Valentina Marcelina, in "Diário de Notícias"
Guterres está a preparar-se para a audição pública neste mês, que acontece pela primeira vez na eleição do secretário-geral
Há mais uma novidade no processo de eleição para secretário-geral da ONU: debates públicos entre os candidatos ao mais alto cargo diplomático do mundo. Além de terem de apresentar o seu "programa" e responder às perguntas dos Estados membros numa audição, também pública, na sede da organização em Nova Iorque, os candidatos têm também a possibilidade de confrontar os concorrentes num inédito debate de ideias, promovido por organizações não governamentais (ONG).
António Guterres, que está neste momento a preparar-se para a sua audição que se vai realizar no próximo dia 12, "ainda não decidiu" se e em que debates vai participar, disse ao DN fonte diplomática que está a acompanhar o processo do ex-alto-comissário para os Refugiados da ONU.
Para já, de acordo com o jornal britânico The Guardian, estão agendados dois debates. Um em Nova Iorque, no dia 13 de abril, em colaboração com a ONG New America, no Civic Hall. Na página da web deste think tank, o programa do evento, designado "Uma conversa com os próximos candidatos a secretário-geral da ONU", apenas está confirmada a participação das candidatas da Croácia e da Moldávia (Vesna Pusic e Natalia Gherman) e do candidato esloveno Danilo Turk.
Os concorrentes têm outra hipótese, cerca de três semanas mais tarde, a 3 de junho, em Londres. Outras duas ONG ligadas às Nações Unidas promovem um novo debate que terá como palco o Central Hall Westminster, onde o primeiro secretário-geral da ONU, Trygve Lie, foi escolhido.
O embaixador Seixas da Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus vê "vantagens" para Guterres neste novo modelo. "Tendo em conta o leque de candidatos que são até agora conhecidos, o engenheiro António Guterres tem vantagem em ser submetido a um debate público. A sua qualidade relativamente aos outros é obviamente superior e permitir-lhe-á ter com o público a afirmação dessa qualidade. O que lhe pode ser mais favorável."
Lembrando os pressupostos oficiosos de perfis que têm sido vinculados a esta eleição - ser uma mulher e/ou originário de um país do Centro ou do Leste Europeu -, o diplomata salienta que, com o novo modelo esses critérios podem acabar por se diluir. Todos os candidatos, incluindo as mulheres e os de países de Centro/Leste, à partida favoritos, "vão ter de demonstrar publicamente, quer na audição oficial quer nos debates entre todos, as suas qualidades distintivas para ultrapassar as qualidades objetivas do engenheiro Guterres. O novo modelo prejudica os dois requisitos que têm vindo a ser referidos. Todos os candidatos têm de mostrar uma realidade diferente em termos de qualidade".
Até agora estão na corrida, além do candidato português - que o The Guardian destaca como alguém que se "tornou uma figura proeminente em todo o mundo durante a crise dos refugiados" - e dos três já referidos neste texto, Srgjan Kerim (Macedónia), Igor Luksic (Montenegro) e Irina Bokova (Bulgária), ex-diretora-geral da UNESCO.
No próximo dia 12, à tarde, António Guterres estará perante os representantes dos 193 países que fazem parte da ONU para defender as suas ideias para a organização. Todos os candidatos começam por fazer uma intervenção de dez minutos, em que apresentam a sua "visão" sobre o que pretendem fazer em relação aos desafios atuais do mundo, como as alterações climáticas ou as guerras, que causaram mais deslocação de refugiados do que em qualquer outro período depois da Segunda Guerra Mundial. A seguir respondem a perguntas durante uma hora e 50 minutos. Toda a audição será transmitida pela internet.
Maior transparência na seleção dos candidatos é o objetivo deste novo modelo. Até aqui a eleição do secretário-geral era feito à porta fechada, entre os 15 membros do Conselho de Segurança. O atual líder, Ban Ki-moon, termina o mandato no final do ano e até lá o novo líder será conhecido.