Mariana Oliveira, in Público
Eurobarómetro sobre corrupção também indica que 90% dos inquiridos acreditam que este tipo de fenómeno é “muito” ou “bastante” comum em Portugal. Só 2% dizem ter testemunhado um caso concreto.
Os portugueses são dos cidadãos da União Europeia que apresentam dos maiores índices de intolerância à corrupção, ficando à frente dos finlandeses e dos suecos, que são conhecidos pela pouca tolerância a este tipo de fenómenos.
Segundo os dados do último Eurobarómetro especial dedicado à corrupção, realizado o ano passado, só a Irlanda apresentou um nível de intolerância mais elevado do que Portugal.
Dos 1003 portugueses que responderam ao inquérito financiado pela Comissão Europeia, apenas 1% consideram a corrupção aceitável, enquanto para 23% esta atitude é tolerável. A maioria (76%) vê este fenómeno como algo intolerável.
Mesmo assim, este indicador baixou 12 pontos percentuais desde o anterior Eurobarómetro especial, realizado em finais de 2019, uma tendência que se sentiu um pouco por toda a União Europeia (UE) e que se reflectiu na descida da percentagem média dos cidadãos dos 27 Estados-membros que consideraram a corrupção inaceitável (passou de 69 para 63%).
Este índice resulta da análise das respostas dos inquiridos a três questões: “Se quisesse obter algo da administração pública ou de um serviço público, em que medida pensa ser aceitável dar um presente?”, “fazer um favor?” e “dar dinheiro?”.
Apesar dos elevados níveis de intolerância dos portugueses a estas práticas, a tolerância com estes comportamentos aumentou bastante desde 2019, essencialmente quanto à aceitabilidade de dar um presente ou fazer um favor. Nesse Eurobarómetro, só 8% consideravam “por vezes aceitável” dar um presente nessas situações, uma percentagem que cresceu para 20% no último inquérito especial. Em 2019, havia 6% de portugueses a dizer que “por vezes era aceitável” fazer um favor para obter algo da administração pública ou de um serviço público, uma percentagem que subiu para 19% no ano passado.
Apesar de mais de três quartos dos portugueses garantirem ser intolerantes à corrupção, 90% acreditam que este tipo de fenómeno é “muito” ou “bastante” comum em Portugal, uma percentagem que caiu quatro pontos face ao inquérito anterior.
Questionados sobre se a corrupção aumentou, permaneceu no mesmo nível ou diminuiu nos três anos anteriores, 51% consideraram em 2022 que estas práticas subiram (menos 4% do que em 2019) e 34% disseram que estava tudo igual (mais 8% do que no inquérito anterior).
Embora os portugueses considerem a corrupção um fenómeno comum no país, apenas 8% (em 2019 eram 7%) disseram conhecer alguém que aceite ou tenha aceitado subornos. Bastante menos que os 34% de gregos e de 25% dos letões que afirmam o mesmo. Aliás, ao nível deste indicador, Portugal fica abaixo da própria média da UE, que está nos 11%.
Ainda mais baixo é o número de portugueses que assumiu que “nos últimos 12 meses foi vítima ou testemunhou algum caso de corrupção”. A essa pergunta responderam afirmativamente apenas 2% dos inquiridos (menos 1% do que em 2019), o que coloca Portugal bem abaixo da média dos cidadãos dos 27 países da UE, que foi de 6%.
Um valor mais baixo do que o registado no inquérito “O que pensam os portugueses sobre corrupção: percepções-atitudes-práticas”, do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, publicado em 2021 com financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
De uma amostra de 1020 pessoas, representativa da população portuguesa, 7% admitiram que, nos últimos três anos, funcionários públicos lhe pediram ou deram a entender que queriam presentes, favores ou subornos em troca dos seus serviços.
Resultados “surpreendentes” e “enigmáticos”
Luís de Sousa, investigador principal do ICS e um dos autores deste estudo, que apresenta um extenso currículo de artigos científicos na área da criminalidade económico-financeira, considera “surpreendentes” e até “enigmáticos” os resultados de Portugal relativamente ao nível de intolerância à corrupção, explicando que essa estranheza levou um colega a estudar especificamente esta questão.
Apesar de considerar 7% uma percentagem baixa no contexto europeu, Luís de Sousa nota que face a estudos idênticos que realizou há uns anos a percentagem significa uma subida para mais do dobro. “Crescemos de três para 7%”, refere.
Entre os indicadores existentes sobre a dimensão do fenómeno da corrupção, nota Márcia Costa no mestrado “Decisões judiciais sobre o crime de corrupção em Portugal: um estudo de sentencing”, está o Barómetro Global da Corrupção da Transparência Internacional. Neste estudo, o último divulgado em 2021, dá-se conta de que 3% dos inquiridos (utilizadores de serviços) indicaram o pagamento de subornos nos últimos 12 meses.
Confrontados com uma lista de profissionais/instituições em que “a maior parte ou todas as pessoas” são corruptas, 33% dos inquiridos apontaram para os banqueiros, 27% para os empresários, a mesma percentagem que indicou os deputados do Parlamento. Os autarcas com 19%, o Governo com 16%, o primeiro-ministro com 15% e os magistrados com 11% são as restantes categorias mais referenciadas.
A Transparência Internacional ainda realiza anualmente o Índice de Percepção da Corrupção, que avalia o grau em que especialistas e gerentes de empresas acreditam que funcionários públicos e políticos aceitam subornos, pagamentos ilícitos em compras públicas, desviam fundos ou cometem crimes semelhantes. Portugal obteve no ano passado 62 pontos em 100, tendo ficado na 33.ª posição numa lista de 180 países que tem a Dinamarca à cabeça, com 90 pontos, e a Somália no fundo, com 12. A posição de Portugal tem-se mantido relativamente estável desde 2012, tendo oscilado entre os 64 e os 61 pontos.