6.10.09

Vila d"Este, um barril com 18 por cento de desemprego onde nenhum partido falta em campanha eleitoral

Por Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

O densamente povoado subúrbio da Área Metropolitana do Porto - quase 17 mil pessoas - não tem centro de saúde, nem esquadra, nem creche, nem banco


O tempo escureceu as paredes dos prédios que a Câmara de Gaia vai agora reabilitar com dinheiros comunitários. Fernanda Silvério caminha entre eles, cabisbaixa, cruza a porta da Associação de Proprietários de Vila d"Este (AP). Também ela está em mudança. O marido trocou-a pela melhor amiga.

Se um político lhe interrompesse a marcha e lhe perguntasse pela vida no mais densamente povoado subúrbio da Área Metropolitana do Porto, ela pedir-lhe-ia mais transportes: "O 905 anda sempre muito cheio." E mais promessas cumpridas: "Disseram que iam pôr aqui uma esquadra!"

A esquadra não apareceu. E são quase 17 mil pessoas arrumadas em 20.085 apartamentos encavalitados em 109 edifícios. Não vai há um mês, uma moradora apareceu morta. O marido e os filhos encontraram-na nua, com um saco de plástico na cabeça, no mato, em frente ao Hospital Eduardo Santos Silva. Em 2001, outra trabalhadora do sexo fora estrangulada.

Todos os dias, Fernanda apanha o autocarro número 905 para o Porto: "Vou às 8h00 menos tal e volto às 18h00." Não há dia sem aperto e suor. Uma hora para lá, uma hora para cá, estourada pelo corre-corre de "auxiliar de serviços gerais de apoio a infantário", de pé, entre gente que se acotovela.

A nova linha concessionada à Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP) tarda. E a carreira privada que por aqui passa, a Valpi, não aderiu à intermodalidade e exige a suspensão das duas linhas da STCP que entram na freguesia de Vilar de Andorinho.

Fernanda nem quer pensar no que seria se a Valpi tivesse levado a sua avante e o 905 tivesse sido suspenso. Para quê atormentar-se a imaginar o caos instalado na urbanização? Para a atormentar já lhe basta a realidade: "Ele pôs a casa à venda. Não sei como vai ser. Para vir [à Gaia Social, a empresa municipal responsável pela gestão da habitação social] tenho de faltar ao emprego. A qualquer momento posso estar na rua com os miúdos."

É uma das mais baratas zonas do Grande Porto. Não é difícil arranjar um T1 por 20 mil euros, um T2 por 25 mil, um T3 por 30 mil, afiança António Moreira, presidente da AP. Quase todos os dias, anúncios nos classificados de um jornal nacional. "Todos os meses" entra e sai gente.

Quem passa, veloz, pela A1, avista o enorme vulto de betão escurecido que aguarda desde meados da década de 90 por uma intervenção de fundo. Até Novembro, deverá ser assinado o contrato que atribuirá 6,9 milhões de euros de fundos comunitários à recuperação.

O plano de acção esteve em risco. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte (CCDR-Norte) duvidou da possibilidade de aplicação de fundos comunitários. CCDR-N e autarquia encontraram um caminho alternativo ao FEDER: a directiva sobre intervenções em edifícios de habitação para a melhoria da eficiência energética.

A urbanização cresceu no princípio dos anos 80. O que era investimento privado, lembra António Moreira, abriu-se ao investimento público. "O município conquistou território. Como? Os bancos tomaram conta dos apartamentos de quem deixou de poder pagar e a câmara comprou-os a baixo custo e neles realojou pessoas que se esqueceu de acompanhar."

Fernanda chegou há uma dúzia de anos. Não se falava de Vila d"Este como um barril de pólvora com 18 por cento de desemprego. Sobre a urbanização não pairava ainda o estigma alimentado por histórias como a das meninas de três e de cinco anos que em 2005 morreram num incêndio. A família pagou 67.500 euros pelo T3 que o marido acaba de pôr à venda por 50 mil.

Talvez o estigma não traga só maldades. O marido não conseguirá vender a propriedade num abrir e fechar de olhos: "Ainda há bocado foi lá o senhor da imobiliária para pôr a casa à venda e disse isso." Oxalá tarde, até alguém na Gaia Social escutar as suas preces: "Ele levantou o dinheiro que havia no banco. E, só com o meu ordenado, não posso pagar uma renda."

Tem três filhos e é avó de uma criança de quatro anos. Não parece. Tem 39 anos e o nariz infectado por um piercing. O filho mais velho foi pai aos 17, como ela. O mais novo está com 16 e já aguarda descendência. Fernanda espera que a rapariga, que vai nos 14, não repita a graça. "Ela é mais atinada. Mas, quem sabe?" A gravidez precoce é tão comum em Vila d"Este.

Escasseiam respostas. A AP lançou uma campanha de sensibilização para angariar fundos para uma creche. A única creche que havia é agora uma massa abandonada. Na urbanização haverá 400 crianças de três a 34 meses sem estrutura de apoio. As famílias recorrem a familiares, vizinhos, amas. Muitas mulheres ficam em casa com as crianças, aponta António Moreira. Fernanda ficou "em casa a tomar conta dos filhos". Só ingressou no mercado de trabalho há dois anos, quando os sentiu seguros. E agora está aflita, a pedir apoio alimentar.

As associações situadas na urbanização tentam pressionar os poderes públicos a fazer cidade. Querem um auditório, um centro de saúde, uma esquadra, uma escola secundária, um espaço de ocupação juvenil, creches. Mora aqui mais gente do que em muitas cidades portuguesas - metade da freguesia de Vilar de Andorinho - só uma caixa Multibanco existe dentro de um supermercado.

Em altura de campanha, não há partido que não passe por aqui - todos os partidos têm gente de Vila d"Este na lista da junta: em 1.º lugar no BE, em 1.º na CDU, 3.º no PSD, 9.º no PS. O cabeça de lista do PS à câmara, Joaquim Couto, já aqui veio prometer metro até ao Hospital Eduardo Santos Silva. A candidatura de Luís Filipe Menezes, do PSD, veio no sábado à noite falar da reabilitação que se avizinha. António Moreira gostava de os ouvir falar num centro de saúde. A AP nasceu para pressionar para a reabilitação. Acabou por abraçar os problemas sociais. Daqui, campeões distritais de xadrez sub-8 (masculino), sub-10 (feminino) e sub-12 (feminino). Daqui, apoio alimentar para perto de 400 famílias - cerca de 1200 pessoas. Fernanda acaba de se inscrever.