Por Idálio Revez, in Jornal Público
Cavaco Silva admite que o momento é dramático, mas apela aos portugueses para não "cederem à tentação do desalento"
A situação que Portugal atravessa é dramática. Isto mesmo foi enfatizado ontem pelo Presidente da República, que, no discurso de encerramento das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, realizadas em Faro, classificou o actual momento como "insustentável".
Evocando anteriores discursos, nomeadamente o que proferiu na mensagem de Ano Novo, no qual já chamava a atenção para as dificuldades que se avizinhavam, Cavaco Silva afirmou: "Não escondo, como nunca escondi, a real dimensão do desafio que temos entre mãos. (...) Como avisei na altura devida, chegámos a uma situação insustentável". E o momento, dominado pela crise, exige explicações. "Quanto mais se pedir ao povo, mais o povo exigirá dos que o governam", afirmou, num claro alerta para o Governo. Mas não só. O apelo dirigia-se também ao PSD, que negociou com o executivo uma série de medidas de austeridade.
No Teatro das Figuras, tendo a seu lado os mais altos representantes do Estado - presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro e presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional -, Cavaco sublinhou que os sacrifícios que são pedidos aos portugueses "têm de ser repartidos de forma equitativa e justa e, mais do que isso, têm de possuir um sentido claro e transparente, que todos compreendam".
Num tempo em que "as famílias fazem contas à vida", a "coesão nacional" é um imperativo. E reforçou este apelo notando que, "se o horizonte que avistamos é de dificuldades e de incertezas, mais razões temos para nos unirmos".
Perante um país em que "muitos portugueses temem pelo seu emprego, muitos dos que estão desempregados receiam não voltar a encontrar trabalho, e os jovens interrogam-se sobre o seu futuro", o Presidente defendeu que os portugueses não podem "ceder à tentação do desalento".
Apesar de admitir que "pela frente temos grandes trabalhos, enormes tarefas e inevitáveis sacrifícios", Cavaco acredita que o país conseguirá ultrapassar todas as dificuldades. Foi isso mesmo que quis transmitir ao evocar o passado: "Não foi fácil chegar ao dia de hoje, ao Dia de Portugal. Só o conseguimos porque quisemos ser livres, independentes, senhores do nosso destino. Ninguém nos ensina a ser livres."
É no "espírito de indomável vontade de querermos continuar a ser como somos" que se fundam as raízes para dar a volta às dificuldades presentes, argumentou.
Esta foi a parte do discurso que José Sócrates achou mais significativa: "O mais importante foi o apelo à unidade, à concertação social, apelo ao entendimento entre empresários e trabalhadores, julgo que esse é o aspecto mais dominante."
Contudo, esta concordância não se estendeu a outros momentos do discurso. Questionado sobre as considerações do Presidente acerca da "situação insustentável" do país, o chefe do Governo recusou essa interpretação, optando por falar em "dificuldade".
"Não estamos numa situação insustentável. Estamos numa situação de dificuldade como estão os outros países europeus", justificou. Sobre o apelo de Cavaco para uma repartição equitativa dos sacrifícios, Sócrates frisou que "é exactamente isso" que está a ser feito pelo seu executivo. Um dos princípios do Pacto de Estabilidade e Crescimento, acrescentou, "foi justamente a ideia de que era preciso distribuir com equidade por todos os grupos sociais os esforços que vamos fazer".
Antes da cerimónia de condecorações, Cavaco atentou no papel das Forças Armadas e no contexto em que Portugal "deve cumprir a sua quota-parte na segurança internacional, na prevenção do crescimento das ameaças transnacionais e na defesa de valores universais".
O chefe de Estado destacou uma actividade relacionada com a cooperação técnico-militar com os países africanos de língua oficial portuguesa e com Timor-Leste. Nas últimas duas décadas, exemplificou, 5721 quadros militares de países de língua portuguesa foram formados em Portugal.
Este ano, o desfile militar, por causa da contenção de despesas, contou com menos 30 por cento de número de tropas e equipamentos. Pela primeira vez, a parada integrou mais de uma centena de antigos combatentes (ver texto nesta página). Cavaco Silva dirigiu-lhes uma "saudação especial" e enalteceu o papel que desempenharam na Guerra Colonial: "O país que ambicionamos não pode deixar de ser um país com memória e respeito profundo pelos que deram o melhor da sua vida ao serviço e se sacrificaram nos mais variados teatros de operações."

