7.2.10

Cooperação inédita no Haiti

Por David Brown, in Jornal Público

Organizações estão a comunicar para garantir melhor tratamento aos sobreviventes do terramoto. Landina, um bebé de três meses, é um exemplo


O braço de Landina Seignon foi amputado dois centímetros abaixo do cotovelo. Como a maioria das realizadas na semana após o sismo, a sua foi uma "amputação-guilhotina" - um único corte através da carne e osso que deixou pouco suporte para um braço artificial. A melhor hipótese para que este bebé de três meses algum dia venha a usar uma prótese é conseguir que um cirurgião plástico crie um coto novo e mais flexível. Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) franceses, que cuidam de Landina no seu complexo de tendas, não têm um, mas o grupo britânico Merlin tem.

A transferência de Landina, numa carrinha alugada pela Merlin por ruas devastadas, não teve nada de notável. Mas reflecte uma mudança na resposta médica às catástrofes naturais. No Haiti, tem havido um grau de cooperação sem precedentes entre grupos humanitários, especialmente se comparado com o tsunami de 2004 no Índico, a única catástrofe com que rivaliza em termos de ajuda médica. Três factores são responsáveis por isso - a natureza dos ferimentos, a melhoria das comunicações e a consciência de que as vítimas vão sofrer se as organizações não cooperarem.

"Vejo mais cooperação do que no tsunami e está muito melhor do que nos dois ou três dias depois", explica Dana van Alphen, perita em saúde pública da Organização Mundial de Saúde (OMS) que está a dirigir um cluster de grupos médicos no Haiti.

No tsunami, os feridos tinham problemas que não punham em causa a sua vida, a maioria cortes profundos. No Haiti, as fracturas e esmagamentos são dominantes e os cortes envolvem perda de pele e muitas vezes queimaduras.

"Nunca vi tantos feridos na vida", admite Ronald Waldman, médico da Escola de Saúde Pública da Universidade de Colúmbia que ajudou a Casa Branca a gerir a resposta ao tsunami e que assume agora o mesmo papel. "Este é um projecto de ajuda ortopédica de longo prazo", explica.

A OMS calcula que o sismo de 12 de Janeiro tenha provocado dois mil amputados. Muitos vão precisar de mais cirurgias nos próximos meses. Vão também precisar de fisioterapia, terapia ocupacional e, em alguns casos, de aconselhamento psicológico para lidar com a deficiência.

O caso de Landina é um exemplo da cooperação existente.

Ela estava no hospital do MSF, composto por nove tendas insufláveis e pavilhões desportivos geridos por dezenas de médicos. O seu caso atraiu a atenção da Merlin, que tem no Haiti cinco médicos e quatro tendas (numa delas a sala de operações).

Os cortes de guilhotina deixam pouco tecido para cobrir a ferida e demoram muito a sarar. Podem ser "reparados" cortando um pouco mais o osso e usando o músculo para cobrir a ferida. Ou um cirurgião plástico pode tentar um procedimento mais arriscado, puxando a pele mais acima para formar o coto. É disso que Landina precisa.

Os MSF concordam em deixar a Merlin voltar a operar o braço do bebé e examinar a possibilidade de usar um enxerto para tapar uma queimadura no couro cabeludo, sob a coordenação do cirurgião plástico Waseem Saeed. "Esta é a primeira vez que fazemos isto", diz Claudine Maar, a médica de 39 anos que gere o campo dos MSF. "A troca de material e de competências é bastante fixe".

A organização francesa cede material de entubamento e instrumentos para tratar crianças e envia François Barbotin-Larrieu, um anestesista pediátrico - uma especialidade de que a Merlin não dispõe no Haiti. David Noott, um cirurgião vascular de Londres a trabalhar com a MSF, vai acompanhar Saeed na operação.

A equipa - que incluiu também um anestesista da Irish Goal - trata de Landina. O coto é refeito. O couro cabeludo ainda não está pronto para o enxerto, mas a ferida que tinha na coxa parece bem. Três horas mais tarde, regressou ao hospital dos Médicos Sem Fronteiras. Exclusivo Washington Post/PÚBLICO