Vera Luza, in Jornal da Madeira
Jornal da Madeira (JM) - 2010 é o “Ano Europeu do combate à pobreza e à exclusão social”: acha pertinente esta proposta?
Maria Céu Carreira (MCC) – Acho bastante pertinente. Acredito sinceramente, que este Ano Europeu irá ter impacto – oxalá decisivo - na erradicação da pobreza e exclusão social. É uma oportunidade para sensibilizar as pessoas, a sociedade, para as questões da pobreza.
Uma ampla campanha de esclarecimento e de promoção da solidariedade, contribuirá por certo, para uma percepção da pobreza diferente daquela que hoje é, ainda, apanágio de grande parte das pessoas. Isto é, importa entender a pobreza não como um fenómeno residual e periférico, mas antes entendê-lo, como consequência de um modelo, ou modelos de desenvolvimento, que urge reequacionar. A pobreza, é assim um fenómeno extenso, multidimensional e tudo o que possa contribuir para a sua compreensão e visibilidade, é, em meu entender, pertinente.
JM - Quando se fala em solidariedade pensa-se, geralmente, no trabalho de muitas instituições ligadas nomeadamente à Igreja Católica (Cáritas, Misericórdias) e outras entidades. Considera suficiente esta aposta ou há que fazer mais a nível de cada cidadão, das famílias carenciadas, no sentido de que "não basta dar o peixe, mas ensinar a pescar?"
MCC - De facto, “ não basta dar o peixe, mas ensinar a pescar”. No entanto, para que esta frase ou pensamento faça todo o sentido, e todo o sentido não é, nem pouco mais ou menos, associá-la ao risco da “ pobreza dependente”, importa perceber a pobreza enquanto problema social vasto e persistente.
Urge pois a mobilização para a solidariedade, urgem novos também “sistemas de referência em função dos interesses do bem comum e não dos interesses individuais, urge uma sociedade solidária”.
Até ao dia em que todos saibam e possam pescar, continuaremos – e temos de continuar – a dar, muitas vezes, o peixe.
Causas e consequências da pobreza
JM - A quem compete, então, a erradicação da pobreza a todo o tempo?
MCC - Combater e erradicar a pobreza é uma responsabilidade colectiva, daí a importância da sociedade civil, a importância das pessoas, a importância da Igreja.
A construção do bem comum é uma incumbência universal, pelo que o contributo de todos é fundamental. A erradicação da pobreza, o proporcionar a todos um desenvolvimento digno da pessoa humana, é compromisso que não pode, nem deve, dispensar ninguém.
Neste sentido, importa relevar o papel da Igreja e de outras entidades e pessoas, na construção do bem comum.
JM - Está confiante no futuro, isto é, é agora ou nunca que a pobreza se vai resolver de uma vez por todas à escala global, ou prevê ainda a necessidade de grandes mudanças políticas, de mentalidade?
MCC - Estou confiante no futuro, apesar de saber que o futuro, esse futuro onde a dignidade da pessoa humana, de todas as pessoas, seja uma realidade, ainda está longe.
Assumir a pobreza como um problema de todos, implicará, naturalmente, mudanças políticas e de mentalidades. Entender as causas da pobreza, reconhecer a sua persistência à luz de modelos de desenvolvimento injustos, ajudará a rever e a reinventar políticas, medidas e acções. A sociedade do futuro, tem de ser uma sociedade de repartição mais justa do resultado do desenvolvimento.
Estou confiante também, porque tudo o que respeita ao Homem, é missão da Igreja.
JM - Na sua opinião, que medidas concretas, práticas, deveriam ser tomadas para aliviar mais o fenómeno da pobreza?
MCC - Muitas são as medidas práticas que hoje contribuem para aliviar a pobreza. Há muitas instituições a trabalhar no terreno, há bastantes respostas que são dadas pelo Governo, há muitas pessoas – familiares ou não – que são o suporte de tantas outras.
Surgem também acções pontuais, muitas inovadoras, dinamizadas por grupos e organizações que são de enorme valia para aliviar situações de pobreza. No entanto, sendo tudo isto imprescindível, não chega.
Não podemos esquecer que “ a resolução da pobreza requer medidas que ajudem as pessoas a tornar-se auto-suficientes em matéria de recursos”. Então, se é importante investir nas fontes de capital social - famílias, escolas, comunidades religiosas, comunidades de vizinhança, por exemplo – não é menos importante a implementação de novas políticas e a construção de novos caminhos.
O desemprego, a precariedade laboral, as baixas pensões, os baixos níveis de escolaridade, a longa espera até ao primeiro emprego, têm, obviamente de ter respostas no âmbito, não só das políticas sociais mas também das políticas económicas.
Bento XVI lembrou, ontem, os trabalhadores que perderam o seu emprego por causa da actual crise económica, assinalando que a situação “requer grande sentido de responsabilidade por parte de todos: empresários, trabalhadores e governantes”.
Na recitação do Angelus, o Papa solidarizou-se com algumas situações de dificuldade que se vivem em Itália, à imagem do que já tinha feito a Conferência Episcopal desse país, encorajando a fazer “todos os possíveis para tutelar e fazer crescer o emprego, assegurando um trabalho digno e adequado para sustentar as famílias”.
“O Ano Europeu de 2010 pretende chegar aos cidadãos da UE e a todos os intervenientes públicos, sociais e económicos.
São quatro os seus objectivos específicos: Reconhecer o direito das pessoas em situação de pobreza e exclusão social a viver com dignidade e a participar activamente na sociedade; Reforçar a adesão do público às políticas e acções de inclusão social, sublinhando a responsabilidade de cada um na resolução do problema da pobreza e da marginalização; assegurar uma maior coesão da sociedade, onde haja a certeza de que todos beneficiam com a erradicação da pobreza; mobilizar todos os intervenientes, já que, para haver progressos tangíveis, é necessário um esforço continuado a todos os níveis de governação.”
Seminário faz diagnóstico da realidade social
“Pobre apesar do Trabalho" foi o tema do seminário internacional que ontem terminou em Guimarães, promovido pela Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC).
O encontro contou com a participação de 50 inscritos ligados a instituições congéneres de Espanha, França, Alemanha e República Checa. Segundo o Diário do Minho, a realidade portuguesa esteve particularmente em foco. “Quarenta e um por cento dos portugueses enfrenta sérios riscos de cair na pobreza, que afecta dois milhões de portugueses. E quase metade das famílias já viveu ou vive abaixo do limiar da pobreza, realidade a que já nem escapa quem tem trabalho”, alertaram responsáveis pela LOC em Portugal. “Ao contrário do que acontecia até há algum tempo atrás, ter um emprego já não é garantia de que não se entra na pobreza. Pelo contrário, são cada vez mais os trabalhadores portugueses que enfrentam riscos elevados de serem apanhados pela pobreza que afecta 18 por cento da totalidade da população portuguesa”, disse Glória Cardoso, dirigente nacional da Liga Operária Católica. “São já 12 por cento, os trabalhadores que vivem em situação de pobreza, quando ainda há poucos anos eram 10 por cento”, referiu, considerando que é “pobre quem tem rendimentos abaixo dos 380 euros mensais.”
Ainda de acordo com a reportagem do Diário do Minho sobre o tema em debate naquele Seminário internacional de dois dias, em Guimarães, “o cenário português, que é bem mais grave que a realidade europeia – na União, 8 por cento dos trabalhadores são considerados pobres, tende a agravar-se por força dos ‘baixos salários’. É que ‘41 por cento dos trabalhadores portugueses por conta de outrém recebem salários entre 300 e 600 euros’, sublinhou Glória Cardoso, notando que ‘o risco de pobreza entre quem trabalha aumentou’.