4.2.10

Dez operários chineses chamam lar a uma casa de banho

por Hugo Coelho, in Diário de Notícias

Chegaram há meses do interior e instalaram as camas entre sanitas e lavatórios.

Ai já não se enoja com o cheiro da urina, nem sequer se queixa dos ratos que vivem paredes-meias com ela. O que a incomoda é que lhe estejam sempre a roubar os tachos e o fogão. Para uma chinesa pobre isso é que é o pior de viver numa casa de banho pública.

Ai, mulher de meia idade, é uma do grupo de chineses sem tecto que ocupou uma das casa de banho da cidade de Hangzhou. Ao todo, vivem lá dez operários, divididos por sexos, como ditam os sinais pregados nas portas.

Ninguém sabe ao certo quando chegaram - a imprensa local fala em alguns meses. Mas foi tempo bastante para arrumarem as camas entre as sanitas e os lavatórios e comprarem tachos e panelas, e até uma televisão.

Um pequeno luxo para ajudar a fazer esquecer a pobreza. Vivem ali porque o dinheiro que ganham mal chega para comer, muito menos para pagar a renda de uma casa na sobrepovoada e industrial capital da província de Zhejiang, na costa leste da China.

Vieram das aldeias do interior à procura dos empregos nas fábricas que fizeram da China a segunda economia do mundo, a seguir aos Estados Unidos e ao Japão.

Só que para eles e outros 20 milhões de migrantes - que agora se apertam em comboios para voltar às suas terras no interior e festejar o Ano Novo - o "milagre chinês" nunca se tornou realidade.

Wang Yuhua, vizinha de Ai, contou ao jornal Zhejiang Morning Express que tem uma amiga que sente inveja dela por poder viver debaixo de um tecto e por não ter de pagar renda. Talvez a pensar na frustração desses, o porta-voz da câmara municipal veio avisar que "é proibido" viver nas casas de banho públicas e lembrar que elas existem para o uso de todos.

Apesar dos roubos constantes de que se queixa Ai, os jornalistas chineses escrevem que a população local tem sido solidária com os ocupantes e até evita usar a casa de banho para os deixar em paz.

Mas quem não sabe da história ainda fica surpreendido ao entrar e dar por si numa casa de estranhos. Du contou a sua história ao Express: "Quando eu entrei lá dentro para ir à casa de banho, fiquei paralisado ao ver pessoas sentadas, a conversar descontraídas e a fazer as suas coisas."