por Roberto Dores, in Diário de Notícias
Degradação preocupa moradores e comerciantes. Requalificação está atrasada
"Caem-nos pedras enormes dentro de casa. Chove como na rua. Temos as nossas crianças em risco, porque a escarpa está a ruir e ninguém se digna dar-nos uma ajuda." O grito de revolta parte do peito doído de Teresa Santos, que habita, juntamente com a filha e dois netos, uma das casas em ruínas do Cais do Ginjal (Cacilhas) e que há duas semanas, por causa do mau tempo, viu um vizinho desalojado quando uma rocha se soltou da arriba e destruiu completamente o edifício onde dormia. Agora Teresa Santos será o caso mais crítico entre as 15 famílias que ali habitam, desesperadamente à espera que a requalificação anunciada pela câmara de Almada vá para o terreno.
"Talvez assim queiram correr daqui connosco e nos arranjem uma casinha", admite Teresa Santos, uma vendedora ambulante que abriu as portas da sua casa ao DN para mostrar como até o chão já vai abaixo, à medida que os passo avançam, tal é a podridão da madeira. No corredor, através de um oleado carregado de buracos, é possível ver a fossa lá no fundo, a uns bons cinco metros de altura.
"O meu sobrinho, que é pesado, já ia caindo, porque o chão cedeu, mas são as crianças que mais me preocupam. A gente não dorme", queixa-se esta mulher, que vive no Ginjal há 50 anos. "Não pago renda, mas eu preferia pagar e ter uma casa em condições", insiste, enquanto se ouvem cair pedaços e estuque na já mais que retocada parede da casa de banho, e onde se vê o céu aberto por entre as vigas soltas.
A filha Sandra Teresa - mãe das crianças - mostra o quarto onde os miúdos dormem. O chão está inundado de água, mas também são visíveis fios eléctricos. "Eu sei que nada disto é legal, nem a luz, nem a água, mas nós temos de nos desenrascar para vivermos com alguma dignidade."
Para se chegar a esta casa junto à arriba é preciso subir perto de 40 degraus, sendo que logo à entrada está afixada uma placa a alertar para a queda de pedras. Um sério aviso, até porque há dias foi por muito pouco que o vizinho de Maria Teresa escapou ao deslizamento de um pedregulho que lhe destruiu a habitação, ficando desalojado, pelo que vive agora da solidariedade dos amigos.
"O homem estava a dormir, mas teve a sorte da pedra lhe ter caído ao lado", relata Rosane Prola, a dona do restaurante "Atira-te ao rio", situado quase paredes meias com a casa atingida. Rosane lamenta que "tudo continue como se não se tivesse passado nada", não escondendo o seu receio por novas derrocadas. Mas ao longo do passeio ribeirinho o cenário não melhora. Que o diga Estêvão Nunes, cuja casa exibe numa janela um letreiro assinado pela câmara de Almada onde se lê "Risco de desmoronamento de fachada".
"Se está em risco como é que me deixam estar cá?", questiona, mostrando como é viver sem telhado entre pedras e lixo, onde apenas sobressai a cama.
Dizem os moradores e quem tem negócios no cais que não pode ser pelo facto de haver um projecto de requalificação para o Ginjal que iliba o município de tomar medidas na escarpa. O vereador do turismo, António Matos assume a prioridade da intervenção, revelando que a consolidação da arriba está incluída no plano orçado em 7 milhões de euros, já aprovado pelo QREN, numa altura em que um grupo de promoção imobiliária da Madeira - Avelino Farinha e Agrela - assumiu publicamente o seu interesse no local ao comprar um edifício à Galp Energia por 2,3 milhões de euros.
Apesar da destruição que faz do Cais do Ginjal uma espécie de submundo com vista privilegiada para Lisboa e todos os avanços e recuos que adiaram a requalificação lá do sítio, Rosane Prola acredita que chegou a hora da mudança. Há 20 anos que houve falar de projectos, de planos de pormenor e de requalificações, mas diz que alguma coisa vai ter de acontecer nos tempos mais próximos, adiantado que "há muito por fazer".
A empresária pega na falta iluminação para garantir ser uma das carências que afasta a clientela aos dois restaurantes do cais, alertando que até o próprio acesso limita o negócio. "Isto podia ser um sítio fantástico, porque a vista é linda, mas além de estar tudo destruído, as pessoas não respeitam nada", lamenta, denunciando que moradores, pescadores e visitantes poluem frequentemente o cais, com todo o tipo de lixo, mas não há serviço de limpeza. "Somos nós que limpamos e é se queremos". diz.