27.3.23

A luta de Francisco contra a "monstruosidade" dos abusos sexuais na Igreja

Por Lusa, in SIC

“Não há lugar na Igreja para quem abusa de menores". Perante aquilo a que chamou de “momento da vergonha”, o Papa seguiu uma “política de tolerância zero”, assumindo que o combate aos abusos sexuais na Igreja Católica seria uma das suas batalhas.

O combate aos abusos sexuais no na Igreja Católica foi assumido pelo Papa Francisco como uma das suas batalhas nestes 10 anos de pontificado, que o levou a convocar uma cimeira no Vaticano em fevereiro de 2019.

Perante os líderes de conferências episcopais de todo o mundo e responsáveis de institutos religiosos, Francisco apresentou passos para a luta contra os abusos a menores na Igreja católica, defendendo ter chegado a hora de "dar diretrizes uniformes para a igreja".

A igreja está a "trabalhar" para combater os abusos

Garantiu que a igreja "não se cansará de fazer tudo o que for necessário" para levar à justiça quem quer que tenha cometido algum tipo de abuso sexual e deixou um recado aos 190 representantes da hierarquia religiosa e 114 presidentes ou vice-presidentes de conferências episcopais reunidos em Roma.

"Nenhum abuso deve jamais ser encoberto e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo".

A "tolerância zero" de Francisco

As notícias, um pouco por todo o mundo, eram pontuadas por casos de abusos sexuais na Igreja Católica, com os Estados Unidos, Irlanda, França, Alemanha, Chile ou a Austrália a darem o mote para a necessidade de atuação célere do Vaticano.

A política de "tolerância zero" passou a ser expressa com regularidade por Francisco que, em agosto de 2019, numa carta, afirmou estar "firmemente empenhado" na luta contra os abusos na Igreja.

"Nos últimos tempos pudemos ouvir com mais clareza o clamor, tantas vezes silencioso e silenciado, de nossos irmãos, vítimas de abuso de poder, consciência e sexualidade por ministros ordenados", escreveu o Papa.

"Estamos firmemente comprometidos com a implementação das reformas necessárias para promover, desde a raiz, uma cultura baseada na pastoral para que a cultura do abuso não encontre espaço para se desenvolver e, menos ainda, para se perpetuar".

"Um momento de vergonha"

Perante este desígnio do Papa argentino, e embora em alguns casos a contragosto, muitas conferências episcopais desencadearam mecanismos para apuramento das situações de abuso, em períodos definidos.

Foi assim que se chegaram às notícias sobre milhares de casos identificados (ou, nalguns casos, extrapolados) por diferentes comissões de investigação criadas em vários países.

O "terramoto", que começara na Irlanda e nos Estados Unidos ou na Austrália, atingia com estrondo o coração da Europa, quando em França foi revelado que mais de 300 mil menores terão sido abusados e agredidos em instituições da Igreja Católica francesa, 216.000 dos quais por clérigos e religiosos, entre 1950 e 2020, segundo um relatório da Comissão Independente sobre os Abusos da Igreja naquele país.

"É um momento de vergonha", disse o Papa, perante os números apontados por aquele relatório, expressando às vítimas a sua "tristeza e (...) dor".

Abuso sexual de crianças é "monstruosidade" e ato "diabólico"

“Não há qualquer lugar, no ministério da Igreja, para quem abusa de menores"

Já antes, Francisco, perante situações de encobrimento de casos de abuso na Igreja defendera que "não se pode dar prioridade a qualquer tipo de considerações, sejam de que natureza forem, como por exemplo a vontade de evitar o escândalo, porque não há qualquer lugar, no ministério da Igreja, para quem abusa de menores".

"Os crimes, os pecados dos abusos sexuais a menores [cometidos por membros da Igreja] não podem ser mantidos em segredo durante mais tempo", defendeu o Papa ainda em 2015.

"Nós não podemos encobrir [atos de padres pedófilos e] daqueles que são culpados, incluindo alguns bispos".

Já em 2022, em entrevista à jornalista portuguesa Maria João Avillez, Francisco foi claro: "o abuso de homens e mulheres da Igreja - abuso de autoridade, abuso de poder e abuso sexual - é uma monstruosidade".

"Não nego os abusos - mesmo que fosse um só é monstruoso, porque o padre e a freira têm de conduzir o menino, a menina a Deus, e ao fazerem o abuso destroem-lhes a vida. É monstruoso, é destruir vidas".

“Vos estis lux mundi”

Passo importante no combate aos abusos fora dado pelo Papa em maio de 2019, quando, através do documento "Vos estis lux mundi" (Vós sois a luz do mundo), determinou a criação, por todas as dioceses, de um sistema acessível a quem quiser fazer uma denúncia, bem como a total proteção e assistência aos denunciantes.

Por outro lado, ficou consagrada a obrigatoriedade de os sacerdotes e os religiosos denunciarem suspeitas de abusos sexuais na igreja assim como de qualquer encobrimento pela hierarquia.

No início deste mês de março, o Papa recordou as vítimas de abusos na Igreja, falando numa "tragédia" que ninguém deve ignorar ou desvalorizar.

"A Igreja não pode tentar esconder a tragédia dos abusos, quaisquer que sejam. Nem quando os abusos ocorrem nas famílias, em clubes, ou noutro tipo de instituições. A Igreja deve ser um exemplo para ajudar a resolvê-los, tornando-os conhecidos na sociedade e nas famílias", refere, na edição mensal de março de "O Vídeo do Papa".

“Não basta pedir perdão”

Francisco defendeu, também, que, diante dos abusos, "não basta pedir perdão", e acrescentou que a Igreja tem de "oferecer espaços seguros para ouvir as vítimas, acompanhá-las psicologicamente e protegê-las".

“Tudo o que se faça para reparar danos “nunca será suficiente”

O caso mais recente de divulgação de um relatório sobre as situações de abusos sexual na Igreja é o português, com a Comissão Independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht a validar 512 dos 564 testemunhos recebidos durante o ano de 2022, referentes ao período desde 1950, o que permitiu extrapolar para um total mínimo de 4.815 vítimas.

As décadas de 1960, 70 e 80 do século XX foram as que registaram um maior número de casos de abuso sexual no seio da Igreja em Portugal, concluiu a Comissão Independente. A maioria das vítimas tinha entre 10 e 14 anos.