Gina Pereira, in Jornal de Notícias
Uma em cada cinco crianças portugueses vive numa família com rendimento abaixo do limiar de pobreza, o que faz das crianças até aos 17 anos o grupo com maior risco de pobreza em Portugal. Os números dizem que 23,5% das crianças correm esse perigo.
O indicador de risco de pobreza infantil em Portugal tinha vindo a baixar paulatinamente nos últimos quatro anos, mas em 2008 – ano a que respeitam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) – houve uma inflexão da trajectória e o risco de pobreza subiu para um valor acima do que se registava em 2005 (23,2%).
Se em 2007 o risco de pobreza infantil estava nos 20,8% , em 2008 passou a atingir 23,5% das crianças e adolescentes.
“Um enorme retrocesso”, admite, ao JN, Amélia Bastos, professora no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e que tem em mãos um estudo que visa apontar medidas de combate à pobreza infantil em Portugal, a apresentar na primeira quinzena de Novembro.
Segundo a investigadora, “é ao nível da pobreza infantil que se nota um menor impacto das políticas sociais”, o que pode indiciar que são insuficientes ou desadequadas.
De acordo com Amélia Bastos, até 2007 os idosos eram o grupo que apresentava maior risco de pobreza em Portugal. Mas em 2008 – porventura devido a algumas medidas entretanto tomadas pelo Governo, como a criação do Complemento Solidário para Idosos e a comparticipação integral dos medicamentos genéricos para os que têm pensões mais baixas –, o 1º lugar do (triste) ranking passou a ser ocupado pelas crianças, o que é “relativamente alarmante, quer pela dimensão, quer pelas consequências que isso significa”.
Ter um maior risco de pobreza significa que as necessidades básicas de alimentação, o desempenho e o sucesso escolar, o desenvolvimento cognitivo e o acompanhamento da saúde destas crianças nem sempre são os mais adequados e isso terá repercussões inevitáveis a médio-longo prazo.
Baixas qualificações, fraca capacidade de participação e dificuldades de inserção no mercado de trabalho são algumas das consequências apontadas pela investigadora, segundo a qual este é também o grupo populacional que sente a pobreza com mais intensidade no dia-a-dia.
Amélia Bastos admite que a crise que o país atravessa pode ter agravado este indicador e antevê que os recentes cortes nos apoios sociais anunciados pelo Governo vão “naturalmente aumentar a vulnerabilidade destas crianças”. “Os cortes nos apoios sociais são preocupantes”, admitiu ao JN, lembrando que há muitas crianças “que não têm hipótese” e cuja única refeição diária é feita na escola.
Para travar o aumento da pobreza infantil, Amélia Bastos defende o reforço dos apoios sociais ao nível da escolaridade (com a construção de mais equipamentos e mais apoios financeiros à educação) e um papel mais activo da escola na promoção de boas práticas, como ensinar aos pais os cuidados a ter na alimentação e a ter um acompanhamento médico mais rotineiro, que permita despistar problemas.