidade económica e para prevenir a exclusão social".