12.4.16

Humanidade, precisa-se

Ana Catarina Mendes, in "Jornal de Notícias"

"Les uns e les autres", o filme de Claude Lelouch, é a minha primeira memória do horror das deportações, da guerra, de vidas destruídas, de projetos interrompidos. A imagem de uma mãe que, ao ser deportada, deixa o seu filho bebé na linha de comboio na esperança de que, assim, se salve... A guerra termina e todos os dias esta mãe vai à mesma linha do comboio na esperança de reencontrar o seu filho e poder retomar a vida onde a deixou. Foi a isto que se agarrou para sobreviver aos horrores do campo de concentração.

As imagens que hoje todos os dias nos chegam são de novo de horror, de barcos sobrelotados, de corpos no mar, de vidas perdidas ou destruídas em fuga da guerra e da fome e em busca de uma outra vida. O tempo já provou que a escolha não é entre os refugiados virem ou não para a Europa - vieram, vêm e virão. A escolha que se impõe, a nós, europeus, é entre sermos humanos ou não.

A Europa pode construir todos os muros. O instinto de sobrevivência e a esperança serão sempre mais fortes do que a mais impressionante das muralhas.

A Europa não pode ficar insensível aos alertas lançados por organizações de prestígio como a ACNUR, os Médicos sem Fronteiras e a Amnistia Internacional, mesmo depois do acordo assinado entre a UE e a Turquia, que se tem revelado insuficiente e desumano.

Os refugiados são homens, mulheres e crianças que deixam para trás toda a sua vida e fogem à guerra, à miséria, quando não à morte certa. Procuram uma oportunidade numa Europa, a nossa Europa, que foi orgulhosamente fundada sob os valores da liberdade e da solidariedade.

Um refugiado aguenta todas as adversidades em busca de viver em paz, como é direito de qualquer ser humano. Estará a pedir-nos demais? Julgo que não.

Entendamo-nos: a crise não é dos refugiados. A crise é de uma Europa que se construiu como um projeto para que os horrores da guerra não se repetissem.

Diz-se que a história da civilização começou nas costas do Mediterrâneo, as mesmas que hoje são palco de uma tragédia que questiona a nossa civilização, que nos questiona a todos e cada um de nós. Humanidade, precisa-se.