30.10.09

“Não chega dar o Rendimento Social de Inserção ou o subsídio de desemprego, é importante mudar mentalidades”

in Jornal do Centro

JOSÉ MACHADO | PAULA FONG | GRAEME PULLEYN

A propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, assinalado a 17 de Outubro e a dois meses do início do Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social, impunha-se perceber o trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos quatro anos pelo Núcleo Distrital de Viseu da Rede Anti-Pobreza. José Machado, presidente, Paula Fong, psicóloga e Graeme Pulleyn, encenador, estão ligados aos projectos desenvolvidos pelo núcleo. "HumanizArte" e "Entreteias" são já duas conquistas.

O que faz o Núcleo Distrital de Viseu da Rede Anti-Pobreza?

José Machado: Surgiu em 2005. Vem de uma estrutura maior que constitui a Rede Europeia Anti-Pobreza (1990, em Bruxelas). Portugal foi dos primeiros países onde surgiu a rede e, para haver uma intervenção mais localizada no terreno, foram sendo criados núcleos distritais. Trabalhamos essencialmente no combate à pobreza e à exclusão social, com intervenções de informação, formação e investigação. Tentamos fazer acções de sensibilização junto da opinião pública.

Há quem critique o vosso trabalho por ser "demasiado discreto". Merece-lhe algum comentário?

João Machado: Existe apenas um técnico indigitado por distrito. Os recursos humanos como tal são escassos e o nosso trabalho terá que vir muito das parcerias que vamos estabelecendo com determinado tipo de projectos, com câmaras municipais, redes sociais e estruturas do género. Este núcleo funciona acima de tudo devido ao conceito de trabalho em rede, porque um técnico sozinho não faz nada.

Essa rede tem permitido chegar a todo o distrito, como era vosso objectivo há quatro anos?

João Machado: Por motivos óbvios, tem havido alguma centralização no concelho de Viseu. O núcleo está sedeado no concelho e nem sempre é fácil deslocarmo-nos a alguns concelhos mais longínquos. Contudo sabemos que talvez as maiores causas de pobreza e exclusão social estejam precisamente fora de Viseu, onde impera a desertificação, o envelhecimento e outro tipo de fenómenos que vão sendo cada vez mais comuns.

Paula Fong, o que nos pode contar da sua experiência no combate à pobreza em Viseu?

Paula Fong: Muito mais directamente com as crianças e com os jovens, sinto que há uma necessidade grande de trabalhar com os nossos alunos, no sentido de desenvolverem competências para poderem ganhar meios pessoais, para um dia singrarem. Sinto que é necessário desenvolver nas crianças autonomia, perspicácia, espírito crítico, muito mais do que estar a estudar matéria, para terem armas para continuarem a estudar, arranjarem uma profissão e serem pais, mães e profissionais competentes. Eu não faço parte do núcleo, mas sinto que há este trabalho em rede. Em Viseu, acabamos por fazer um trabalho discreto, mas valioso.

Graeme Pulleyn, como é que um homem do teatro se envolve nestas questões?

Graeme Pulleyn: A Paula Fong convidou-me para coordenar o projecto "HumanizArte" apoiado pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência, para a reinserção de pessoas que, muitas vezes, passam pela dependência da droga ou do alcoolismo, mas que, para além disso, têm na maioria dos casos outras complicações ligadas a problemas sociais e económicos.

João Machado: Nós não procuramos o mediatismo, acima de tudo queremos trabalhar consciências e modificá-las, se possível desde a infância e da juventude, que é aí que se começa a trabalhar a consciência das pessoas.


A pobreza combate-se com a mudança de mentalidades, mas há uma necessidade real de apoio no terreno.

João Machado: Sim. Mas se damos esse apoio e não lhes damos mais nada, as pessoas acomodam-se a esse apoio.

Paula Fong: Eu sou uma técnica de terreno. Trabalho em Viseu há 11 anos e sinto que não chega dar o apoio à criança ou à família, como o rendimento social de inserção ou subsídio de desemprego, é importante mudar mentalidades, mostrando às pessoas que elas têm poder para reconstruir os seus projectos de vida e mostrarem aos filhos que são capazes de os prepar para o futuro. Nas crianças, também é preciso mexer consciências. As pessoas têm dificuldade em estabelecer prioridades, em renunciar ao Rendimento Social de Inserção e de aceitarem os empregos que lhes propõem, quando, paralelamente, há uma enorme falta de emprego.

Está a dar razão ao presidente do CDS-PP, Paulo Portas.

Paula Fong: Não. O subsídio de reinserção deve ser acompanhado do apoio técnico no terreno e do apoio para mudar mentalidades. Não basta dar dinheiro, apesar de haver muitas famílias que precisam.

O que mais a choca no terreno?

Paula Fong: O que me faz acreditar nestes projectos é as pessoas colaborarem connosco e mostrarem que são capazes.

O que é o projecto "HumanizArte"?

Graeme Pulleyn: é um projecto de reinserção, dirigido a jovens e adultos que sentem a necessidade de reconstruir o seu projecto de vida, através das artes. Com uma forte vertente de apoio emocional e social, trabalha caso a caso para ajudar a reconquistar a sua vida e ultrapassar problemas de marginalização, de álcool e de toxicodependência?

Ajuda-os a recuperar a auto-estima?

Graeme Pulleyn: Entre outras coisas, a auto-estima, a auto-imagem, a necessidade de apresentarem sua identidade, a sua identidade, a sua capacidade de trabalharem com os outros.

Na prática, como é feito esse trabalho?

Graeme Pulleyn: Nós temos uma loja no bloco E do Bairro da Balsa (Viseu), que está aberta às segundas, quartas e sextas-feiras à tarde e onde as pessoas podem aparecer e onde desenvolvemos vários projectos artísticos, principalmente de artes plásticas e de teatro.

As pessoas chegam até essa loja de forma voluntária?

Paula Fong: São adultos que vão voluntariamente, normalmente por indicação das famílias.

O projecto arrancou em Maio. Que conclusões podem já retirar desse trabalho de seis meses?

Paula Fong: O tempo é muito pouco. Mas um dado, positivo, é que as pessoas que vieram ficaram. Estão a fazer tratamentos no Centro de Alcoologia de Coimbra, têm ido ao centro de emprego fazer um esforço para arranjar emprego. As pessoas confiam em nós e estão com o tal objectivo de melhorar a vida.

E o projecto "Entreteias"?

Paula Fong: é um projecto ao nível da prevenção. Foi também criado pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência. O público-alvo, são as crianças e os jovens das escolas da cidade [de Viseu] e as suas famílias. No 1º Ciclo [do Ensino Básico] temos três grupos de expressões integradas. No 2º e 3º Ciclos temos um grupo de precursão e vamos começar com o projecto das escolas secundárias que é a "Cultura Urbana". Na Escola Viriato vai funcionar um grupo ligado à música, na Emídio Navarro, mais ligado ao teatro e às artes circenses e na Alves Martins, às artes multimédia.

Os jovens estão mais sensibilizados para esta problemática da luta contra a pobreza?

João Machado: De alguma forma sim, mas ainda há muito trabalho a fazer. Hoje, há uma maior sensibilização e um maior combate à diferença. Isso exige alguma sensibilidade por parte dos profissionais, para porem os alunos a pensar dessa maneira.

A luta contra a pobreza pode vir a ser mais eficaz no futuro?

João Machado: Estamos confiantes nestes projectos. Agora, nunca se vai conseguir erradicar verdadeiramente a pobreza.

Nos últimos anos até se tem sentido o aumento da pobreza.

João Machado: E não falamos só na vertente financeira. A Pobreza vai de encontro ao conceito de privação e a privação pode ser muita coisa, pode ser de bens materiais, pode estar relacionada com a solidão, pode estar relacionada com a falta de acesso ao emprego, pode estar associada a muitos factores.

Deixaram a mensagem no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, de que todos somos responsáveis. Foi uma provocação?

João Machado: Todos temos que estar convencidos que é preciso mudar mentalidades. Ainda há muitos preconceitos em relação ao conceito de pobreza. Há muita gente que ainda considera que os pobres são pobres porque não querem trabalhar.

Paula Fong: É urgente trabalhar com as crianças e com os jovens, fazendo com que tenham responsabilidades sobre elas próprias e sobre o seu próprio futuro. É fundamental que cresçam com a noção clara de que são responsáveis por elas próprias.

João Machado: Passa também por revolucionar de alguma forma as mentalidades ao nível das entidades empregadoras e da tentativa de potenciação real dos recursos humanos.


Que razões para a pobreza têm vindo a identificar ultimamente?

Paula Fong: Principalmente o desemprego e o emprego precário. Uma das associações que está a financiar os projectos é a Federação Regional das Associação de Pais de Viseu e uma das nossas funções também é alertar as empresas de que os pais têm direitos, como ir à escola saber dos filhos, e a verdade é que há muitas entidades empregadoras que não o permitem neste momento.


Quais são as expectativas para 2010, o Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social?

João Machado: Vai ser um símbolo, mas temos que trabalhar bem esse símbolo de forma a fazer com que alguma coisa mude. No trabalhos, que vamos desenvolver, 2010 vai passar muito por dar voz aos excluídos.

Graeme Pulleyn: Uma das vantagens das artes é que as artes levam-nos à celebração. É uma forma de trazer alegria às pessoas, por outro lado, são projectos exigentes e ajudam as pessoas a perceber que vale a pena investir. As artes podem ter este papel de juntar as pessoas por um motivo positivo.

Paula Fong: A minha expectativa é de que as pessoas com quem vou trabalhar mudem alguma coisa, por pouco que seja.