Ana Meireles, in "Diário de Notícias"
Devolução e reinstalação de migrantes não parou chegada de pessoas às ilhas gregas, nomeadamente sírios. Holanda recebe hoje mais um grupo de migrantes enviados por Ancara
Esta segunda-feira, 4 de abril de 2016, vai ficar para a História como o dia em que os primeiros refugiados dos campos da Grécia foram devolvidos à Turquia, no âmbito do acordo entre a União Europeia e Ancara, que ainda não mudou a sua legislação relativa ao asilo, como pretendido por Bruxelas.
Dois barcos de passageiros turcos transportando 136 migrantes, na maioria paquistaneses, viajaram ontem da ilha grega de Lesbos para para a cidade turca de Dikili, vigiados por duas embarcações da guarda costeira da Turquia, bem como um helicóptero. Um terceiro barco, com 66 pessoas, maioritariamente afegãos, viajaram mais tarde, saídos da ilha de Chios.
Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Volkan Bozkir, os sírios devolvidos pela Grécia serão enviados para a cidade de Osmaniye, a cerca de 40 quilómetros da fronteira com a Síria. Quanto aos outros, a Turquia poderá contactar os países de origem e repatriá-los.
Com o acordo UE-Turquia, criticado por Nações Unidas e associações humanitárias, Ancara recebe todos os migrantes que entram de forma ilegal na Grécia, incluindo sírios. Em troca, o bloco acolhe milhares de refugiados sírios enviados diretamente pelas autoridades.
De acordo com Bruxelas, nenhum dos refugiados deportados ontem fez um pedido de asilo à Grécia e que todos abandonaram o país de forma voluntária. Entre eles estavam dois sírios que pediram para regressar à Turquia.
O porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, explicou que os primeiros regressos foram legais, apesar de a Turquia ainda não ter feito as alterações às suas leis que Bruxelas disse, na altura da assinatura do acordo, serem necessárias. Estas mudanças dizem respeito às leis do asilo, que precisam de ter alteradas para dar proteção internacional aos sírios que chegam por outros países que não a Síria, bem como aos cidadãos de outras nacionalidades devolvidos pela Grécia.
O Parlamento grego, por seu turno, aprovou na sexta-feira legislação a emendar as leis do país de forma a permitir aos requerentes de asilo e outros migrantes que sejam devolvidos aos chamados países seguros, mas sem mencionar explicitamente a Turquia.
"É quase baseada na suposição de que a Turquia é um país seguro para refugiados e já conseguimos documentar que, neste momento não o é", disse ontem Gauri van Gulik, diretor adjunto da Amnistia Internacional para a Europa, organização que acusa Ancara de, nos últimos meses, ter devolvido à Síria milhares de cidadãos que estavam a tentar fugir do país.
Acordo UE-Turquia é "ilegal, imoral e impraticável", defende Ana Gomes
No sentido contrário foram reinstalados 32 refugiados sírios na Alemanha, que chegaram de avião a Hanôver vindos de Istambul, e outros 11 na Finlândia, no âmbito do acordo com a Turquia. Hoje deverão chegar mais pessoas à Holanda, também por via aérea. "Esforços contínuos da Grécia, Turquia e de todos os Estados membros são necessários nos próximos dias e semanas", indicou o executivo comunitário, que tem defendido que através do acordo com a Turquia se substituirá a migração ilegal pela reinstalação legal de refugiados.
Tentar a sorte
Na verdade, contas feitas, mais pessoas chegaram à ilhas gregas nas 24 horas que antecederam a entrada em vigor desta troca de refugiados do que o que foram ontem transportados para a Turquia, de acordo com a as autoridades da Grécia, que apontam para a chegada de 339 migrantes.
Horas antes do primeiro navio sair de Lesbos, a guarda costeira grega resgatou pelo menos dois barcos com mais de 50 migrantes, incluindo crianças e uma mulher de cadeira de rodas, que estavam a tentar alcançar a ilha. "Estamos apenas a tentar a nossa sorte. É pelo nosso destino", declarou à Reuters Firaz, um sírio curdo de 31 anos, que viajou com um primo. "Ouvi que talvez iranianos, afegãos. Não ouvi que estavam a devolver sírios à Turquia... Pelo menos fiz o que pude. Estou vivo", acrescentou.
Dois grupos, na sua maioria de homens paquistaneses, num total de cerca de 100 pessoas, também foram intercetados pela guarda costeira turca perto de Dikili.