17.2.10

Ciganos formados para o diálogo

por Céu Neves, in Diário de Notícias

Duas mulheres marcam a diferença em grupo com 13 homens. São os novos mediadores municipais


"Mulheres a fumar? Só se for às escondidas!" "Mas, às escondidas, porquê? Não tem de ser às escondidas!" "Deixa lá essas modernices." Riem-se as duas. A conversa é entre duas ciganas, uma de 60 e outra de 33 anos. Duas gerações que vivem a comunidade de forma diferente, mas que marcam diferença à sua maneira.

Fazem parte de um grupo de 15 ciganos que trabalha como mediadores municipais. Um projecto-piloto do Alto-Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) que termina em Setembro e que se pretende renovar por mais dois anos.

A mais velha, Olga Mariano, é mediadora na Câmara do Seixal e é presidente da Amucip, Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas. Ficou viúva há 14 anos e apenas se lhe vêem as mãos e a cara, tudo o resto está completamente coberto de preto.

Foi a necessidade de recorrer ao rendimento social de inserção (RSI) que a levou a frequentar acções de formação há 11 anos. "Havia que dar alguma coisa em troca e o que dei foi o meu trabalho como mediadora sociocultural", justifica. Tem a antiga 4.ª classe e cursos de reconhecimento de competências.

A mais nova, Dulce Nascimento, é mediadora na Câmara da Marinha Grande e presidente da NAKI, Nossa Associação de Kalons Íntegros.

É divorciada e nada na sua figura revela estarmos perante uma cigana. Foi, também, o RSI que a levou à formação em mediadora sociocultural. Tem o 9.º ano e cursos de reconhecimento de competências.

Ambas cresceram na venda ambulante e dizem ter adorado essa vida. "É um caminho, é o que nos dá alguma visibilidade. É o que nos prepara para o início da vida", justifica Dulce Nascimento.

Hoje, estão com outras funções e acreditam que a comunidade cigana está a mudar... lentamente, "e não se pode generalizar", repete Olga Mariano.

"É preciso ter um espírito de missão para se fazer um trabalho destes, é muito difícil mudar mentalidades", acrescenta Olga. Tal como tem aprendido no curso de formação, vai tentar estabelecer pontes entre a autarquia e a comunidade cigana. Uma das primeiras iniciativas será o levantamento das necessidades dos ciganos, "sem ultrapassar o limite da sua privacidade", sublinha Olga Mariano.

Já Dulce Nascimento tem como missão "minimizar o absentismo escolar da comunidade cigana". Afinal, foi esse o objectivo para que foi criada a NAKI, na Marinha Grande ou em Leiria, onde tem exercido a função de mediadora.

As duas mulheres participam na última secção do curso de mediadores municipais do projecto-piloto iniciado a 1 de Outubro e que vai terminar a 30 de Setembro.

Os 15 ciganos já estão a trabalhar nas autarquias e recebem uma média de 600 euros mensais, dependendo das situações.

Era previsível que terminassem agora a parte formativa, mas ainda terão mais algumas sessões de informática.