Por Nuno Sá Lourenço, in Jornal Público
Com a desculpa de que os tempos de crise são o momento certo para procurar "novas oportunidades", o Presidente da República aconselhou ao Governo duas prioridades políticas
O Presidente da República comemorou o 25 de Abril apontando ao Governo "novas oportunidades" para ajudar o país a sair da "grave crise".
Como já o fizera antes, o conteúdo da intervenção do Presidente intrometeu-se nas funções governativas com a justificação de que se acumulam "as dúvidas quanto ao futuro do país", e que não há tempo a perder no esforço de desenvolvimento do país: "Não poderemos perder tempo, porque a concorrência será implacável. Quem ficar para trás terá de fazer um enorme esforço de recuperação."
Aconselhou, por isso, o Governo a definir o mar como "verdadeira prioridade da política nacional", bem como centrar no Porto um pólo de indústrias criativas. No caso do mar defendeu mesmo não existir "justificação" para não se estar já a explorar "em todas as vertentes" um "tão formidável recurso natural". Depois enunciou com minúcia do que estava a falar. Tem de se apostar no transporte marítimo e nos portos, porque "70 por cento da riqueza gerada no mundo transita no mar". Defendeu as fontes marinhas de energia, a exploração subaquática, a biotecnologia e a construção naval. Afirmou também que o "clima temperado" do país permitia investir com sucesso no "turismo de cruzeiros" e na aquacultura. E falou da "manutenção de uma frota de pesca sustentável".
Percebeu-se mesmo que considera ter-se perdido já muito tempo, sugerindo rapidez ao Governo. Lembrou que já existiam estratégias e políticas "desenhadas nos últimos seis anos". Não seria "necessário fazer mais estudos e relatórios": "Basta agir em cumprimento daquelas estratégias."
A segunda proposta centrou-se na possibilidade de fazer da cidade do Porto um "pólo aglutinador de novas indústrias criativas". Pediu uma "aposta forte dos poderes públicos" para fazer daquela cidade "sinónimo de talento, excelência e inovação" em áreas como as artes plásticas, a moda, publicidade, design, cinema, teatro, música, dança, informática e digital.
Também aqui, o discurso presidencial pareceu denotar alguma impaciência pelo facto de aquilo que lhe parecia óbvio não ter sido ainda feito: "Só falta mobilizar esforços para transformar o Porto e o Norte numa grande região europeia vocacionada para a economia criativa."
O primeiro-ministro encarou as propostas de Cavaco Silva como "inspiradoras para a acção política", em vez de críticas à acção do seu Governo. Ainda assim, notou-se alguma agitação na bancada socialista durante esta parte da intervenção presidencial.
Apesar disso, José Sócrates afiançou que o executivo já avançou com políticas para a área. "Nós desenvolvemos muito recentemente um cluster que visa potenciar a oportunidade da energia das ondas. Ainda na sexta-feira fui a Leixões para assinalar um investimento que tem a maior importância não apenas para desenvolver o turismo de cruzeiros, mas também a modernização dos portos", sustentou o primeiro-ministro.
Rendimentos "chocantes"
Mas o Presidente não deixou passar um dos temas que têm dominado a actualidade. Depois de recordar ter já abordado o assunto em 2008, criticou as remunerações atingidas em altos cargos dirigentes de empresas: "A sensação de injustiça é tanto maior quanto, ao lado de situações de privação e de grandes dificuldades, deparamos quase todos os dias com casos de riqueza imerecida que nos chocam", afirmou. E deu a entender que esses valores eram tanto mais inaceitáveis quanto o facto de as empresas em causa beneficiarem de "situações vantajosas no mercado interno".
Também neste assunto o primeiro-ministro se colocou ao lado do Presidente: "Eu acompanho essa crítica do Presidente da República. Também eu tenho criticado aquilo que classifiquei como vertigem gananciosa que tem conduzido algumas actuações de empresas um pouco por todo o mundo na remuneração dos seus gestores", respondeu José Sócrates.
As palavras presidenciais tiveram outra consequência. Paulo Portas, presidente do CDS, anunciou, no fim da cerimónia, a apresentação de uma iniciativa para impedir "sinais de ostentação" nas empresas do Estado e participadas, considerando "incompreensíveis" bónus e prémios na actual situação do país.