por Luís Reis Ribeiro, in Dinheiro Vivo
Em entrevista ao Dinheiro Vivo, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) avalia o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, e as medidas em negociação na concertação social. Numa das semanas mais decisivas da concertação social, que reúne na quarta-feira, o líder dos patrões do comércio e serviços distancia-se da meia hora e pede entendimento entre o Governo e a UGT para se chegar a um acordo tripartido em torno das reformas laborais e económicas.
Acha que o Governo vai avançar com a medida da meia hora diária de trabalho?
O Governo enviou a medida para a Assembleia da República portanto isso é um passo significativo. Mas há duas questões de fundo. A CCP sempre tem valorizado muito a concertação social e a necessidade de um acordo. Por razões externas e internas. Externas porque será uma situação diferenciadora face ao que se passa, por exemplo, na Grécia. É uma questão de dar confiança aos observadores internacionais, um sinal diferente como um acordo. Em termos internos, há medidas que vão ser e já estão a ser bastante duras. Não temos dúvidas que haverá contestação social pelo que esse acordo será um elemento de descompressão social. Por isso valorizamos muito o acordo.
Como avalia o desempenho do Governo na negociação?
Tem tido alguma inabilidade na condução de todo o processo de negociação. Já o dissemos na concertação, quer diretamente ao ministro, em privado.
E como reage o ministro a essas críticas?
O ministro tem, aparentemente, o seu caminho próprio.
É uma pessoa convicta?
Sim. É dos que têm convicções claras.
Essa “inabilidade” de que fala advém da convicção?
Não sei. Pode ser uma questão de experiência, uma questão de opção. Mas que tem uma convicção muito grande num conjunto de medidas. É uma pessoa que acredita que desde que haja controlo do défice e medidas de relançamento económico, o país automaticamente vai, a partir de certa altura, crescer.
É uma ingenuidade?
Não sei se é ingénuo. É uma convicção, uma visão dele, da qual não partilhamos. Consideramos que todo este conjunto de medidas recessivas, grande parte delas são necessárias, mas por si só não geram o urgente relançamento da economia. Se não houve este trabalho de relançamento, no dia 1 de Janeiro de 2014 não se abrirá a comporta do crédito internacional à economia portuguesa.
Por que razão não correu um discurso mais consistente em prol do crescimento?
O Governo é recente e ainda está a tentar encontrar o seu próprio caminho…
Mas este Governo tem pessoas bastante experientes.
Tem, mas tem uma opção clara por um determinado tipo de funcionamento da economia. É natural que o Governo se tenha centrado na austeridade visto existirem compromissos internacionais e necessidade de contenção do défice e teve de enfatizar isso. Mas não é esse o mal. O que nos preocupa mais é que vemos poucas medidas no sentido de criar base para esse crescimento.
A CCP gosta da medida da meia hora?
A CCP representa vários setores de mão de obra intensiva e um grande volume de emprego. Setores como os transportes, o comércio, os serviços de limpeza para os quais essa meia hora resulta num aspecto positivo, como é evidente. No entanto, não pensamos que neste momento, no conjunto da economia portuguesa, isso seja um tema relevante, a não ser para dois ou três setores diferenciados. Alguns sectores de mão-de-obra intensiva, indústrias que trabalhem em cadeia de montagem e, eventualmente, setores que paguem demasiadas horas extraordinárias, como os transportes. Mas de longe ser uma panaceia para os males do país como já foi apresentada.
E parece que comprou uma guerra com a UGT.
Sim. Dificilmente qualquer sindicato pode subscrever uma medida desse tipo. É uma questão de História. Os sindicatos andaram mais de cem anos a lutar pela jornada de oito horas semanais.
E as alternativas são…
Nós apresentámos algumas. Mexer no tempo de trabalho através de menos feriados, de menos férias e de uma gestão das pontes.
Mas o Governo já avançou com essas… e continua a insistir na meia hora.
O Governo fez o pleno e, evidentemente, nós aceitámos.
Ficaram surpreendidos?
Deixou-nos uma interrogação. Será que o Governo quer mesmo um acordo tripartido?
Quer?
Não sabemos.
A CCP vai assinar, claro?
Claro.
Qual é a probabilidade de haver um acordo tripartido?
Acho que chegar a acordo é difícil, mas faremos todos os esforços que estiverem ao nosso alcance. Existe em Portugal o mito que Portugal é um país de brandos costumes e que não será possível haver grandes explosões sociais. Nós não partilhamos dessa visão. Desde o século XIX que a História demonstra o contrário. Não é um país de explosões imediatas e um excesso de medidas de contenção sem um contrapeso de esperança pode levar a maus desenvolvimentos.
O sucesso da concertação contraria esse risco?
Tem um papel moderador. Será um elemento positivo.
Se a UGT não assinar, o acordo não existe?
O acordo só tem sentido se existir, pelo menos, uma central sindical a subscrevê-lo que, no actual contexto, parece ser a UGT. Caso contrário, não podemos falar em acordo.
Isso não tira legitimidade às políticas do Governo, neste caso concreto?
O Governo foi eleito, tem um programa, a legitimidade continua lá.
Pediria a demissão do ministro?
Não temos grande tradição de reivindicar a demissão do governante A, B ou C. Existe uma tradição portuguesa que é fulanizar os problemas e imputar aos líderes políticos as maleitas do país. No caso do ministério da Economia, é complexo de gerir, não é de fácil governabilidade, e é evidente que muitas decisões são condicionadas pelo perfil do ministro.
É difícil de gerir por ser muito grande. Mas isso foi uma opção do próprio Governo.
Por isso não vamos fulanizar. Criticamos algumas medidas, acolhemos outras.
A medida da meia hora não poderá agravar esse panorama negativo no mercado de trabalho?
É um mito que a meia hora seja uma medida de produtividade. Mas pode aumentar a competitividade porque baixa o custo unitário do trabalho, o salário hora. As contas que foram feitas para a meia hora são meramente teóricas. É uma medida que vai ter impacto três ou quatro sectores da economia.
No entanto, apoiam a medida.
Apoiamos pela razão que lhe disse. Porque pode ser útil para alguns sectores, nomeadamente alguns que representamos, e isso é melhor que nada. Mas não se pense que é por aqui que se vai dar volta à situação do País.
Para além dos setores que referiu, a grande distribuição também beneficia?
Sim. Mas essencialmente vai ajudar as indústrias que trabalham em cadeia e que têm muitas pessoas ao serviço.
Aumentar o tempo de trabalho numa conjuntura em que a procura está a cair a pique faz sentido?
Não é a melhor altura, de facto. Hoje em dia existe mais um problema de procura do que de oferta e portanto muitas empresas têm um problema grave que é encontrar mercados para vender. E mesmo nas que estão a vender, o potencial da medida é limitado. Não nos opomos à meia hora, mas não vai ser a salvação da economia. Não valorizamos globalmente a medida, mas há alguns sectores que podem ganhar com isso, claro.
O apoio à meia hora é pacífico dentro da confederação?
Tivemos um conselho de presidentes e uma assembleia geral nos quais estas nossas perspectivas foram apoiadas por unanimidade. Por vezes existe uma ideia excessiva de que a CCP é apenas pequeno comércio. É falso. Na direcção temos um grupo económico que é o terceiro maior empregador do país, que tem 14 mil pessoas. Temos o maior operador nacional de transportes. Temos o sector automóvel, quer a parte comercial, quer a parte da reparação.
Há pouco disse que vai ser muito difícil chegar a um acordo em torno da meia hora. Muito difícil não significa impossível.
Não é impossível.
Ainda no plano das reformas laborais que medidas devem ir para a frente?
O novo regime das indemnizações é uma solução equilibrada. Quanto à definição do despedimento individual é um problema que historicamente se tem arrastado. Há limites constitucionais e duvidamos que neste momento tenha sentido fazer grandes alterações na constituição. Pode gerar problemas de rutura muito complicados.
Está no memorando da troika.
Está. É possível fazer alguma coisa na definição dos motivos para o despedimento e encontrar formas de tornar o despedimento mais expedito se necessário.
Sem colidir com a Constituição?
É possível fazê-lo. O problema dos despedimentos, independentemente do formato da lei, vai esbarrar sempre com o problema do funcionamento da justiça. Por exemplo, a proposta que faz depender a causa do despedimento do cumprimento de determinados objectivos, vai entupir os tribunais. O despedimento colectivo é relativamente fácil de utilizar. O despedimento individual, que seria muito relevante para as empresas mais pequenas, podia ser dinamizado, liberalizando mais o mútuo acordo. Existem quotas para o número de pessoas que se podem despedir ao abrigo do mútuo acordo. Hoje é 20% em empresas com 50 ou 60 pessoas. Devia ser pelo menos um terço do pessoal. O que nós e outras entidades patronais temos pedido é menos restrições. E que da parte do Governo haja uma abertura para encontrar uma quota anual específica para casos de grandes reestruturações.
E o despedimento por inadaptação?
Pensamos que é possível a legislação da justa causa em relação à inadaptação, tornando-a um pouco mais ajustada às necessidades do mercado de trabalho. O que hoje temos é um regime muito fechado ao nível das causas elegíveis.
Diz o mesmo em relação à norma da reintegração que protege os trabalhadores mais antigos?
Isso, então, é algo que não tem nexo. Termos três pessoas na mesma categoria que pretendemos despedir e a lei obrigar a reintegrar o mais antigo, não faz qualquer sentido. Tantas vezes a pessoa mais recente é a mais adaptada e qualificada face à realidade tecnológica da empresa. E a mais produtiva. E o que acontece é que a empresa tem de gastar imenso dinheiro para afastar alguém que é pouco ou nada produtivo.
A alteração ao regime das indemnizações vem, gradualmente, tornar esse tipo de rescisão mais barato, não?
Mesmo que não se faça nada no despedimento individual ou no mútuo acordo.
A nova lei baixou o padrão global de negociação e, naturalmente, isso tem reflexo nos valores praticados no despedimento por mútuo acordo.
Qual é vossa maior queixa à mesa das negociações?
Neste momento, a principal insuficiência que encontramos é a pobreza das medidas que permitam o financiamento das empresas.
Sem financiamento, as outras reformas não dão em nada?
Sem financiamento, não haverá empresas.
Os bancos continuam a dizer que estão a dar crédito aos bons projetos.
O problema dos bancos, isso é claro, é que foram capturados pelo setor público. O crédito bancário não baixou muito, simplesmente uma parte significativa desse crédito está a ser absorvido pelas empresas públicas que não se conseguem endividar lá fora. Portanto, há uma secagem do crédito para as PME e micro empresas que, na prática, são as que fazem funcionar a economia na lógica do emprego.
O saneamento em curso das empresas públicas não resolve o problema?
O saneamento também tem custos e vai requerer crédito bancário. A situação não é risonha de modo nenhum. Alguém tem de suportar os passivos e os juros do endividamento já contratado.
Disse que as PME é que criam emprego nesta altura. As grandes empresas é que são responsáveis pela destruição de emprego, é isso?
Quando há uma crise, as grandes empresas normalmente reestruturam-se, reduzindo os quadros de pessoal.
Mas muitas delas são exportadoras e evitam que a recessão seja pior, não?
É uma ilusão que o país possa ser salvo só pelas exportações. As exportações estão a crescer, é verdade, mas vão abrandar porque a Europa está a impor políticas recessivas em vários países. Agora vai ser Espanha, o nosso maior destino de vendas. Mas há outro aspecto desfavorável: As exportações não vão ser em áreas de mão de obra intensiva, mas sim e cada vez mais de sectores cada vez mais sofisticados, intensivos em tecnologia. Não vão chegar, de modo nenhum, para baixar o desemprego.
A recessão será pior do que diz o Governo?
Não acreditamos que a recessão seja só de 3%. Nas nossas estimativas ficará entre 3,5% e 4% em 2012 e no ano seguinte poderá aliviar um pouco, mas não acreditamos em crescimento. O desemprego vai caminhar para próximo de um milhão de pessoas, no final de 2012.
De volta à questão do financiamento. Que medidas concretas e novas deveriam ser pensadas para devolver algum oxigénio às empresas?
Durante os próximos dois a três anos a economia vai contar com apenas três fontes de financiamento. Os impostos, o empréstimo da troika e os fundos europeus, na medida em que o crédito da banca internacional, quer ao sector público, que ao privado, será extremamente reduzido. Os impostos e o empréstimo da troika, no fundo, vão pagar as despesas e a reestruturação do Estado.
Portanto, sobram os fundos europeus.
Sim. Nesse aspeto, estamos de acordo com o Governo que é preciso redirecionar esses fundos numa lógica mais ajustada a este tecido empresarial das PME. Para além disso, está-se a avançar, em conjunto com algumas instâncias internacionais, com linhas de crédito do tipo das antigas PME Investe. Isso é positivo.
Quais devem ser os setores chave?
A reabilitação urbana.
Porquê?
Porque é um sector completo, integra várias atividades. Não só numa ótica de construção, mas também de dinamização do centro das cidades, do comércio, dos serviços. Ou seja, temos de nos convencer que os pólos das economias e da inovação nas próximas década vão ser as cidades. Há estudos que mostram que as 600 principais cidades mundiais representam 50% do PIB mundial.
Pode dar exemplos?
Há cidades espanholas que adotaram modelos inovadores. Cidades que se tornaram centros comerciais a céu aberto, centros culturais, centros turísticos.
Está a dizer que até aqui as cidades viviam à sombra da construção e depois logo se via?
Sim. Era essa a lógica e as autarquias viviam dos impostos que cobravam a essa actividade. Neste momento, cada município, cada agrupamento de empresas tem de perceber qual a especialização que faz sentido.
Em Portugal, há algum exemplo?
Existem poucos. Mas toda a gente sabe que Paços de Ferreira é a capital do móvel. Isso acontece porque se construiu uma dinâmica industrial, comercial e até turística e de restauração em torno do sector do mobiliário. Várias entidades defendem o posicionamento de Lisboa como uma das grandes cidades mundiais de congressos. As cidades devem ser repensadas não em torno do potencial de construção ou de reabilitação, mas daquilo que pode ser a sua essência económica.
Mas numa altura em que a pressão sobre salários, consumo e investimento é tão grande, há condições para fazer florescer os centros das cidades?
Temos dois aspetos. Primeiro, pensar que o turismo é fundamental nesta dinâmica. Segundo, a noção, defendida pela CCP, de que os salários são um custo, mas também um gerador de consumo. Daí a nossa preocupação com o rendimento das pessoas.
Tem medo de um ricochete?
As nossas empresas, para existirem, precisam que as pessoas tenham um mínimo de rendimento. Por isso, na concertação, temos tido uma posição nem sempre idêntica à dos outros parceiros patronais. Valorizamos mais a questão do desemprego e dos salários. Não é ser mais idealista, é apenas uma questão prática para nós.
Que efeitos antecipa com o aumento do IVA?
Vai ser negativo.
Havia alternativa ao aumento?
Alternativa haveria sempre. Não vamos entrar naquelas polémicas políticas, de haver ou não excedente.
A restauração vai ser dos mais afectados?
Sim. Com a agravante de ser um sector que emprega muita gente. Provavelmente, o sector até precisaria de ser racionalizado, mas a um ritmo mais lento.
Que sectores o preocupam mais? Tem números?
As famílias estão a retrair-se cada vez mais no consumo e adiam decisões como a troca do carro, a sua reparação. Isso já é visível. Este ano terão fechado cerca de 600 oficinas de reparação automóvel, fecharam imensas bombas de gasolina, sobretudo nas zonas da fronteira. No comércio, demos conta do encerramento de cem estabelecimentos por dia contra a abertura de 20 a 30, na restauração, terão fechado cerca de 3000 estabelecimentos, no mínimo, em 2011. E embora o universo das cerca de 2800 farmácias esteja estável, sabemos que, pela primeira vez, existem várias à beira da insolvência. E nota-se que há farmácias com dívidas a grossistas e, algumas, que já não têm todos os medicamentos.
Para além de desbloquear o financiamento, não existiriam outras medidas de política para puxar pelo crescimento?
Para nós, o nó górdio é o financiamento. Sem ele, as empresas não conseguem funcionar. Dou um exemplo real. Uma empresa exportadora tinha uma grande encomenda para África, mas teve um problema com o plafond de crédito dos seus fornecedores que era demasiado baixo relativamente à dimensão da encomenda. Isto é a seguradora só respondia por uma parcela daquilo que a empresa necessitava. Por outro lado, a banca não a financiava. Resultado: a empresa perdeu grande parte do negócio.
O que faz essa empresa?
Está na área dos produtos de grande consumo, na área da higiene e limpeza. Mas estas mesmas questões põem-se da mesma maneira na área industrial. Podem tomar as medidas económicas e laborais que bem quiserem. Se as empresas não tiverem possibilidade de comprar matérias primas, de nada vale. Não existirá produção.
A banca, pelo aspeto central que tem na economia e na vida das sociedades, não devia estar na concertação social?
O sector financeiro é um sector muito fechado e, em países como Portugal, muito próximo do poder político. Tem um diálogo muito directo com o poder político. Aliás, basta ver as decisões chave que se tomam quando os primeiros-ministros recebem os principais banqueiros. Portanto, a banca nunca sentiu essa necessidade de representação.